Conteúdo do impresso Edição 1271

FALIDO GRUPO JL

Ex-esposa de João Lyra acusa TJAL de “parcialidade constrangedora”

Solange Queiróz afirma que poderio do ex-marido ainda influencia Judiciário alagoano
Por JOSÉ FERNANDO MARTINS 22/06/2024 - 06:00

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Thereza Collor em foto de arquivo com a mãe, Solange Queiroz
Thereza Collor em foto de arquivo com a mãe, Solange Queiroz

Parte da família do ex-usineiro e ex-deputado federal João Lyra, falecido em 2021, está empenhada em fazer com que recursos da Massa Falida da Laginha sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nessa luta, os herdeiros Thereza Collor, Guilherme Lyra, Antônio Lyra e Ricardo Lyra ganharam mais uma aliada: a matriarca Solange Queiróz Ramiro Costa, ex-esposa de João Lyra. Do outro lado, Maria de Lourdes Lyra, conhecida como Lourdinha Lyra, curadora do processo falimentar, vem perdendo força no imbróglio. O motivo que levou Solange a recorrer ao Supremo é descrito com um argumento agridoce: apesar de respeitar o Judiciário alagoano, ela não confia nas pessoas que fazem a Justiça no estado.

A “cereja do bolo” que originou a intervenção de Solange foi a declaração de suspeição em massa no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), na qual 13 dos seus 17 desembargadores se declararam suspeitos ou impedidos de atuar no caso. O fato inusitado, ocorrido no mês passado, pegou mal para o Judiciário alagoano, que logo voltou atrás. Com a repercussão nacional, o Pleno do TJAL se viu obrigado a rediscutir as suspeições, apontando um novo placar: dos 16 desembargadores, sem contar a presidência, 10 magistrados podem operar no processo. A mudança repentina de quem seria apto ou não a julgar recursos da massa falida não convenceu a ex-esposa de Lyra, uma das credoras da Massa Falida.

Segundo reclamação, com pedido de liminar, encaminhada ao STF pelo escritório Sergio Bermudes Advogados, a falência do Grupo JL é atualmente um dos maiores processos do país, não apenas pelos valores envolvidos, mas também pela influência política e econômica de seu fundador, João Lyra. O documento faz questão de frisar que Lyra, cujo patrimônio superou a marca de bilhões de reais, foi sogro de Pedro Collor, irmão do ex-senador Fernando Collor, e marido de Thereza Collor.

O documento acrescenta que o ex-usineiro, quando vivo, conquistou relações também dentro do Judiciário, o que interferiria no andamento do processo falimentar. “Como pessoa pública, João Lyra ganhou uma capilaridade ampla no Estado de Alagoas, com extensas relações no campo político, empresarial e em outras esferas, inclusive no âmbito do Poder Judiciário local. Nesse contexto, sempre houve justo receio de que o Poder Judiciário alagoano ― o qual muito se respeita ― não tivesse condições institucionais de ficar imune às sensíveis questões locais envolvendo a falência da Laginha e acabasse resolvendo os litígios decorrentes do aludido processo sem a necessária imparcialidade”.

INCOERÊNCIAS

Solange ainda destacou que seria de bom tom se o Pleno do TJAL confirmasse a necessidade de remeter todos os recursos relacionados à falência da massa falida ao Supremo, buscando preservar o princípio da imparcialidade no julgamento do processo falimentar. “Embora já houvesse declaração prévia expressa de suspeição ou impedimento de mais da metade dos desembargadores integrantes para julgar processos que envolvessem interesses da Laginha, como bem consignado tanto pelo desembargador Carlos Cavalcanti quanto pela Fazenda Nacional, parte desses desembargadores, surpreendentemente e curiosamente, não reafirmou sua suspeição e/ou impedimento”, informaram os advogados.

Outro ponto levantado pela ex-esposa de JL é que, embora o Pleno do TJAL tenha declarado sua competência, sob o fundamento de que “houve uma mudança na realidade, posto que, atualmente, a maioria dos membros do Tribunal de Justiça de Alagoas, ou seja, dez julgadores, informaram que, neste momento, não existe motivo que os impeça de atuar no processo”, não caberia ao Tribunal examinar o impedimento/suspeição da maioria de seus próprios membros: “Está mais do que demonstrado, portanto, que não poderia o Pleno do Tribunal de Justiça de Alagoas ter autodeclarado a sua própria competência para atuar nos recursos relacionados à falência. Se a maioria dos integrantes do Tribunal, surpreendentemente e curiosamente, modificou seu posicionamento anterior para contraditoriamente declarar o seu não impedimento/suspeição para julgar os incidentes da referida falência, deveria o incidente instaurado ser imediatamente remetido ao STF, a quem incumbe julgá-lo originariamente”.

A reclamação também encarou como despeito a atitude do presidente do TJAL, desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, que, apesar de já ter se declarado suspeito para atuar nos casos relacionados à falência – mantendo sua declaração de suspeição – conduziu e presidiu a análise da suspeição ou impedimento dos demais membros da Corte. “Ora, se ele próprio era suspeito, por motivo de foro íntimo, como poderia presidir o julgamento para avaliação da parcialidade dos demais desembargadores?”, questionam os advogados de Solange, que acrescentou: “Chama atenção, ainda, o fato de que para aferir a existência de impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros do tribunal foi considerado no quórum o juiz convocado”, no caso, Alberto Jorge Correia de Barros.

A desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento, conforme o documento, lidera a lista da suspeição, com um total de 125 recursos em que se declarou suspeita ou impedida. Ainda na lista dos desembargadores, Domingos de Araújo Lima Neto também se declarou suspeito ou impedido, mas em um número significativamente menor de casos, totalizando 10 recursos relacionados à falência da Laginha. Já Fábio José Bittencourt Araújo figura com um número expressivo de 71 recursos em que se declarou suspeito ou impedido. Também foi citado o caso do desembargador Paulo Barros da Silva Lima, que, após declarar suspeição por foro íntimo, mudou de posição oito dias depois.

O fato, para os advogados, levanta sérias dúvidas acerca de sua parcialidade e “expõe o Poder Judiciário do Estado de Alagoas a um constrangimento e descrédito sem precedentes”. “A sanha era tamanha para elastecer o quórum, com o fim de manter o bilionário caso Laginha embaixo das asas do Tribunal, que foi reaberto o julgamento concluído na sessão anterior, para somar a nova posição do desembargador Paulo Lima que, num passe de mágica, resolveu sair da posição de suspeito, sem declinar os motivos da guinada no curto prazo de uma semana, ensejando toda sorte de especulação: Pressões internas? Retaliação? Ameaça? Ou apenas um momento de epifania?”.

PROMOTOR SUSPEITO

Os advogados de Solange Queiróz também relataram ao STF o afastamento da juíza Emanuela Porangaba da comissão de juízes que preside o processo falimentar e a correição extraordinária determinada pela Corregedoria Geral de Justiça, enfatizando que o desembargador Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, ex-procurador geral da Justiça, que inicialmente teria se declarado impedido de julgar recursos da Laginha, acabou voltando atrás se dizendo apto a atuar no processo falimentar.

Márcio Tenório justificou seu impedimento pelo fato de ter atuado como membro do Ministério Público do Estado (MPAL) e como procurador de Justiça, antes de assumir o cargo de desembargador pelo quinto constitucional, designando promotores para atuar na Massa Falida da Laginha.

No entanto, o atual promotor da falência da Laginha, Marcus Aurélio Gomes Mousinho, conforme documento encaminhado ao STF, está envolvido em um caso onde seus filhos advogados Carlos Henrique Costa Mousinho e Diego Marcus Mousinho, e o irmão empresário Marcello Mousinho Junior são protagonistas, levando ao afastamento da juíza Emanuela Bianca Porangaba devido a fortes indícios de conluio para obter decisões judiciais espúrias. Apesar da denúncia não estar diretamente ligada à Laginha, a correição também atingiu a comissão de juízes responsável pelo processo falimentar, que era composta por Emanuela, Luciano Andrade e Gilvan Santana, todos afastados do caso.

Pedido será relatado pelo ministro Nunes Marques

Sendo assim, diante das recentes declarações de suspeição por parte dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Alagoas, a reclamante solicita ao Supremo que assuma a competência para processar e julgar os recursos relacionados à falência da Laginha Agroindustrial S/A, devido à falta de imparcialidade e capacidade do TJAL em conduzir os julgamentos de forma justa. O relator do caso no Supremo Tribunal Federal é o ministro Nunes Marques.

Ao EXTRA, um escritório de advocacia que possui mais de 200 ações de credores da massa falida considera as atitudes de Solange Queiróz um retrocesso. “O Tribunal de Justiça, por meio do Pleno, reconheceu e firmou sua competência para processar e julgar os recursos judiciais decorrentes do processo falimentar da Massa Falida da Laginha, fato esse que afastou a tese lançada pela ex-esposa de João Lyra. O fato é que urge a necessidade de adoção de medidas concretas para superar os obstáculos processuais e garantir que os direitos dos credores trabalhistas sejam respeitados sem mais delongas, razão pela qual se solicita a colaboração da Laginha e de todos os envolvidos para que se encontre uma solução justa e equitativa, assegurando a dignidade e o bem-estar dos credores, conforme preconiza a legislação vigente.”


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