Conteúdo do impresso Edição 1275

ELEIÇÕES

Duelo de ‘tios’ expõe uma Maceió entre as piores capitais do país

Tios Jota e Rafa reciclam mensagem, miram ‘sobrinhos’ e tentam ares joviais nas campanhas
Por ODILON RIOS 20/07/2024 - 06:00

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CORTESIA
Silvio Laurindo: ‘Guerra de tios não representa progresso ou mudança’
Silvio Laurindo: ‘Guerra de tios não representa progresso ou mudança’


A menos de três meses das eleições, o prefeito JHC (PL), o Tio Jota, está a caminho da reeleição num duelo que tem, na oposição, o deputado federal Rafael Brito (MDB), o Tio Rafa. ‘Tio’ é um dos tantos museus de novidades inventados pelas redes sociais, manjada estratégia do passado quando os marqueteiros das campanhas associavam o povo a uma massa que deveria ser coberta de afetos ou cuidados por lideranças comparadas a pais, mães e, agora, tios.

“Isso não é um prefeito, mas um pai”, são os comentários mais comuns, geralmente nicks criados dias antes, sempre exaltando JHC em lives pelo Instagram.

Tio Rafa ganhou o apelido quando era secretário estadual de Educação. Presença quase obrigatória em jogos internos, grêmios, festas de estudantes, formaturas, Tio Rafa encarna bem o personagem: exibe camisas autografadas, ar jovial e disposição.

Tanto Jota quanto Brito miram seus ‘sobrinhos’ – o eleitor. A “poeira de ouro”, como diria o governador de Alagoas Silvestre Péricles há 70 anos atrás. Ou os filhos, como classificava o presidente Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”.

Novos termos não escondem problemas corriqueiros. Mestrando em História, jornalista e psicólogo, Sílvio Rodrigo Laurindo pesquisa a História de Alagoas. Segundo ele, a “guerra de tios” acontece em meio ao caos: uma cidade com 5 bairros afundando, enquanto banca com dinheiro público cachês milionários em festas; a orla com prédios na casa dos milhões de reais, exibindo carros de luxo enquanto a orla lagunar sequer conta com saneamento básico e moradias seguindo requisitos mínimos de dignidade, como banheiros ou água na torneira para lavar as mãos.

Ou também: ônibus com a tarifa mais barata do Brasil ou circulando de graça aos finais de semana, mas veículos pouco conservados, imersos num trânsito a cada dia pior, sem alternativas, hostil, registrando atropelamentos quase todos os dias, sem impactar mais os nossos olhares.

Uma lista sempre maior: postos de saúde com horário esticado para receber pacientes, porém sem médicos para suprir a demanda. Demanda judicializada por creches, ruas esburacadas enquanto o asfalto é um verdadeiro tapete na orla da capital.

Semanas atrás, o Índice de Progresso Social - Brasil (IPS Brasil) mostrou que a capital alagoana aparece nas piores posições. Problemas batidos: pobreza, desemprego, falta de infraestrutura, déficit habitacional, violência. De uns anos para cá, os efeitos da exploração do sal-gema. “São consequências diretas do subdesenvolvimento, da falta de alternativas econômicas e participação incipiente das classes populares e trabalhadoras”, diz Laurindo.

O pesquisador também identifica que, neste jogo entre gigantes disputando espaços, há a peculiar dança das cadeiras das oligarquias. “É o controle político do território pela sede de domínio, mas também pela terra, pela institucionalidade decisória e cargos barganháveis sem interesse público”, explica.

Sempre foi assim, conta. Vamos voltar no tempo, Brasil colonial, relações entre os senhores e os escravizados, a casa grande e a senzala. Hoje, prefeituras e câmaras de vereadores ocupando a representação do poder e o povo, na posição de sempre. “Nada de novo, de fato”.

Por isso, a “guerra dos tios” não representa progresso ou mudança. Nem traz “frescor de novidade”: “Regresso e atraso são forças importantes diante do cenário político alagoano, são dispositivos preventivos perante os graduais arroubos de reivindicações políticas dos ‘de baixo’. Neste xadrez, os peões só se movimentam para proteger o poder”, analisa.

“É assim que opera o ardor politiqueiro entre os pobres, recrutados pelos partidos oligárquicos através da necessidade do pão e do conforto entre os sobrenomes ‘de peso’. São séculos de história e eles permanecem, um a um, negociando entre os seus. Dois ‘tios’ em guerra: nesta luta, o povo é o peão e a grande vitória é a gestão do subdesenvolvimento”, explica.


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