MASSA FALIDA
Esposa de Gilmar Mendes tenta destravar precatórios bilionários da Laginha
Advogada representa ex-esposa e parte dos filhos do ex-deputado João Lyra
A advogada Guiomar Feitosa Mendes, sócia do escritório de advocacia de Sergio Bermudes e esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, lidera uma operação de desbloqueio de precatórios bilionários pertencentes à Massa Falida da Laginha, império caído do ex-deputado federal e usineiro João Lyra, já falecido. Vale destacar que o Grupo JL é também protagonista de um dos processos mais complexos e controversos do Brasil. A falência foi decretada em 2012, e desde então, as dívidas tributárias e trabalhistas se acumulam, enquanto precatórios, que somam cerca de R$ 3,8 bilhões, se destacam como um ativo valioso.
De acordo com reportagem publicada pelo portal O Bastidor, o fundo de investimento que Guiomar e o escritório de Bermudes representam, conhecido como Pearl, tem uma participação significativa nesses precatórios. O Pearl é um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), veículo comum para transacionar precatórios, e foi criado em 2008 como parte de uma operação na qual Lyra cedeu 45% dos direitos creditórios da Laginha. Esses créditos derivam de indenizações da União a usinas do setor sucroalcooleiro por prejuízos alegados na década de 1980.
A criação do Pearl e a subsequente cessão dos direitos creditórios ocorreram meses antes de Lyra pedir a recuperação judicial da Laginha, levantando suspeitas sobre a intenção de blindar esses ativos. A operação foi estruturada pelo Bank of America e atualmente o fundo é administrado pela Oliveira Trust. Porém, a cessão desses créditos ao Pearl foi contestada pela administração judicial da massa falida a partir de 2017. Em 2019, uma nova negociação entre a massa falida e o fundo resultou na divisão dos valores dos precatórios, com 55% para a Laginha e 45% para o fundo. Essa transação, no entanto, foi impugnada pela Fazenda Nacional no Tribunal de Justiça de Alagoas, que alegou ser uma fraude.
Em 2020, a Fazenda Nacional reforçou a acusação no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), que acatou o pedido e concedeu uma liminar bloqueando a cessão dos créditos, afirmando que a transação teria sido feita para fraudar a União. Em 2022, a Justiça de Alagoas suspendeu a validade da transação com o Pearl, atendendo ao pedido do administrador judicial. A decisão se baseou em indícios de que o fundo tinha ciência da nulidade do crédito e, mesmo assim, praticou fraude contra os credores.
O cenário atual é de conflito direto de interesses entre o fundo Pearl e os credores do processo falimentar. Enquanto o fundo tenta liberar os valores já depositados em contas judiciais, os credores, incluindo a União, buscam uma maior fatia dos ativos para satisfazer suas dívidas. Se o Pearl obtiver sucesso, restará menos para a massa falida, o que, consequentemente, afetará os credores e os herdeiros de João Lyra, que estão no final da fila de pagamento.
A atuação de Guiomar
Guiomar Feitosa Mendes defende tanto o fundo Pearl quanto a ex-esposa de João Lyra, Solange Queiroz Ramiro Costa, e quatro dos seis filhos do usineiro no inventário. Uma das herdeiras, Lourdinha Lyra, rompeu com os demais, fato que evidencia as divisões internas na família em relação à ordem de pagamento dos credores. Além disso, Guiomar também representa os interesses dos credores da massa falida, uma atuação que, em tese, poderia configurar um conflito de interesse, proibido pelo Código de Ética da OAB. Contudo, a advogada alega que os interesses das partes são convergentes.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), Guiomar e outros advogados do escritório de Bermudes representam formalmente o fundo Pearl desde abril de 2024, buscando derrubar a liminar do TJ de Alagoas que bloqueou os pagamentos ao fundo. O recurso foi encaminhado à ministra Maria Isabel Gallotti, que assumiu o caso. No entanto, o administrador judicial da Laginha recorreu, querendo que o caso fosse transferido ao ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. A decisão definitiva ainda não foi tomada, mas, se Gallotti acolher os argumentos de Guiomar, o Pearl poderá finalmente receber o valor pleiteado.
O caso no STF
Paralelamente, Guiomar, em nome de Solange Queiroz, solicitou ao Tribunal de Justiça de Alagoas que remeta a falência ao Supremo, alegando suspeição dos desembargadores do estado. O pedido foi inicialmente negado pelo TJ de Alagoas, mas, ao recorrer ao Supremo, a advogada conseguiu uma decisão favorável do ministro Kassio Nunes Marques, que suspendeu o julgamento de todos os recursos da Laginha em Alagoas, transformando o STF, pela primeira vez, em um tribunal falimentar.
Guiomar também acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para contestar a atuação do ex-administrador judicial da Laginha, Igor Telino, que foi substituído em junho de 2024 pelo TJ de Alagoas. Telino foi um dos principais opositores da transação entre a Laginha e o fundo Pearl, obtendo, há dois anos, a liminar que ainda impede o pagamento ao fundo.
A defesa de Solange criticou a contratação do escritório Eugênio Aragão Advogados Associados pelo antigo administrador judicial, alegando que o valor estipulado para o trabalho, cerca de R$ 200 milhões, era desproporcional e que a contratação não atendia ao interesse de ninguém, exceto do próprio administrador judicial. Telino, por sua vez, defendeu a contratação do escritório, afirmando que os honorários seriam pagos apenas em caso de sucesso no litígio e que os valores alegados são infundados.
Conflitos internos
A disputa entre o fundo Pearl e parte da família Lyra tornou-se mais evidente em 2022, quando Guilherme José Pereira de Lyra, um dos herdeiros, contestou um pedido do fundo para receber parte dos precatórios. Ele acusou o fundo de promover “reuniões estranhas em todas as instâncias para fraudar a lei” e afirmou que o pagamento ao Pearl prejudicaria os credores da massa falida.
Guiomar Feitosa Mendes defende que há uma convergência de interesses entre a maioria dos herdeiros, principais credores e fundos, para combater os desmandos praticados pelo ex-administrador judicial e outros envolvidos na falência. Segundo ela, o objetivo de todos é a liquidação dos ativos para pagamento dos credores, incluindo a União, o maior deles.