entrevista
"Não tenho vergonha de ser política", diz pré-candidata Marina Silva
Prestes a enfrentar sua terceira eleição presidencial, a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva se vê, contraditoriamente, como uma espécie de “outsider” de dentro da política e tenta encontrar para si e para a Rede Sustentabilidade um espaço como alternativa aos partidos tradicionais, mas diz que não tem vergonha de ser política.
“Eu sou uma pessoa da política, mas completamente fora das estruturas criminosas em que transformaram a política. Aliás, a política não tem nada a ver com essa prática de usar o espaço da representação cidadã para benefício pessoal ou de um grupo ou para qualquer tipo de vantagem econômica”, disse Marina em conversa com a Reuters nesta quarta-feira.
“Não acredito em saídas que não considerem a política. O que precisamos é fazer a política se reencontrar com seu potencial transformador. Não tenho vergonha de ser política. Participo do processo político na vida pública há mais de 30 anos. O que não podemos é entregar de bandeja que a política é isso que estamos vendo. Isso é a perversão da política”, completou.
A ex-ministra de Meio Ambiente do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, de origem petista, é veterana de eleições presidenciais. Foi candidata em 2010 pelo Partido Verde e em 2014 era vice de Eduardo Campos e assumiu a vaga com a morte do candidato do PSB. Logo depois, deixou o partido para fundar a Rede.
Apesar do tempo na política, Marina tenta ocupar o espaço que poderia cair para nomes alternativos como o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck.
A ex-ministra já era dada como nome certo na disputa, mas confirmou há poucas semanas que seria realmente candidata. À Reuters, disse que “nunca foi tão necessária uma posição que não esteja entre a posição tradicional de direita e esquerda”, e esse seria o papel da Rede. “Temos que aprofundar ainda mais essa característica da nossa contribuição”, disse.
Apesar de dizer que novos nomes são bem-vindos na política pela necessidade de renovação, Marina faz ressalvas às possíveis novas candidaturas.
“Talvez tenhamos que ter o cuidado de verificar que uma crise dessa magnitude, a pensar em tudo que já aconteceu, com o ex-presidente Collor (Fernando Collor de Mello), com a própria presidente Dilma (Rousseff), que iniciar no processo político com o mais alto cargo da República talvez seja algo que tenhamos que ter um pouco mais de cuidado e de humildade talvez”, afirmou.
Na esteira da defesa de uma nova relação política, Marina defende ainda que pelo menos 200 parlamentares -aqueles investigados em diversas operações- não sejam reeleitos. E defende uma nova relação com o Congresso, “programática e não pragmática”.
“Não é errado compor o governo. O erro é quando se compõe o governo com base no pragmatismo da troca de cargos por apoio político, de apoio por emendas, dinheiro. Fazer uma maioria em termos programáticos, em que os partidos vêm porque têm competência, capacidade política de articulação, requisitos éticos para realizar uma boa gestão”, defendeu.
Com a mudança nas regras eleitorais e uma bancada de apenas quatro deputados federais, o partido de Marina tem apenas 10 segundos de televisão nas eleições de 2018, e uma parte modesta do fundo eleitoral criado este ano.
A ex-ministra reconhece as dificuldades de ganhar espaço e superar a barreira de cerca de 20 por cento dos votos que fez nas últimas eleições e critica o que chama de “bloqueios” feitos pelos partidos tradicionais.
“Eles se preferem para ir ao segundo turno entre eles e não haver risco de uma mudança significativa. Geram uma série de dificuldades para evitar qualquer tentativa de mudança”, disse.
“Não é fácil vencer esse bloqueio. É um bloqueio do próprio sistema. A esperança é que agora vai ser a eleição da verdade. A verdade de que os partidos da polarização levaram o país para o fundo do poço. É o momento de fazer a escolha: teremos uma atitude clínica ou uma atitude cínica diante de tantas coisas? Confio em vencer esse bloqueio com a consciência, a aprendizagem do povo brasileiro.”
Marina evita dar detalhes de seu programa de governo, mas defende a necessidade do país passar por reformas, não da maneira feita pelo presidente Michel Temer.
“O governo Temer em primeiro lugar carece de legitimidade, credibilidade e popularidade para fazer reformas”, disse, lembrando que durante a campanha de 2014 nem Temer nem Dilma defenderam as reformas previdenciária e trabalhista.
“O Brasil precisa de reformas inclusive para fazer atualizações na sua estrutura produtiva, mas o governo não teve capacidade de diálogo”, disse. “Primeira coisa a ser feita é dizer quais são as diretrizes de possíveis reformas. Tem sim a necessidade de reformas, inclusive a tributária. Temos desequilíbrio fiscal enorme mas muitos e enormes tributos.”
Apesar de criticar pontos da reforma trabalhista aprovados pelo atual governo e da reforma previdenciária, Marina não revelou quais são suas diretrizes para o tema, que deve ocupar boa parte do debate eleitoral, e nem respondeu se iria rever pontos das mudanças trabalhistas.
Na economia, Marina mantém a defesa da política econômica ortodoxa herdade do Plano Real.
“É claro que depois da crise de 2008 e com todas as heterodoxias que foram praticadas, levando o Brasil à bancarrota, é preciso que se tenha uma série de ajustes que nos ajudem a sair dessa situação que estamos vivendo”, defendeu.
“É preciso que se pense a reestruturação econômica sem tirar um coelho da cartola, ele já foi tirado com o Plano Real. Agora precisamos é tirá-lo da gaiola e recuperar a política macroeconômica. O Plano Real funcionou com o superávit primário, meta de inflação, o câmbio flutuante. Todos esses mecanismos que deram certo devem ser perseguidos com os ajustes necessários para sairmos do caos em que nos metemos.”
No dia em que o provável candidato tucano à Presidência, o governador Geraldo Alckmin, defendeu a privatização da Petrobras, Marina marcou posição oposta. A ex-ministra coloca Petrobras, assim como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, como completamente fora da possibilidade de privatizações.
“A gente tem que ter claro que CEF, BB, Petrobras não têm que entrar em absoluto nesse debate de privatização. São fundamentais e estratégicas para país que se tirarmos a ineficiência e a corrupção vão muito bem”, disse.
Por outro lado, Marina defendeu que existe a necessidade de debater que serviços precisam ser mantidos pelo Estado -um debate que, diz ela, acaba caindo na ideologia.
“É essa história de Estado máximo e Estado mínimo. Eu não advogo nem Estado máximo nem Estado mínimo, eu advogo o Estado necessário”, disse. “Há atividades que só o Estado pode dar conta e tem obrigação de fazer. Existem outros que em termos de qualidade e preço e que se forem feitos de forma eficiente e justa podem ser feitos pela iniciativa privada ou por parcerias público-privadas.”
Nascida e criada em um seringal no Acre, Marina Silva, que completa 60 anos nesta quinta-feira, não sabia ler e escrever até os 16 anos. Ao mudar-se para a capital do Estado, alfabetizou-se, fez o ensino médio se formou em história. Começou a carreira política pelo sindicalismo e foi eleita vereadora em 1988 já pelo PT. Foi ministra do Meio Ambiente do governo Lula até 2008, quando saiu do governo após atritos com a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff.
No ano seguinte, trocou o PT pelo PV para concorrer pela primeira vez à Presidência. Em 2014, ao não conseguir registrar seu novo partido, concordou em ser vice na chapa de Eduardo Campos, pelo PSB, e acabou assumindo a candidatura com a morte do companheiro de chapa. Nas duas ocasiões, não chegou ao segundo turno.