O deputado federal Arthur Lira (PP-AL) transferiu, em dezembro de 2022, 120 bezerros da raça Nelore ao então vice-presidente e atual presidente do União Brasil, Antonio Rueda. A operação, realizada durante o mandato de Lira como presidente da Câmara dos Deputados, pode ter ultrapassado R$ 320 mil, conforme estimativas com base nos preços médios do gado à época. Os dados foram levantados pela Agência Pública a partir de Guias de Trânsito Animal (GTAs) emitidas pelo governo de Pernambuco.

A transação foi realizada poucos meses após um jantar entre os dois, realizado em um restaurante de luxo à beira-mar em Barra de São Miguel (AL), em setembro de 2022, onde Lira e Rueda deram início às conversas sobre a federação entre PP e União Brasil. A aliança, batizada de União Progressista Brasileira (UPB), foi oficializada em abril de 2025, tornando-se a maior força partidária do Congresso, com 109 deputados e 14 senadores.

Segundo Rueda, a negociação foi “uma operação comercial legítima, realizada entre dois produtores rurais, com base nos critérios normais do mercado”, sem qualquer relação com articulações políticas ou eleitorais. Arthur Lira, por sua vez, não se manifestou sobre o caso. As 120 cabeças de gado foram movimentadas a partir de três propriedades de Lira — uma delas, a Fazenda Santa Maria, em São Sebastião (AL), consta na sua declaração de bens ao TSE. Os animais foram entregues à Engenho Tambor, propriedade de Rueda localizada em Timbaúba (PE), nos dias 21 e 26 de dezembro de 2022. As movimentações constam em documentos da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro).

Durante seu período à frente da presidência da Câmara (2021–2025), Arthur Lira movimentou ao menos 1.924 animais entre suas propriedades e terceiros. Ele também promoveu leilões de gado com alto faturamento: em outubro de 2022, uma semana antes das eleições, um leilão da Agropecuária Lira arrecadou cerca de R$ 1,6 milhão, com lances de até R$ 63 mil por touro. O maior comprador foi o então deputado André Fufuca (PP-MA), hoje ministro dos Esportes.

Apesar de ser conhecido como um dos maiores criadores de gado Nelore do país, Lira não declara à Justiça Eleitoral o número exato de animais que possui desde 2006.

Federação nasceu de aliança consolidada em Alagoas

A aproximação entre Lira e Rueda no plano nacional repetiu um alinhamento já consolidado em Alagoas. Desde 2023, o diretório estadual do União Brasil é presidido por Luciano Cavalcante, ex-assessor da liderança do PP na Câmara e apontado como homem de confiança de Lira.

Cavalcante foi alvo da Operação Hefesto, da Polícia Federal, que investigou desvio de recursos públicos na compra de kits de robótica. O inquérito chegou a envolver o nome de Lira, mas foi arquivado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF. Mesmo após exoneração do cargo no Congresso, Cavalcante permaneceu à frente do partido em Alagoas.

Outros dirigentes da legenda no estado também têm vínculos diretos com Lira. Otávio Leite, segundo vice-presidente do União Brasil-AL, é sócio do parlamentar na empresa AF Promoções, que organiza eventos em uma de suas propriedades. Já Irisvaldo Macena, terceiro vice, é funcionário do gabinete de Lira desde 2016. Ambos mantêm cavalos em fazendas pertencentes ao deputado.

O União Brasil enfrentou resistência interna antes de firmar a federação com o PP, especialmente devido a desentendimentos entre Rueda e o ex-presidente da sigla, Luciano Bivar. A parceria também encontrou objeções em estados onde os partidos eram adversários. Em Alagoas, contudo, a base de Lira já havia costurado os laços.

A movimentação de gado e as relações políticas entre Lira e Rueda chamam atenção por ocorrerem em momentos decisivos do xadrez eleitoral e partidário. Ainda que classificadas como transações privadas, tais operações lançam luz sobre a influência de redes de poder que envolvem política, negócios rurais e estrutura partidária.