BAIRROS DESTRUÍDOS
Braskem deve fechar unidade no Pontal da Barra
Desativação teria sido decidida por núcleo da Novanor, a acionista controladora da companhia
Vem de fontes internas a informação de que a Braskem vai fechar as atividades da unidade instalada há 49 anos no Pontal da Barra, em Maceió, por uma decisão consolidada no núcleo da Novonor, a acionista controladora que detém 50,1% das ações com direito a voto na mineradora.
A operação para desativar a unidade UCS em Maceió, de produção de cloro e soda cáustica, ainda caminha em sigilo e é motivada pelo fim da exploração irregular de sal-gema nas 35 minas escavadas – em solo e na Lagoa Mundaú – para extração do mineral na capital alagoana que provocou a maior tragédia socioambiental e sem precedentes em centros urbanos, destruindo cinco bairros da cidade e alterando a rota de mais de 150 mil habitantes, segundo estimam técnicos, especialistas e instituições.
As atividades na Braskem do Pontal da Barra foram paralisadas em maio de 2019 e somente retomadas em fevereiro de 2021, com matéria-prima vinda de jazidas licenciadas do Chile, o que onerou os custos da produção num cenário crítico já vivenciado pela mineradora, que acumula um prejuízo superior a R$ 19 bilhões nos últimos três anos e cujo valor de mercado, atualmente, não cobre um terço do montante devido pela Novonor aos bancos. A empresa vale menos de R$ 8 bilhões em bolsa.
A Braskem está à venda há sete anos e teve diversas negociações interrompidas, cada uma delas por uma razão diferente, incluindo, agora, um dos riscos mais latentes nesse processo: o político. A mineradora carrega o passivo ambiental bilionário, R$ 18 bilhões e uma dívida fiscal de R$ 3 bilhões, relacionado ao afundamento do solo nos bairros de Maceió, um trunfo a ser usado na campanha eleitoral de 2026. Para qualquer candidato ao controle da empresa, esse passivo não é apenas uma questão contábil — mas um risco jurídico, regulatório e político. Segundo o balanço do primeiro trimestre, a companhia estimou uma exposição remanescente de R$ 8,4 bilhões, além dos R$ 14,8 bilhões já desembolsados ou provisionados desde o início da crise com o afundamento do solo nos bairros da cidade.
Na semana passada, o senador Renan Calheiros (MDB) voltou a defender que a venda da Braskem represente uma “reparação histórica” à população afetada, com reforço nas indenizações e eventual retirada da planta do bairro Pontal da Barra.
A desativação da unidade no Pontal da Barra deve se tornar pública em alguns dias, com potencial para afetar o milionário processo de venda de ações da mineradora, detidas pela Novonor, para um fundo de investimentos ligado ao empresário Nelson Tanure.
Segundo matéria publicada no InvestNews, o grupo de Tanure contratou a Aecom, empresa americana que auxiliou a Vale no caso de Mariana, para lidar com os desdobramentos técnicos do caso de Maceió. Já a gestora IG4, do empresário Paulo Mattos, em conjunto com os bancos credores — Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander e BNDES — trabalham para costurar um acordo com o Ministério Público e também buscar uma solução para o processo movido contra a Braskem na Holanda, relacionado ao mesmo episódio.
Na última quarta-feira, 30, o presidente da Braskem, Roberto Ramos, disse em entrevista ao UOL que a empresa “nunca mais” vai se envolver em atividade de mineração. “Nós não vamos mais explorar sal. Nós fechamos as minas e nunca mais vamos nos envolver nessa atividade de mineração, que era uma atividade que, na verdade, não tinha nada a ver com a nossa atividade petroquímica”, afirmou, referindo-se às minas de sal-gema que a companhia explorou em Alagoas.
Na entrevista, Ramos ainda disse que a empresa vai preencher as cavidades de Alagoas com água ou areia, como já vem ocorrendo, num processo que deve durar cerca de 10 anos. Também informou que a companhia petroquímica está migrando da nafta (matéria-prima líquida derivada de petróleo) para o etano (gás extraído do gás natural e do gás associado), a fim de aumentar a sua competitividade no mercado. Essa mudança de matriz também entra nos argumentos para desativação da unidade em Maceió.
“O etano é uma matéria-prima mais barata, mais fácil de processar do que a nafta. E, quando você craqueia o etano, você faz uma coisa, que é o etileno [ou eteno], que serve para fazer polietileno. Há uma oferta enorme de etano nos EUA para produtores americanos e produtores internacionais que se estabeleceram lá, e eles passaram a produzir polietileno a partir do gás, e não da nafta”, afirma.
Nem sindicalistas do Sindipetro e nem do Sindicato dos Metalúrgicos foram comunicados da decisão, por enquanto.
A companhia não respondeu ao EXTRA quando questionada sobre a desativação da unidade em Maceió. Não emitiu nota confirmando e nem negando o processo que já começou a ser efetivado com a realocação de alguns trabalhadores para unidades em outros estados.
A Braskem enfrenta ações judiciais que podem gerar novos custos, como a que pede R$ 4 bilhões por desvalorização de imóveis em Maceió, ajuizada pela Defensoria Pública de Alagoas. Neste caso, os defensores públicos afirmam que mais de 22 mil imóveis de áreas vizinhas aos bairros que foram evacuados se desvalorizaram em até 60%. Além da exigência de pagamento de dano material para reparar a perda de valor das residências, o processo pleiteia indenização por danos morais como forma de compensar problemas psicológicos desenvolvidos por esses moradores.
Reflexos para a economia de Alagoas
A desativação da unidade da Braskem no Pontal da Barra, se concretizada, vai afetar a economia de Alagoas, mas seus efeitos serão menos danosos que os provocados por suas atividades no estado. Segundo o economista Elias Fragoso, a mineradora representa atualmente menos de 0,5% do PIB alagoano e menos de 3% da arrecadação própria do Estado. Apesar desse desempenho, ela ainda tem papel relevante no mercado de trabalho, já que emprega mais de 500 pessoas em seu quadro efetivo, sendo a maioria de outros estados, e outros 1.300 terceirizados, segundo sindicalistas. “A Braskem é um peso para Alagoas”, diz.
A Braskem se instalou em Maceió na década de 1970, inicialmente como Salgema Indústrias Químicas. A empresa começou a extração de sal-gema na região em 1976, autorizada pelo poder público. Posteriormente, a Salgema foi adquirida e se tornou parte da Braskem, após a fusão com outras empresas do segmento.
Em maio de ano passado, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investigou a atuação da Braskem em Maceió concluiu que a mineradora cometeu ao menos seis crimes, que vão desde a omissão, por não tomar as medidas de prevenção necessárias, como o de lavra ambiciosa, por extrair maior quantidade de sal-gema do que a segurança das minas permitiria.
Segundo o relator, senador Rogério Carvalho, o crime ambiental de Maceió não começou com um tremor de terra no dia 3 de março de 2018. “Trata-se de um crime permanente, cuja consumação perdurou por décadas”, destacou.
A CPI pediu o indiciamento da mineradora e de mais oito pessoas ligadas à Braskem, entre diretores, gerentes, engenheiros e técnicos responsáveis da companhia, o que inclui o atual vice-presidente executivo, Marcelo de Oliveira Cerqueira, que afirmou desconhecer as ilegalidades praticadas pela Braskem em Maceió.
O relatório, com mais de 760 páginas, imputou à Braskem e aos gestores e técnicos da mineradora, entre outros, crimes como o de poluição, de extração de matéria-prima em desacordo com as obrigações legais e de elaboração ou apresentação de laudo ou estudo falso ou enganoso, todos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605 de 1998).
Na época, o senador afirmou que “a Braskem sabia da possibilidade de subsidência do solo e mesmo assim decidiu deliberadamente assumir o risco de explorar as cavernas para além das suas capacidades seguras de produção. Além disso, para que pudesse manter a continuidade e o ritmo da extração de sal-gema, inseriu informação falsa em documentos públicos, omitiu dados essenciais de relatórios técnicos e manipulou os órgãos de fiscalização”.
Até agora, ninguém foi indiciado pelo crime.
Economista diz que Braskem é um ‘peso’ para Alagoas
Elias Fragoso, ex-professor de economia da Ufal, Cesmac e da Universidade de Brasília e UniAraguaia, em Goiânia, é um dos pioneiros na luta dos alagoanos em prol de uma solução para o caso Braskem e quem trouxe de volta para a discussão o tema da saída da companhia do Pontal da Barra. A despeito da informação de que a empresa se prepara para fechar as suas instalações naquele local, Fragoso se manifestou da seguinte forma:
“Será o que sempre afirmei, resolve-se um problema potencial que seria maior que a destruição de 20% dos bairros da cidade que a empresa provocou. São cerca de 150 mil pessoas, portanto, mais gente que as 140 mil vítimas do megadesastre que vivem, trabalham ou estudam no perímetro do ‘sucatão’ da Braskem, localizado dentro do centro urbano de uma capital de estado. Uma aberração e um crime ambiental inafiançável. Tem sido uma cruzada quixotesca. Mas alguém tinha que encarar. A Braskem, gente, sitiou Maceió!”
JORNAL EXTRA - O que significa para Alagoas a desativação da unidade da Braskem para Alagoas?
Elias Fragoso - Se as promessas de 50 anos atrás tivessem sido concretizadas ao invés de se tratar de grossa enganação política ao criarem uma expectativa falsa de que em Maceió seria constituído o maior polo petroquímico do país, com mais de 300 fábricas no seu auge, a Braskem teria sido de fundamental importância. Mas era tudo lorota. Então ela, esvaziada de suas funções de indústria de primeira geração em torno da qual girariam centenas de unidades fabris, foi vendo, lentamente, suas principais funções transferidas para a Bahia, terra dos seus controladores. E Alagoas acabou ficando com a “bocha do pintor na mão”.
JE - Qual a importância da Braskem para a economia alagoana?
EF - Hoje representa, certamente, menos de 0,5% do PIB alagoano, quase um traço em termos de geração de riquezas para o nosso estado. E emprega menos que um supermercado: pouco mais de 500 pessoas, das quais a maior parte não são alagoanos. Do ponto de vista estritamente econômico ela é um peso que o pobre estado de Alagoas carrega nas costas, uma vez que além da irrelevância no PIB, ainda suga milhões de reais de incentivos fiscais que poderiam estar sendo dirigidos para empresas que, de fato, geram riqueza internamente. Isso, além de representar menos de 3% da arrecadação própria do Governo de Alagoas. E ao que parece ainda deve cerca de R$ 3 bilhões ao erário público estadual. A Braskem é um peso.
JE - O que o senhor percebe que acontecerá com o passivo que a companhia tem em Alagoas que, segundo consultoria do governo, superava, na menor das hipóteses, R$ 18 bilhões, além do que ela já havia pago?
EF - Serei breve. A Braskem está passando pela maior crise da sua existência, acumula um prejuízo superior a R$ 19 bilhões nos últimos três anos, deve quase R$ 20 bilhões aos bancos, suas ações só valem R$ 9 bilhões e perdeu competitividade no mercado. Considerando o cenário de valores mais baixos do levantamento, ela deve R$ 18 bilhões aos credores alagoanos. Não vai pagar. É esperar que ela seja vendida pra ver como fica, ou ir à justiça brasileira. Só que antes tem que passar pela barreira de ferro da justiça em Alagoas. Como sempre, só se ferra os já ferrados. Mas é um alívio, se acontecer, vê-la saindo do Centro de Maceió.