ATAQUES DO 8 DE JANEIRO
Acordo entre Congresso e STF sobre golpistas é ilegal, diz jurista
Aumentar a pena em processos que já estão tramitando fere segurança jurídica
A discussão entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um acordo de revisão das penas aos golpistas do 8 de janeiro viola a própria Constituição por criar uma lei que interfere em outra que já existe, segundo análise do jurista Richard Manso.
Brasília discute anistiar os golpistas. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que corre o risco de ser preso e hoje está internado, lidera, da cama do hospital, protesto pelo perdão aos criminosos que depredaram prédios públicos na capital federal, na tentativa de pressionar por um golpe de Estado.
O que potencializa a anistia?
As penas aplicadas pelo STF a acusados de depredar patrimônio público. Elas são tratadas como desproporcionais. Ao mesmo tempo, a discussão também põe na mesa anistiar Bolsonaro. E isso representa meio caminho andado para ele ser reabilitado pela Justiça Eleitoral e novamente disputar as eleições.
Outro ponto é que a anistia vai distensionar o clima político-eleitoral no país, segundo garante a Família Bolsonaro. Mas as instituições enxergam esta proposta com desconfiança.
Porém, de acordo com Richard Manso, o acerto jurídico entre STF e Congresso em torno de uma lei de revisão das penas está fora do previsto pela Constituição. O acerto entre os dois lados é aumentar a pena para as lideranças do golpe e diminuir aos demais.
Cabe ao Congresso decidir o assunto por ser uma Casa Legislativa, apesar de os ministros do STF serem contra um acordo com os golpistas. Ao mesmo tempo, no mesmo Congresso, tramita um projeto de lei que oferece um perdão aos golpistas. O Supremo age para esvaziar o PL e fala até em pena considerada menor para crime praticado por multidão.
“Diminuir a pena até pode, é constitucionalmente e infraconstitucionalmente aceitável juridicamente. Mas, aumentar a pena para alcançar pessoas em processos tramitando, é efetivamente uma norma inconstitucional, tendo em vista que uma nova lei não pode prejudicar uma já existente ao tempo do fato supostamente ilícito, pois uma lei nova não pode retroagir para prejudicar situações já existentes, protegendo direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada”, explica o jurista.
Há um princípio que deve ser lembrado, analisa Richard Manso: “A norma penal não retroage, salvo para beneficiar o réu”. É prevista no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal e é um dos pilares da segurança jurídica.
“A irretroatividade da lei penal busca garantir a segurança jurídica, impedindo que uma lei mais gravosa seja aplicada a atos cometidos antes de sua vigência”, explica Manso.
É o que dá a “garantia constantes dos princípios constitucionais da Legalidade, da Anterioridade, do Contraditório e da Ampla Defesa, e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”.
Havendo duas leis sobre o mesmo tempo em vigor, vai também existir um conflito de leis penais “e prevalecerá a garantia dos direitos fundamentais, não podendo ser aplicada a incidência aos que praticaram os atos de tentativa de golpe de Estado e outras modalidades de condutas contrárias às normas de pauta penal”.
“Afirmo que, durante 41 anos como jurista, é a primeira vez que vejo o Tribunal de Superposição, no caso, o Supremo Tribunal Federal, participando de uma ideia dessas tão absurda diante das nossas normas jurídicas, destoando dos princípios constitucionais na criação de uma norma jurídica”, afirma Manso, que arremata:
“Precisamos fortalecer a garantia da segurança jurídica, e, assim, manter a ordem democrática, sem editar novas normas que busquem apenas empreender a possibilidade de penalização maior para alguns, e para outros não, porque devemos lembrar do maior princípio da humanidade, a dignidade da pessoa humana, e razoabilidade na aplicabilidade das normas ao caso concreto. Ademais, a lei penal não retroage, exceto para beneficiar o réu.”