Mães vítimas de violência doméstica no exterior pedem mudança na legislação

Mães brasileiras que sofreram violência doméstica no exterior e voltaram com seus filhos para o Brasil com objetivo de fugir das agressões participaram nesta terça-feira (1º) de audiência pública no Senado. O evento foi realizado pela Subcomissão Temporária para debater a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, vinculada à Comissão de Direitos Humanos (CDH). Em relatos emocionados, elas compartilharam suas experiências e as dificuldades que enfrentam porque, por essa fuga, são acusadas de sequestro internacional.
A presidente da subcomissão, senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), enumerou vários desses casos em diferentes países. Segundo a parlamentar, as agressões sofridas tornam as mães defensoras de seus filhos, que se encontravam em situação vulnerável, e não sequestradoras. Ela pediu urgência e maior atenção por parte das autoridades brasileiras para o assunto, previsto em acordo internacional. A norma trata do sequestro internacional de crianças menores de 16 anos e determina o retorno de crianças levadas ou retidas indevidamente para outro país sem o consentimento do outro guardião.
— A Convenção da Haia, ao exigir o retorno imediato da criança, não prevê expressamente exceções para casos de violência doméstica. A realidade mostra que há uma relação estrutural entre esses deslocamentos e a violência de gênero. Aplicações rígidas da norma têm gerado injustiças e revitimizações, especialmente quando ignoram os riscos enfrentados por essas mulheres e, sobretudo, para a integridade das crianças — argumentou.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou que outros países estão querendo dialogar sobre o assunto. Ela disse que vai encontrar parlamentares de Portugal e da Espanha para tratar do assunto. Ela também pediu maior empenho das autoridades brasileiras.
— Está na hora de darmos uma resposta efetiva em parceria com o Supremo Tribunal Federal, com a Câmara dos Deputados, com a Procuradoria da Câmara, com as secretarias da Câmara e com os organismos de mulheres do Parlamento. Todos os organismos, desde a Comissão da Violência contra a Mulher, a comissão mista, o nosso observatório, a procuradoria, a secretaria da mulher — afirmou.
Violência
Durante a audiência, as mulheres relataram situações dramáticas vividas no exterior e no Brasil. Entre elas, Ana Beatriz Sampaio, que enfrenta processo em Portugal, denunciou ter sofrido vários tipos de violência. Segundo ela, o marido cometeu agressões físicas, psicológicas e patrimoniais, inclusive na presença do filho, até expulsá-la de casa.
— Eu saí de lá sem precisar mais de nada dele. A única coisa que ele tem e que ele usa para me fazer sangrar é meu filho. De três em três meses, o genitor do meu filho está aqui no Brasil. Eu não impeço o contato. Ele vai às visitas com o pai. Nessas visitas, durante esses 15, às vezes 20 dias, ele não vai nem um dia para a escola — reclamou.
Eliana März, que vivia na Alemanha, relatou que perdeu uma filha com síndrome de Down em 2011, quando foi repatriada em condições que, segundo ela, foram absurdas. A brasileira disse que, além das agressões do ex-marido, também foi vítima das instituições brasileiras.
— A AGU [Advocacia-Geral da União] está do lado do inimigo. O Itamaraty está do lado do inimigo. E, infelizmente, continuará dessa forma enquanto não houver avanços no sentido da aprovação de novas leis, aprovação de mudanças e, sobretudo, mudanças na sociedade que entendam que uma mãe, quando chega a deixar o país onde seu filho nasceu e retorna ao Brasil, ela já sofreu violências demais — lamentou.
Revitimização
Valéria Guishi enfrenta processo na França e reforçou o descaso do governo brasileiro. Ela afirmou que foi vítima de violência doméstica desde a gestação e retornou ao Brasil quando a filha tinha 18 meses. Segundo Valéria, tudo foi comprovado judicialmente e o pai foi preso em flagrante.
— Eu sofri, ao retornar ao Brasil, uma revitimização feita pelo próprio Estado brasileiro. E é nesse sentido que eu aproveito essa oportunidade para solicitar a abertura de inquérito na Polícia Federal para investigar a participação da AGU nos casos de Haia — rogou.
O ministro Aloysio Gomide Filho, secretário substituto de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que o Itamaraty apoia o Projeto de Lei (PL) 565/2022, que qualifica a exposição de crianças à violência doméstica como situação de grave risco. Segundo ele, o ministério elaborou um protocolo para atender aos casos de violência de gênero.
— Queria destacar a criação dos Emubs (Espaços da Mulher Brasileira no Exterior), uma iniciativa que começou em 2017. Hoje são 10, atingindo um público de um milhão de mulheres — esclareceu.
Rodrigo Meira, representante da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, reconheceu os desafios e afirmou que é necessária uma relação mais próxima com o Judiciário.
— Observamos uma realidade cruel para as mães que retornam. Geralmente perdem a guarda. Isso nos preocupa — reconheceu.