POLÍTICA ANTIMANICOMIAL
CNJ e Ministério da Saúde trabalham para fechar hospitais de custódia
Trabalho conjunto prevê assinatura de Plano Nacional de Desinstitucionalização
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Saúde (MS) trabalham em parceria para implementar o fechamento gradual dos Hospitais de Custódia, conforme previsto há mais de 20 anos na Lei Antimanicomial (Lei n. 10.216/2001) e regulamentado pela Política Antimanicomial do Poder Judiciário (Resolução CNJ n. 487/2023).
O trabalho conjunto prevê o alinhamento de fluxos direcionados a profissionais do Judiciário e aos de saúde para endereçar e qualificar encaminhamentos em cumprimento às leis, além da assinatura de um Plano Nacional de Desinstitucionalização.
O tema foi discutido na última semana em reunião entre o secretário nacional de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Júnior, a diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros, e o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luis Lanfredi.
O objetivo é reforçar a estrutura de saúde pública para fazer frente às determinações da lei em vigor desde 2001, que veda a internação de pessoas com transtornos mentais em instituições com características asilares, como os Hospitais de Custódia.
A norma orienta pela preferência ao tratamento em meio aberto, em serviços comunitários e em diálogo permanente com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A ideia é aprimorar os espaços para tratamento adequado àqueles e àquelas que, de acordo com a lei, são inimputáveis, mas cometeram crimes ou delitos e estão em ambiente não apropriado para o cuidado em saúde. Em 2022, segundo dados do SISDEPEN, havia 1.869 pessoas cumprindo medida de segurança em manicômios judiciários (Hospitais de Custódia) ou em estabelecimentos penais comuns.
O conselheiro Mauro Martins, supervisor do DMF, explica que o CNJ está resgatando um tema que há muito demandava um melhor endereçamento e o fazendo não apenas na perspectiva teórica, senão buscando melhor estrutura para realizá-lo. “As pessoas que estão sob medida de segurança estão sob acompanhamento médico e nessa condição o Poder Judiciário também deve zelar pelo cuidado, a atenção e o acolhimento que necessitam, preservando-lhes a dignidade e assegurando a qualidade do tratamento de que são merecedoras”, disse.
De acordo com Luis Lanfredi, “o diálogo entre as instituições não visa apenas ao fechamento das unidades, mas busca, principalmente, a definição de condições materiais que possibilitem ao Estado cumprir a legislação brasileira, assim como, no plano internacional, se adequar aos preceitos das convenções de direitos humanos assinadas pelo Brasil, assegurando dignidade no cumprimento das medidas de segurança conforme esses parâmetros legais e estândares internacionais”. Entre os exemplos, estão a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Pessoa com Deficiência (2006) e contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) e seu Protocolo Facultativo (2002).
Segundo o secretário nacional de Atenção Especializada à Saúde, Hevécio Magalhães, o Ministério da Saúde tem articulado, na linha da defesa dos Direitos Humanos, ações que objetivam produzir cuidado para as populações mais vulnerabilizadas. Para atender a resolução do CNJ, será produzida uma política específica para a desinstitucionalização de todos os que estão hoje nos hospitais de custódia. “Será pactuado com estados e municípios o financiamento federal para equipes multidisciplinares para este trabalho, para avaliar cada usuário e o integrar de forma responsável em um ponto da rede de atenção. Além disto, vamos induzir o crescimento desta rede onde for necessário. E este trabalho só será efetivo na parceria com o CNJ, dialogando com os juízes e avaliando conjuntamente com o SUS todo o plano de trabalho a ser elaborado de modo compartilhado”.
Para Sônia Barros, a política antimanicomial afirmada pela Resolução n. 487 do CNJ é totalmente condizente com o modelo de atenção psicossocial que o Ministério da Saúde vem realizando há mais de duas décadas. “O Brasil se tornou referência mundial em políticas de desinstitucionalização na saúde mental. O Departamento de Saúde Mental está investindo na expansão e na qualificação dos serviços de saúde mental que também irão atender as singularidades da desinstitucionalização dos Hospitais de Custódia. É compromisso do Ministério da Saúde garantir o cuidado de qualidade para todas essas pessoas”.
A medida também favorece a gestão dos presídios comuns, onde há também pessoas em sofrimento mental, não sendo raros os relatos de tortura contra essas pessoas. “São questões que não podem ser ignoradas nem pelo Poder Judiciário, nem pelo Executivo, uma vez que todos ali estão sob custódia e a proteção do Estado, o qual detém responsabilidade pela integridade física e psicológica sobretudo dessas pessoas que reclamam e precisam de tratamento de saúde adequado, até porque determinado compulsoriamente”, disse Lanfredi, ressaltando que, nos próximos meses, é fundamental que operadores do direito se apropriem dos termos da resolução para fazer cumprir as normas em vigor no país.
A parceria entre o CNJ e o Ministério da Saúde é de extrema importância para a efetividade da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, para que não haja desassistência para as pessoas que hoje cumprem medida de segurança em hospitais de custódia ou em estabelecimentos prisionais. A assistente social e sanitarista supervisora no DMF/CNJ, Melina Miranda, acrescenta também que é essencial que o Judiciário se articule com a experiência da saúde e de outras políticas de proteção social para que seja ofertado adequado acolhimento das pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial em conflito com lei desde o primeiro contato delas com a justiça criminal.
“Enfrentar a exclusão dos indivíduos que necessitam de atenção em saúde não é tarefa simples, visto que ações antimanicomiais no campo da justiça estão pendentes de cumprimento legal há mais de duas décadas, em que pese a diminuição do número de internações em manicômios judiciários nos últimos anos e as experiências exitosas de Programas do Sistema de Justiça em parceria com a Saúde e Assistência Social, como ocorre em Goiás, Minas Gerais, Piauí e Pará. A complexidade desse tipo de intervenção especializada e de saúde, que ainda se submete a muita desinformação, preconceito e interesses econômicos, exige esforços interinstitucionais contínuos para que um dos lemas da Luta Antimanicomial – comemorada no dia 18 de maio – ‘trancar não é tratar’, se concretize”, analisa Melina.
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