Conteúdo do impresso Edição 1271

FAZENDA DUAS BOCAS

Justiça de Alagoas atende interesse de Álvaro Vasconcelos e nova perícia será realizada em área invadida por ele

Verdadeiros donos da propriedade rural lutam há 40 anos para ter o patrimônio de volta
Por MARIA SALÉSIA 22/06/2024 - 06:00

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Área invadida pelo empresário
Área invadida pelo empresário

A saga pela posse dos 150 hectares da Fazenda Duas Bocas, no Complexo Benedito Bentes, em Maceió, completa 40 anos e os herdeiros do agricultor Antônio Cândido José da Silva, morto “de desgosto” em 2001, terão mais um desafio pela frente. A Justiça alagoana decidiu pela realização de nova perícia, atendendo interesse do empresário Álvaro José do Monte Vasconcelos que, mesmo não tendo qualquer documento que comprove ser o dono, usufrui desde 1984 da propriedade rural adquirida pelo agricultor. Embora não tenha data definida para perícia, os filhos de Antônio Cândido se mostram confiantes que justiça desta vez será feita.

Quando tudo caminhava para um final justo, houve uma reviravolta no caso. Inconformado em ter que devolver as terras que nunca foram dele, Álvaro Vasconcelos pediu nova perícia na propriedade. A princípio, a relatora do processo, a desembargadora Elizabeth Carvalho Nascimento, manteve a decisão de primeira instância, reconhecendo o resultado do trabalho realizado por perito judicial, que comprovou que o empresário invadiu a parte pertencente à família de Antônio Cândido.

A desembargadora chegou a apresentar voto favorável ao parecer do juiz Cícero Alves reconhecendo a veracidade da perícia e assim não havia necessidade de nova vistoria. Dias depois, ela muda o voto e acompanha os outros julgadores, o desembargador Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho e o juiz substituto Hélio Pinheiro Pinto, que derrubaram a perícia oficial, solicitando outra.

A última movimentação do recurso ocorreu na terça-feira, 18 de junho, quando foi arquivado definitivamente e enviado para a Vara de origem para cumprimento da decisão dos desembargadores. Como o processo está concluso, pronto para despachar, a decisão cabe ao juiz Cícero Alves, titular da 4ª Vara, onde tramita ação original, designar a nova perícia.

Os herdeiros de Antônio Cândido afirmam estar confiantes, pois possuem todas as provas que comprovam que compraram a propriedade rural e assim não há como o resultado ser diferente. “Podem fazer quantas perícias acharem necessário que o resultado não vai mudar. Temos provas robustas de que somos os verdadeiros donos do terreno. Estamos confiantes que a justiça será feita”, afirmou um filho de Antônio.

Assim que o juiz do caso marcar o início dos trabalhos, os herdeiros vão requerer acompanhamento policial por temer que o empresário atrapalhe a ação do perito. “Como fez na primeira vez, que tocou o terror com vários capangas montados a cavalos e ameaçando. Ele (Álvaro) vai fazer de tudo para essa perícia não ser realizada. A única chance é essa perícia ser justa como a outra foi”, disse o herdeiro.

Nestas quatro décadas de um processo que tramita como prioritário, algumas tentativas de se fazer perícia nas terras fracassaram, embora mais de 20 profissionais tenham sido nomeados. De acordo com informações contidas na ação, Álvaro Vasconcelos não permitia que fosse realizada, inclusive ameaçava o profissional com o envio de funcionários montados em cavalos que até disparavam tiros para o alto. Amedrontados, nenhum perito queria realizar o serviço.

Porém, em 27 de agosto de 2022 o levantamento topográfico foi realizado pelo engenheiro civil Ciro Rezende Medeiros. Para embasar o laudo pericial foram solicitados documentos das partes envolvidas e após análise de escritura, imagens de satélite e relatório fotográfico da área, o estudo foi concluído. Após a realização do trabalho e com a prova técnica científica, ficou comprovado que a terra pertencente à Fazenda Duas Bocas foi adquirida por Antônio Cândido. “Diante de provas, não há dúvidas de que houve invasão por parte do Álvaro”, afirmou o herdeiro do agricultor.

Vale ressaltar que ao analisar o processo, fica claro que a perícia realizada há quase dois anos obedeceu todos os trâmites legais a ponto de o juiz do caso aceitar o trabalho. É que Álvaro Vasconcelos foi convocado e não enviou representante. Se apegou nisto para junto aos desembargadores do Tribunal de Justiça de Alagoas conseguiu reverter.

A perícia, de fato, obedeceu às normas legais. Para comprovar a veracidade, em 24 de outubro de 2022, o perito judicial Ciro Resende Medeiros se manifestou, através de documento enviado ao juiz do caso. Na ocasião, ele esclareceu que foi indicado, sim, data e hora da realização da perícia, além de constar dados de telefone e e-mail. Documentos (página 862 dos autos) comprovam que o empresário foi convocado e mesmo assim manteve-se inerte para apresentar os quesitos e assistente técnico.

Caso se arrasta desde 1984. O Processo 005763-13.1984.02.0001 se arrasta desde 1984, mesmo com tramitação prioritária. A saga da família de agricultores teve início em 1984 quando Álvaro Vasconcelos invadiu a propriedade rural de Antônio Cândido, devastou a lavoura, fez ameaças e expulsou a família das terras.

O agricultor nunca aceitou tamanha arbitrariedade e clamou por justiça para reaver seu pedaço de terra, de onde tirava o sustento da família, até morrer “de desgosto” em 2001. O filho de Antônio Cândido relembra que o pai nunca mais foi o mesmo desde aquele dia fatídico. Nunca aceitou tamanha injustiça e foi morrendo aos poucos.

Porém, ao ser expulso de seu lugar buscou forças, reuniu documentos, desde o mapa que aponta o primeiro dono com data de 1912, e entrou com ação demarcatória. O pedido caducou na Justiça e teve que esperar 18 anos para ser acatado e mesmo assim as irregularidades só aumentaram. A luta que era do agricultor e agora é dos herdeiros, é para reaver seu pedaço de terra.

Nesta batalha Antônio Cândido nunca esteve só. Sua esposa, Lindinalva Maria dos Santos Silva foi valente e viveu para assistir inúmeras irregularidades no processo. Viveu por anos com saúde fragilizada. Não suportou a injustiça. No dia 29 de novembro de 2022 morreu, sem ter suas terras de volta. Agora, o legado ficou para os filhos que restaram, já que nem todos estão vivos para lutar, clamar e pedir por Justiça.

A divisão das terras da Fazenda Duas Bocas aconteceu em 1954, quando o antigo proprietário, Zacarias Trindade, vendeu o engenho Duas Bocas, dividindo-o em três partes. Um dos lotes foi adquirido por Hélio Vasconcelos, pai de Álvaro Vasconcelos; a segunda parte foi vendida ao Hospital Colônia Sebastião da Hora e a outra, a Antônio Cândido. Álvaro Vasconcelos ganhou de presente o lote que o pai havia comprado, mas queria usufruir de toda a área. Comprou os hectares que pertenciam ao hospital e como o agricultor se recusou a vender sua parte, a invadiu e dela usufrui há 40 anos.

Antônio Cândido e Lindinalva não aguentaram tamanha injustiça. Lutaram, apresentaram provas, enfrentaram o poderio econômico e foram vencidos pelo desgosto”. Os herdeiros continuam a busca por justiça e munidos de documentos que comprovam a compra das terras garantem que não vão desistir.


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