MEK: o grupo de oposição iraniano que é adepto do 'marxismo religioso' e recebe apoio do Ocidente

Por Sputnik Brasil 12/05/2025 - 20:33
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© AP Photo / Brennan Linsley
MEK: o grupo de oposição iraniano que é adepto do 'marxismo religioso' e recebe apoio do Ocidente

É possível misturar marxismo e religião? No Irã, da década de 1960, o grupo MEK – Organização dos Mujahidin do Povo Iraniano tentou a fórmula em tentativa de se opor aos governos iranianos prometendo justiça social, mas, ao longo da história, teriam se vendido aos maiores inimigos da nação, Estados Unidos e Israel.

Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, Jorge Mortean, mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela Escola Internacional de Relações Exteriores da República Islâmica do Irã e doutor em geopolítica do oceano Índico na Universidade de São Paulo (USP), falou sobre a história do grupo e suas atividades atualmente. O especialista, que já esteve no país persa, também abordou a opinião popular sobre o MEK.

Da monarquia Pahlavi ao governo teocrático: a oposição é o MEK

O MEK surgiu na década de 1960 em oposição à monarquia iraniana em sua última dinastia, a dos Pahlavi — em 1979, após a Revolução Iraniana, foi estabelecida a República Islâmica do Irã, governo que lidera o país até os dias de hoje. Mesmo diante do novo cenário, o MEK se manteve como oposição.

O grupo, segundo Mortean, nasce de um ponto de vista "um tanto meio desastroso, digamos, do ponto de vista ideológico". A contradição em tentar versar marxismo e islamismo, para o pesquisador, torna, inclusive, o grupo um alvo fácil para a oposição.

"Até mesmo porque a parte da esquerda que dialogava naquela época com a União Soviética, como era o grande maior partido comunista iraniano, o Tudeh, que também foi super reprimido durante a dinastia dos Pahlavi, era uma linha comunista laica".

O discurso do MEK colou em parte da sociedade, sobretudo nos mais pobres, que ficavam às margens das políticas de desenvolvimentos promovidas pelo Xá em áreas urbanas. Nesse contexto, o grupo angariou membros em seu início. A busca por justiça social referendava o marxismo como um "viés de saída" e, ao mesmo tempo, "os valores religiosos" ajudavam a atrair conservadores.

"Os seus membros, nessa fase inicial, eram pessoas mais humildes, menos instruídas, que estavam se instruindo. Essa imagem pesou muito contra imagem que a monarquia fazia, a imagem religiosa que eles defendiam era um grande gancho também para angariar aliados", descreve.

Entre os 44 dias de revolução e o início da República Islâmica, a estrutura nacional se encontrava "completamente bagunçada", diz o analista. "Como a Revolução tomou muito rápido um caráter anti-imperialista, ainda que religioso, isso criou um engodo nessa oposição que se dizia de esquerda, ainda que os MEK fossem religiosos". Nessa celeuma que era o país persa naquele momento o grupo se manteve e se mantém como oposição.

'O inimigo do meu inimigo é meu amigo'

Mortean relembra que a primeira postura do novo poder em curso no Irã após a revolução foi adotar uma posição neutra nas relações internacionais. Isso "fez com que todo mundo virasse às costas para o Irã", recorda.

No contexto de Guerra Fria e com o início do conflito entre Irã e Iraque, os grupos opositores procuram aliados internacionais para tentarem uma alçada ao poder. No caso dos MEK, a associação com o lado iraquiano é vista com bons olhos e o grupo passa, então, a apoiar o líder Saddam Hussein, especialmente no contexto da guerra Irã-Iraque.

"O MEK acaba encontrando no governo iraquiano da época a grande retórica do ditado que o inimigo do meu inimigo é meu amigo".

Essa associação promove o grupamento como uma força de guerrilheiros, que passam a combater ao lado de Saddam. Os desdobramentos da ofensiva iraquiana e os resultados do conflito minaram o pouco de apoio que o MEK gozava na sociedade de seu país.

"A sociedade iraniana sabendo que eles estavam baseados no Iraque armados pelo Saddam naquela condição de guerra imposta, passou a ter raiva desse grupo, passou a nutrir um sentimento de traição", detalha Mortean.

Para descrever esse sentimento, o analista relembra momentos em que esteve no Irã e ouviu de pessoas que viveram o período da revolução que, embora houvesse descontentamento com a forma como a revolução se deu nas mãos dos clérigos, eles não deveriam ser "mais odiados que o MEK".

"Os MEK acabam sendo vistos como um bando de oportunistas que de religiosos só tem a casca", afirma.

Uma esquerda apoiada por EUA e Israel?

O MEK é visto por Teerã, segundo o analista, como um grupo concorrente porque ambos lançam mão da frente religiosa como base política. Entretanto, o MEK ainda ressalta que eles não só são religiosos, mas também são de esquerda.

"Como assim uma esquerda que é financiada hoje, em 2025, pelos Estados Unidos e Israel?", questiona Mortean.

O apoio dos dois países resulta em um grupo que não é sancionado pelo Ocidente e tampouco figura, atualmente, na lista de congregações terroristas. Eles são manipulados com uma tentativa de ferramenta de oposição ao à República Islãmica, explica.

De acordo com o pesquisador, hoje o grupo tem algumas bases na Albânia e tem rosto feminino: liderado por Maryam Rajavi, ex-esposa de Massoud Rajavi, ao lado de quem foi co-líder da organização.

Além do apoio de EUA e Israel, o MEK conta com presença marcada no Parlamento europeu. Segundo Mortean, a busca desse apoio acontece já na presença de Maryam, sobre o argumento que o movimento tinha abandonado a luta armada. A Guerra Fria já não imperava e o Iraque de Saddam Hussein tampouco.

O analista avalia que a presença da mulher à frente do grupo sustenta certa hipocrisia em relação ao discurso religioso, o que também ajuda a causar antipatia em parte da sociedade iraniana: "a sociedade iraniana tem raiva do MEK justamente por isso, muitos ali no país querem ver o fim da teocracia, mas como eles podem substitui-lo por uma mulher que não confronta a religião?"

O hijab é vestimenta constante na figura de Maryam Rajavi e, segundo o especialista, ela faz com que todas as mulheres aderentes ao grupo também o usem. Todas essas características do MEK, para Mortean, mostram, portanto, um movimento "sem saber para onde quer ir, muito perdido ideologicamente".

Se são uma oposição ao à teocracia, ao não se posicionar contra a religião eles não conseguem angariar novos membros descontentes com este aspecto da República Islâmica, explica.

O grupo, portanto, já não ostenta seu hard power militar e tampouco lobby político de poder partidário. De onde vem, então, a sobrevivência financeira do movimento. Mortean acredita que o apoio externo seja robusto, afinal o grupo se encontra em condição de exílio há 40 anos.

"Eles recebem muita ajuda da própria comunidade expatriada iraniana e seus membros devem trabalhar, terem empresas, serem empregados de empresas estrangeiras nos países onde eles residem e, obviamente por ocasiões estratégicas essa renda vem do exterior."

Por Sputinik Brasil


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