VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Hospital Carvalho Beltrão é acusado de realizar episiotomia sem protocolos e conhecimento da gestante
Procedimento de cortar parede vaginal pode causar trauma perineal grave e deixar sequelas
Existe um tipo de comportamento que acontece no contexto da assistência ao parto e ao período perinatal que raramente entra nos indicadores de violência dos estados, apesar da frequência comum e de ser promovida por profissionais da área da saúde. A violência obstétrica continua fazendo vítimas das práticas inadequadas, abusivas ou desrespeitosas que marcam a vida da mulher num momento em que ela transborda sensibilidade e apresenta nível importante de vulnerabilidade.
A realização de um desses procedimentos que demonstram falta de humanização no momento do parto, levou o Ministério Público de Alagoas (MPAL) a investigar maternidades públicas do estado sobre a realização irregular da episiotomia nas pacientes. Episiotomia é um corte realizado na parede vaginal e no períneo durante o parto, com objetivo de facilitar a passagem do bebê pela vagina. Deveria ser indicado apenas em caso de parto instrumentalizado, quando houvesse sofrimento fetal e falta de acesso para o bebê nascer.
O procedimento, realizado com anestesia local, pode causar complicações para a mulher, como trauma perineal severo, hematomas, infecção, lacerações e frouxidão na região perineal. É um procedimento agressivo que provoca dor e incômodo numa região sensível e cuja cicatrização é lenta.
O Ministério Público investigou a denúncia de que a episiotomia é realizada nas maternidades de Alagoas sem a existência de protocolos clínicos internos que demonstrem a necessidade da sua realização caso a caso, bem como a ausência de protocolos que garantam a informação e o consentimento da gestante ou de seu acompanhante para realizá-lo.
O caso mais gritante de falta de humanização do parto foi confirmado no Hospital Carvalho Beltrão, no município de Coruripe (AL). Os números encaminhados ao MPAL através do Procedimento Administrativo nº 1.11.000.000127/2022-11, instaurado no âmbito do Ministério Público Federal (MPF), mostram que em 2022, em 55% dos partos normais realizados na unidade, a mulher era submetida a episiotomia. Naquele ano, o hospital recebeu 191 gestantes em trabalho de parto e 105 delas deixaram a maternidade com a parede vaginal cortada sem que tenham tido conhecimento prévio de que seriam submetidas ao procedimento ou permitido oficialmente que ele fosse realizado.
Passados quase três anos do processo administrativo do MPF, posteriormente encaminhado ao MPAL, no último dia 24 o promotor de Justiça Maurício Mannarino Teixeira Lopes, da 2ª Promotoria de Justiça de Coruripe, enviou ao diretor do hospital, o médico Francisco Beltrão, nova recomendação para ser cumprida em 10 dias.
É recomendado ao hospital que: 1- apure práticas de violência obstétrica e adote medidas corretivas e preventivas; 2- capacite os profissionais para atender as pacientes de forma humanizada e conforme a legislação; 3- garanta protocolos de atendimento, assegurando que as parturientes tenham acesso à presença de acompanhante e de informações sobre os procedimentos para que haja consentimento prévio se necessário adotar algum. Por fim, recomenda que o profissional médico justifique, por escrito, individual e pormenorizadamente, os motivos pelos quais adotou o procedimento de episiotomia.
O MPAL solicita as provas de que as medidas foram adotadas e também pede os dados – a partir de 2021 – sobre a realização do procedimento no hospital. Caso descumpra a recomendação, avisa o MPAL, serão adotadas medidas “legais cabíveis” para assegurar a efetiva proteção dos direitos das parturientes.
O promotor lembra à direção do hospital que o desrespeito aos direitos da gestante e da parturiente significa imediata violação dos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade humana (art. 1º, II e III, da Constituição Federal de 1988), além de ser crime contra a pessoa, considerando lesão corporal (art. 129 do Código Penal).
Em Alagoas, a Lei Estadual nº 8.130/2019 afirma que toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de “forma humanizada e segura, de acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas na prática médica”, bem como “ser informada sobre a evolução do seu parto e o estado de saúde do seu filho, assegurando autonomia para autorizar diferentes situações dos envolvidos no parto.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já se manifestou pela não recomendação do uso rotineiro ou liberal de episiotomia para mulheres submetidas ao parto vaginal espontâneo. Muitas vezes o procedimento é adotado por insegurança do profissional que, comumente, alega não ter sido capacitado para conduzir o parto sem usar a episiotomia e desconhece a morbidade associada a seu uso.