MASSA FALIDA
MP é criticado em pedido de suspensão da assembleia de credores no processo bilionário da Laginha
Magistrado diz que parecer do Ministério Público tem ‘pontos de desconexão com a realidadeA Assembleia Geral de Credores (AGC) no processo da Laginha Agro Industrial S/A foi suspensa esta semana por tempo não definido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques. O evento deveria ter ocorrido na última quarta-feira, 30, para deliberar sobre propostas de pagamento dos credores, com a definição de um plano de realização dos ativos da massa falida, entre outros pontos que seriam avaliados.
O ministro entendeu, contudo, ser prudente aguardar o julgamento definitivo dos recursos que tramitam na Justiça, originados pelo que é considerado o mais longo processo de falência no país (nº 0000707-30.2008.8.02.0042), que se arrasta há 16 anos.
A suspensão da assembleia dá fôlego para o processo, que já possui um milhão de páginas, caminhar por mais tempo - para desespero de seus 8 mil credores. A ação judicial envolve mais de R$ 1 bilhão e refere-se ao conglomerado de empresas administrado pela holding Laginha Agroindustrial S/A, que tinha como sócio majoritário o ex-deputado federal João Lyra, fundador do grupo, que faleceu em 2021 em decorrência da covid-19.
O Ministério Público de Alagoas (MPAL) havia se manifestado contra a realização da assembleia, afirmando que ela poderia resultar em “repercussão negativa no processo falimentar”. No entanto, o juiz Helestron Silva da Costa, da 1ª Vara de Coruripe, não só discordou do posicionamento do promotor de Justiça Marcus Aurélio Gomes Mousinho, como também repreendeu o mesmo pelos argumentos apresentados.
O despacho do Ministério Público foi alvo de duras críticas do juiz em decisão proferida na segunda-feira, 28. O magistrado iniciou sua avaliação expondo que o Ministério Público protocolou dois pareceres idênticos [às f. 135.546-135548 e 135.557-135.559] sobre a assembleia, os quais contêm os mesmos dizeres, mas são subscritos por pessoas diferentes.
“O primeiro foi assinado digitalmente por Elba Andrade de Carvalho Mousinho e o segundo por Marco Aurélio Gomes Mousinho (sic). Como Elba Mousinho não é membro do MP/AL nem possui habilitação nos autos, reservamo-nos a analisar apenas o parecer ofertado pelo promotor de Justiça Marco Aurélio Mousinho”, disse.
O juiz assentiu que a Assembleia Geral dos Credores é o espaço para deliberação de decisões estratégicas sobre a falência, expressando os anseios dos credores presentes de forma a compor uma vontade coletiva. “Neste caso, fica evidente, portanto, sua utilidade, de forma que qualquer insurgência deve estar minimamente amparada na legislação, o que não ocorreu na manifestação ministerial”, afirmou o juiz.
A atuação do Ministério Público em processos de falência é limitada pela legislação vigente, segundo o juiz Helestron Silva da Costa, cabendo ao órgão atuar somente como fiscal da lei nos casos em que haja relevante interesse público a ser protegido, como em direitos difusos e coletivos ou para verificar a ocorrência de fraudes e crimes falimentares.
“Quando de sua atuação, [do MPAL] deve se ater aos comandos legais, isto é, velar pelo controle de legalidade, já que não poderá interferir em questões que digam respeito exclusivamente ao interesse dos credores. Desta forma, o Parquet deverá amparar suas preocupações em fatos concretos e com base na legislação vigente, não bastando, para tanto, objeções genéricas como as trazidas no processo”.
Disse ainda que “caso tenha [o promotor] real preocupação com movimentos sociais e com os mais humildes, poderá se valer de outros meios que não envolvam desarranjar árduo trabalho que vem sendo desenvolvido neste processo para a conciliação de interesses”.
O promotor Marcus Aurélio Mousinho havia questionado a realização da assembleia e denunciado que movimentos sociais que ocuparam imóveis rurais da massa falida não estavam representados no processo. O juiz ponderou que a habilitação no processo e manifestação por meio de advogado não é condição imprescindível para que credores humildes recebam a parcela que lhes cabe: “Tal preocupação é destituída de fundamento”.
Segundo o juiz, o plano de liquidação antecipada dos créditos [no processo] possui um piso mínimo que é condição intransponível para sua aprovação. “Nenhum credor receberá quantia menor que R$ 211,8 mil”, disse.
Em outras palavras, esclareceu Helestron Silva da Costa que os deságios propostos em AGC não levarão qualquer credor menos favorecido a receber quantia irrisória que o coloque em situação de submissão frente aos credores maiores. “A Administração Judicial, os Credores e o próprio Juízo já garantiram tal condição em defesa dos vulneráveis. Ao formular seu parecer, o membro do Ministério Público parece sequer ter tido o cuidado de analisar as diretrizes das propostas”.
De acordo com o juiz, o simples fato de haver um movimento social tangenciando as questões envolvendo a falência ou credores com créditos de pequena monta não os torna, por si só, vulneráveis.
“De toda forma, se constatado o risco de lesão, os interesses deles devem ser resguardados de quaisquer ilegalidades mediante atuação concreta e adequada do Ministério Público. Para tanto, o promotor de Justiça deve atuar de forma concreta e eficaz, não servindo a esse propósito a apresentação de manifestação genérica lançada a ermo e sem atenção às peculiaridades dos casos sensíveis”.
O magistrado avaliou que o pedido do promotor tem “pontos de desconexão com a realidade”. Numa das críticas mais ferrenhas, o magistrado disse que a Comissão de juízes não tem conhecimento de qualquer ação proposta pelo Ministério Público com vistas à proteção dos interesses dos vulneráveis.
“É de se notar que, com base no que se tem nos autos, o promotor de justiça que assina o parecer de páginas 135.557-135.559 nunca visitou as áreas invadidas por movimentos sociais e, a despeito de já terem sido proferidas várias decisões sobre o tema, nunca agiu no interesse daqueles grupos”, alfinetou.
A posição do promotor Mousinho causou estranheza, segundo o juiz, pois a “única forma dos mais humildes receberem seus créditos é com a aprovação de plano alternativo de liquidação. Afinal, sem os deságios ofertados pelos grandes credores com preferência na ordem de pagamento, os recursos da Massa Falida não seriam suficientes para alcançar os menos favorecidos”, completou.
O Ministério Público havia pedido a designação de nova assembleia “sem que isso implique em paralisação do processo falimentar que deve seguir com seu regular trâmite e pagamento dos credores”. Nesse ponto, o juiz afirmou que, se os pagamentos estão suspensos por decisão proferida em segundo grau, em recurso paralisado por ordem do Supremo Tribunal Federal, não é possível seguir com os pagamentos sem que os credores transacionem na AGC.
“A aprovação do plano e das medidas de conciliação é a forma mais eficiente de se retomar os pagamentos, pois redundarão na desistência de todos os recursos pendentes que, atualmente, impedem a satisfação dos créditos com os valores disponíveis em caixa”, argumentou.