MERCADO FINANCEIRO
Com PEC dos Precatórios aprovada no Senado, Ibovespa sobe 3,66%

Depois de testar o patamar dos 100 mil pontos neta quarta-feira, 1º, no fechamento, o Ibovespa sustentou alta robusta durante toda esta quinta-feira, 2. O tom do dia foi ditado, desde cedo, pelo andamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios no Senado, que foi finalmente aprovada na casa no início da tarde. O bom humor levou o mercado a fechar na máxima do dia, aos 104.446,24 pontos, uma alta de 3,66%. Bem distante da abertura e mínima do dia, 100.874,58 pontos (+0,01%).
Após dias de perda significativa no índice, a percepção é de que hoje o mercado encontrou formas de brigar por uma alta. Por um lado, houve a resolução de um capítulo importante da principal incerteza política e fiscal doméstica: a aprovação, no Senado, da PEC que abre o espaço para o Auxílio Brasil e para o pagamento de precatórios. Por outro, os investidores avaliam que os demais fatores de influência no índice ou ajudaram - caso das bolsas americanas, que subiam robustas após a queda de ontem, e das commodities - ou não atrapalharam, caso do PIB. "O mercado estava querendo motivos para subir depois de apanhar tanto nas últimas semanas", diz o especialista de renda variável da Blue3, Victor Hugo Israel.
Após ter sido adiada e muito negociada nos últimos dias, tirando o fôlego do Ibovespa por diversos pregões, a PEC dos Precatórios foi aprovada por 64 a 13 no primeiro turno e 61 a 10 no segundo turno do plenário do Senado. A medida abre um espaço fiscal de R$ 106,1 bilhões em 2022 e permite a implantação do Auxílio Brasil no valor de R$ 400 a partir de dezembro deste ano.
"Hoje ficou bem conectado, foi bem direta a ligação entre a aprovação da PEC e o resultado positivo do Ibovespa. O Ibovespa descolou positivamente das bolsas americanas, algo que a gente não vê há algum tempo", afirma Gustavo Cruz, economista e estrategista da RB Investimentos, completando: "A PEC em si não é algo que agrada, mas o plano B preocupava muito, que era decretar calamidade e assinar um cheque em branco em um ano eleitoral. Tirar da frente o risco de plano B foi interpretado de forma muito boa".
A PEC ainda terá que passar por uma nova votação na Câmara, que deverá se posicionar sobre as alterações feitas no Senado. Para Armstrong Hashimoto, sócio e operador da mesa de renda variável da Venice Investimentos, no entanto, o principal desafio foi superado: "Ao nosso ver e de boa parte do mercado, o principal momento da PEC foi passado. A Câmara talvez faça algum ajuste, mas encaminha para ser votado".
O dado, divulgado hoje, do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, com queda de 0,1%, teve pouco impacto na bolsa. O mercado previa estabilidade, ou seja, boa parte do resultado já estava implícito nos preços. "Mesmo vindo abaixo da expectativa, o PIB mais fraco é algo que o mercado vem se acostumando nas últimas semanas. O Boletim Focus já vinha mostrando o PIB sendo revisado para baixo, não foi surpresa para ninguém", apontou Hashimoto.
O maior efeito prático da recessão técnica que se configurou com o resultado de hoje da atividade brasileira foi nos juros, à medida em que o mercado abrandou as apostas em uma postura mais agressiva do Banco Central na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o que tira pressão de alguns papéis. "Os ativos de risco são beneficiados pelo fechamento da curva de juros", pontua Israel, da Blue3.
Por exemplo, os papéis de setores como varejo, muito ligados ao crédito e sensíveis, portanto, aos juros, têm apanhado nos últimos meses. Apesar de o índice setorial do segmento ter tido alta hoje (2,17%), ainda segue aquém do ritmo do Ibovespa, com impacto da Black Friday mais fraca que o esperado e o peso da inflação. Destaque para as Lojas Americanas, que teve ambos os papéis (AMER3 e LAME4), configurando como as maiores quedas do Ibovespa, -3% e -2,55%, respectivamente. Após sofrer nos últimos dias e mais cedo, as ações da Magazine Luiza reduziram a queda e fecharam o dia com recuo de -1,74%.
Na outra ponta, as ações de maior peso no índice tinham desempenho positivo robusto. Apesar da volatilidade, a alta no petróleo impulsiona os papéis da Petrobras. As ações preferenciais da companhia fecharam com ganho de 6,98% e as ordinárias, 8,29%. As siderúrgicas também tinham desempenho forte hoje, a despeito da queda no minério de ferro em Qingdao, na China. A Vale terminou o dia em alta de 4,64%.
O ambiente externo de apetite ao risco e a aprovação da PEC dos Precatórios em dois turnos no Senado abriram espaço para uma queda do dólar na sessão desta quinta-feira (2), embora não em magnitude suficiente para pôr a taxa de câmbio abaixo da linha de R$ 5,65.A despeito do desenlace positivo para a novela da PEC, que passará agora por uma nova votação na Câmara devido às alterações realizadas no Senado, o ambiente ainda é de cautela e impede a desmontagem de posições defensivas.
Pesa contra a moeda brasileira a perspectiva de um dólar mais forte no mundo, diante da expectativa de que o Federal Reserve promova uma redução mais rápida dos estímulos monetários e antecipe da alta de juros nos Estados Unidos, após declarações duras do presidente do BC americano, Jerome Powell, ao longo desta semana.
Eventuais dados positivos do relatório de emprego nos EUA (payroll) em novembro, que sai amanhã, podem dar força às apostas em elevação dos juros por lá já no segundo trimestre de 2022, a despeito das incertezas geradas pela variante ômicron do coronavírus.
Por aqui, a queda de 0,1% do PIB do terceiro trimestre na margem, que colocou o Brasil em recessão técnica, esfriou as apostas em uma aceleração do ritmo de alta da Selic no encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central na próxima semana.
Afora um movimento de alta na abertura dos negócios, ainda se ajustando ao avanço mais expressivo do dólar futuro na noite de ontem, a moeda operou em terreno negativo ao longo de toda a sessão. A máxima, a R$ 5,6787, veio na primeira meia hora de pregão. Já a mínima, a R$ 5,6145, coincidiu com o início da votação da PEC dos Precatórios no Senado.
Ao longo da tarde, o dólar desacelerou o ritmo de queda nos e passou a operar na casa de R$ 5,65, diante da redução das perdas da moeda americana frente o peso mexicano e o rand sul-africano, considerados pares do real. Além disso, o índice DXY - que mede a variação do dólar frente a seis divisas fortes - trocou de sinal e passou a operar leve alta, acima dos 96,00 pontos.
Com uma leve aceleração nos minutos finais da sessão, o dólar à vista encerrou a sessão em baixa de 0,19%, a R$ 5,6600. Na semana, contudo, a moeda americana ainda acumula valorização de 1,15%. Na B3, o dólar futuro para janeiro recuou 0,92%, a R$ 5,6780, com giro de US$ 11,18 bilhões.
Para o líder de renda fixa e produtos de câmbio da Venice Investimentos, André Rolha, é fato que a aprovação da PEC dos Precatórios trouxe certo alívio para o dólar ao longo da sessão de hoje, mas não há motivos para apostar em uma rodada de apreciação do real daqui para frente. "A PEC pode acarretar mais gastos públicos, porque mexe com o teto de gastos. Mas o mercado prefere ter um terror com fim que um terror sem fim. É um pouco do que estamos vendo hoje", diz.
Aprovada com placar de 61 votos a favor e 10 contrários em segundo turno, a PEC dos Precatórios abre um espaço fiscal de R$ 106,1 bilhões no orçamento de 2022 - mais do que o suficiente para o governo por em pé o Auxílio Brasil de R$ 400, principal bandeira do presidente Jair Bolsonaro na busca pela reeleição.
Na avaliação de Rolha, dada toda a confusão política local e o ambiente de fortalecimento da moeda americana no exterior, o dólar só não voltou a superar R$ 5,70 ainda por causa do aumento da atratividade das operações de carry trade, na esteira dos aumentos sucessivos da taxa Selic pelo Banco Central.
Números fortes do payroll amanhã, diz Rolha, podem dar subsídios ainda mais fortes à tese de alta antecipada de juros nos EUA e, por tabela, à moeda americana. "Não vejo motivos para ter um dólar enfraquecido. Se o Brasil não fizer a lição de casa podemos ter taxa acima de 5,70", afirma.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, estima que o payroll de novembro apresente uma geração líquida de 550 mil a 560 mil empregos, além de recuo da taxa de desemprego nos EUA em 0,1 ponto porcentual, para 4,5%. Dados positivos da economia americana e a persistência da inflação, admitida pelas declarações recentes do presidente do Fed, fazem com que o fôlego mais reduzido do dólar no exterior hoje, com queda em relação à maioria das divisas emergentes, seja pontual.
Depois de dois dias seguidos de falas duras de Powell, hoje foi a vez da presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, chamar a atenção para as pressões inflacionárias. Daly disse que há um conflito entre as metas de estabilidade de preços e pleno emprego, mas que, com as fortes leituras de inflação, é possível que o Fed tenha de acelerar o tapering e montar um plano para aumentar os juros.
Os juros futuros fecharam em queda, e de forma substancial nos vencimentos curtos, em função do quadro de fraqueza da economia indicado pelo PIB do terceiro trimestre e pelo avanço da PEC dos Precatórios, aprovada pelo Senado e com alterações que reduziram o risco de haver uma "farra fiscal". A percepção de que o Copom não deve acelerar o ritmo de alta da Selic continuou avançando, com as apostas de manutenção do ritmo de aumento de 1,5 ponto porcentual se consolidando como amplamente majoritárias. Com o quadro interno favorável, nem o avanço do yield da T-Note de dez anos nem os ganhos do petróleo conseguiram fazer o contraponto.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 caiu 25 pontos-base, de 11,836% para 11,58% (regular) e 11,535% (estendida). A do DI para janeiro de 2025 recuou a 11,26% (regular) e 11,18% (estendida), de 11,495% ontem no ajuste. O DI para janeiro de 2027 fechou a regular com taxa de 11,27% e a estendida em 11,15%, de 11,423%.A queda de 0,1% do PIB no terceiro trimestre na margem veio levemente pior do que a mediana das estimativas, de estabilidade, e puxada pelo tombo de 8,0% da Agropecuária. Com dois trimestres seguidos de retração - o PIB do segundo trimestre caiu 0,4% (dado revisado), a economia tecnicamente estaria em recessão. Embora não tenha sido grande surpresa, o mercado aproveitou a deixa para reduzir as apostas num Copom mais duro, considerando ainda a redução do risco fiscal com o avanço da PEC, que, aprovada, reduz a chance de o governo apelar aos créditos extraordinários - o texto terá de voltar à Câmara.
A PEC foi aprovada em segundo turno com placar folgado de 61 a 10, mas conquistado a partir de uma negociação árdua travada pelo relator Fernando Bezerra (MDB-PE). No primeiro turno, havia sido aprovada após acordo do governo para carimbar o espaço fiscal ao Auxílio Brasil e despesas previdenciárias e limitar o pagamento de precatórios até 2026, e não mais até 2036. Com as concessões, o governo conseguiu votos em bancadas que resistiam a apoiar a PEC."A uma semana do Copom, a avaliação é que recessão e Copom 'hawk' não combinam. E o avanço da 'PEC do teto' no Congresso caminha para estabelecer uma referência para a avaliação do estrago do governo sobre a avaliação de risco derivado do julgamento do mercado sobre as contas públicas", afirma o Banco Fator, em relatório do economista-chefe José Francisco de Lima Gonçalves.
De acordo com a Greenbay Investimentos, a curva precificava em torno de 25% a 30% de chance de aumento de 175 pontos-base para as reuniões do Copom de dezembro e fevereiro, e entre 70% e 75% de probabilidade de 150 pontos. Para o fim de 2022, projetava Selic entre 12% e 12,5%.Outro fator que desestimula apostas numa elevação maior que 1,5 ponto é o possível impacto da variante Ômicron na economia. Aos poucos, as autoridades vão anunciando medidas, no mínimo, mais cautelosas quanto à reabertura das atividades em função da nova cepa, como no caso do governo de São Paulo, que voltou atrás na liberação do uso de máscaras em locais abertos a partir do dia 11, e da prefeitura da capital paulista, que cancelou a festa de Revéillon da cidade.