especial - 13 de setembro
Os 60 anos do impeachment de Muniz Falcão

Tudo começou em 7 de fevereiro de 1957, sete meses e seis dias antes da tragédia. Às 21h30, em frente a igrejinha de São Sebastião, já na praça Gabino Besouro, em Arapiraca, foi assassinado o deputado estadual Marques da Silva, cuja autoria intelectual foi imposta ao também deputado Claudenor de Albuquerque Lima.
José Marques da Silva, médico, tinha sido o deputado mais votado do estado, com 3.760 dos 7.400 eleitores do município de Arapiraca. Escolhido em 1955 primeiro vice-presidente da Mesa Diretora da Assembleia, fazia parte da oposição ao governador Muniz Falcão, juntamente com outros 21 colegas parlamentares. A situação era constituída de 12 deputados.
Acerca do assassinato do deputado arapiraquense, disse O Globo, diário do Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de 1957, em matéria com o título O CRIME DE ALAGOAS:
“O ato de banditismo, que na cidade de Arapiraca, em Alagoas, roubou a vida ao deputado oposicionista Marques da Silva, não é o único nem o primeiro, praticado neste País, por vindita partidária. Mas é de tal modo impressionante em seus antecedentes, em sua forma de execução, em suas múltiplas circunstâncias, que está destinado a acarretar as mais sérias conseqüências sobre a cabeça de seus autores ou corresponsáveis morais e políticos.
“Muitos dos nossos homens públicos do interior, não se querem convencer de que estamos na segunda metade do século XX, em plena era de transformações radicais, e continuam a orientar suas atividades partidárias pelos processos de violência contra as pessoas, de ameaça de supressão de liberdades para os oposicionistas. Esse regime não resiste nem pode resistir à reação que lhe opõe, sem distinções, a opinião pública, inteiramente hostil à sobrevivência das antigas senzalas para os brancos depois que ficaram despovoadas dos escravos negros”.
Após o assassinato, o governador Muniz Falcãodisseao coronel Murilo Luz, comandante da Polícia Militar de Alagoas: “Veja, coronel, que espécie de amigos eu tenho. Traem-me a confiança e expõem o nome do governo num crime monstruoso”.
7 meses depois
Era o dia 13 de setembro. Uma tarde ensolarada. A partir das 15h30, muitos parlamentares chegavam ao prédio da Asssembleia para mais um dia de trabalho legislativo. Na pauta: leitura da ordem do dia, que constituía decreto de impeachment do governador Muniz Falcão, de autoria do deputado Oséas Cardoso.
Pela Praça D. Pedro II caminhavam lentamente em direção ao plenário da Assembleia os deputados Claudenor Albuquerque Lima, Aderval Tenório e Luiz Gaia, os três pertencentes à situação, isto é, defensores intransigentes do governador Muniz Falcão. Chegavam de terno, com grandes capas de chuva sobre os ombros, que encobriam revólveres e metralhadoras conhecidas como “lourdinhas”. Segundo o irmão, Djalma Falcão, em seu livro Episódios, o governador “teria pedido que sua bancada não comparecesse à sessão, entretanto, o deputado Humberto Mendes (PTN), seu sogro e líder do governo, discordava dessa posição”. Disse mais Djalma Falcão: “Mendes e os deputados Claudenor Lima e Abraão Moura decidiram ir à Assembleia dispostos a ‘matar ou morrer’ e não atenderem nem mesmo aos apelos do arcebispo de Maceió, D. Adelmo Machado, para que fossem desarmados. Portando metralhadoras, os três rumaram para a Praça D. Pedro II e, agitados, condenavam os golpistas, sob aplausos da multidão que se aglomerava no local em apoio ao governador”.
Lá dentro, entrincheirados, deputados oposicionistas, como a antever a tragédia, estavam à espera. Édson Lins, com duas armas de fogo, Oséas Cardoso, Carlos Gomes de Barros, Antônio Gomes de Barros, José Onias, José Affonso de Melo, o senador pela Bahia, Juracy Magalhães (presidente da UDN Nacional e também com arma em punho), todos esperavam o embate. Os deputados oposicionistas eram: Antônio Gomes de Barros, Carlos Gomes de Barros, Teotônio Vilela, Júlio França, Mário Guimarães, Geraldo Sampaio, Siloé Tavares, Oséas Cardoso, Otacílio Cavalcante, Virgílio Barbosa, José Onias, Lamenha Filho, Machado Lobo, Edson Lins, Herman Almeida, Arnaldo Paiva, João Toledo, Manoel Borges, José Affonso, Antenor Claudino, Antônio Malta e Antenor Serpa.
Os que acompanhavam o governo de Muniz Falcão: Jorge Assunção, João Bezerra, Antônio Moreira, Abrahão Moura, Claudenor de Albuquerque Lima, Luiz Gaia, Ramiro Pereira, Humberto Mendes, Ulisses Botelho, Luiz Coutinho, Augusto Machado, Aderval Tenório e Luiz Rezende.
Sem palavras
Assim que chegaram ao recinto do plenário, por volta das 15h30, silenciosamente, sem ao menos pronunciarem palavras, ou mesmos ruídos, os deputados da situação foram logo atirando a esmo. O jornalista Moreira Alves, ferido por bala de fuzil no fêmur, assim escreveu nas páginas do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro:
“Cheguei às 6 da manhã de hoje, acompanhando o presidente da UDN. Imediatamente saímos a tomar contato com o ambiente político de Maceió, onde se vivia momentos de expectativa.
Reuniões se sucederam entre os líderes udenistas na casa do deputado Mário Guimarães, presidente da UDN local. O Palácio do Governo estava vazio de povo e cheio de homens armados.
O governador movimentou a cidade durante toda a manhã. A partir do meio dia passou a receber em Palácio. Às 15 horas a Polícia Estadual formou em frente ao edifício da Assembleia.
Os deputados da oposição se encontravam no recinto. Às 15h10, deputados situacionistas liderados pelo deputado Claudeonor Lima, subiram a escadaria vestidos de capas, sob as quais portavam metralhadoras. Penetraram imediatamente no recinto.
Nenhuma palavra chegou a ser trocada. Os deputados da situação abriram fogo imediatamente a esmo. Vários feridos. Impossível dizer número, pois figuro entre eles. De relance vi um deputado de terno escuro, de óculos, empunhando metralhadora sob a capa, que me afirmaram ser Claudenor Lima.
Vi o fogo da metralhadora, senti dor na perna e caí. Durante uma hora, juntamente com outros 4 feridos, abriguei-me atrás de 3 sacos de areia destinados a proteger a taquigrafia. Esperei socorro. As ambulâncias tiveram dificuldades em atravessar o cerca de cangaceiros, que ameaçavam o corpo médico com metralhadoras. Removido para o Pronto Socorro, foi diagnosticada fratura do fêmur. Meu estado geral bom. Reportagem encerrada. Marcio Alves”.
1 tiro
Ferido pelas costas, um tiro matou o deputado Humberto Mendes, sogro do governador e um dos mais corajosos. Para o jornalista Rubens Jambo, foi da arma do deputado Virgílio Barbosa, que era de Limoeiro de Anadia, que saiu a bala que assassinou o oposicionista.
Outros deputados, José Onias, Júlio França, José Affonso, Carlos Gomes de Barros (todos oposicionistas) também saíram feridos, além do jornalista Moreira Alves, do servidor da Assembleia Jorge Pinto Dâmaso (ferido na perna) e do sargento Jorge José de Araújo, da PM, ferido na rua por uma rajada de metralhadora.
Aqueles trágicos momentos foram assim retratados pelo O Cruzeiro, edição de 28 de setembro de 1957, de autoria do jornalista João Martins:
“Gritos de dor e pânico ouviam-se nos quatro cantos da Câmara; tive a impressão de que muita gente estava morrendo à mingua de socorro. O fogo, aqui e ali, era interrompido, como se as munições tivessem se esgotado. Logo, porém, ouvia-se o barulho mecânico de reabastecimento das armas. Da rua, soldados atiravam indiscriminadamente, talvez para afastar o aglomerado de gente na praça, talvez para agravar, anda mais, o clima de tragédia e intranquilidade em Maceió.
Ao cabo de 40 minutos de batalha, nos limites precários de uma sala cheia de poltronas e mesas, distribuídas em planos diferentes, as metralhadoras e os revólveres silenciaram. Restavam os gemidos dos feridos e alguns gritos indefiníveis dentro e fora do prédio.
Aos poucos, o ambiente foi se clareando. Das saletas, surgiam pessoas, ainda de armas na mão, buscando a consciência exata das proporções da tragédia; das barricadas, especialmente na sala da Presidência, os deputados oposicionistas saíam, já em socorro dos feridos, todos estirados pelo chão, perdendo sangue. Encontrei nesse momento o Senador Juracy Magalhães que, aparentemente calmo e de revólver na mão, manifestou surpresa de ver aií, na encruzilhada de uma chacina, este repórter, seu velho conhecido de outras sessões parlamentares menos sanguinolentas na história política deste país. Iniciou-se, então, uma operação de busca e reconhecimento de feridos, sala por sala, esconderijo por esconderijo. Dessa empresa, participaram os deputados oposicionistas Teotônio Vilela, Lamenha Filho, que é o presidente da Assembléia e Arnaldo Paiva. Foram, então, recolhidos o jornalista Moreira Alves, com um tiro na coxa direita (fratura do fêmur), os deputados José Onias, José Afonso, Virgílio Barbosa, Antonino Malta e Carlos Gomes de Barros e o funcionário José Pinto Dâmaso; com um tiro na perna, foi socorrido, ainda, o sargento Jorge José de Araújo, da Polícia Militar, atingido, na rua, na entrada da Câmara, por uma rajada de metralhadora”.
Deputado é morto e jornalista ferido
Com o Exército nas ruas, a noite de 13 de setembro foi tranquila em Maceió, apesar de famílias, correligionários e o próprio governo do Estado lamentarem a morte do político e sogro do governador Muniz Falcão, deputado por Palmeira dos Índios, Humberto Mendes. No dia seguinte, porém, o governo federal, através de decreto presidencial, decreta intervenção no estado de Alagoas, atendendo solicitação do próprio poder Legislativo alagoano. Diz o decreto:
“Decreto n. 42266 de 14/9/1957- Poder Executivo Federal (DOU de 15/9/1957)
Decreta a intervenção federal no Estado de Alagoas para assegurar o livre exercício dos poderes da Assembléia Legislativa.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe conferem os arts. 7, nº IV, 9, § 1º, n II, 10 ,11 e 12 da Constituição,
CONSIDERANDO que a Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas solicitou a intervenção federal no Estado, por se julgar impedida de exercer livremente os seus poderes;
CONSIDERANDO que, a par desta solicitação, é notória a ocorrência de graves acontecimentos no próprio recinto da Assembléia Legislativa seguidos de atentados à vida e à pessoa de Deputados;
CONSIDERANDO que, por esse motivo, a situação no Estado é de intranquilidade, capaz de gerar a subversão da ordem pública;
CONSIDERANDO que, ao Governo Federal cabe garantir, mediante a intervenção, o livre exercício de qualquer dos poderes do Estado que estiver impedido de funcionar regularmente,
CONSIDERANDO que a intervenção poderá ser parcial e com objetivo restrito:
DECRETA:
Art.1º Fica decretada, pelo prazo de sessenta dias, a intervenção federal no Estado de Alagoas, para o fim de assegurar o livre exercício dos poderes da Assembléia Legislativa.
Parágrafo único. A intervenção não atingirá o livre exercício dos poderes dos órgãos judiciários, nem do Governador do Estado, o qual deverá, entretanto, prestar ao interventor toda a colaboração de que necessitar para o desempenho da sua missão.
Art. 2º O Presidente da República tornará efetiva a intervenção e nomeará o Interventor.
Art. 3º O Interventor tomará imediatas providências, a fim de garantir o livre exercício dos poderes da Assembléia Legislativa, e manter a ordem e a tranqüilidade publicas.
Art. 4º O Ministro da Justiça e Negócios Interiores baixará as instruções que se tornarem necessárias à fiel execução deste decreto.
Art. 5º Este Decreto entra em vigor na sua data, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 1957; 136º da Independência e 69º da República.
JUSCELINO KUBITSCHEK
NEREU RAMOS
O ato
O afastamento do governador Muniz Falcão, logo após o ato que decretou a intervenção em Alagoas, foi pacífico, tendo este passando o governo para o vice, Sizenando Nabuco, que, em seguida, transferiu o poder para o interventor, general Armando de Morais Âncora.
Este ato, para os governistas, foi considerado como uma tática da oposição. De qualquer maneira, a presença de tropas federais em Alagoas representou a volta à tranqüilidade na cidade de Maceió, principalmente do ponto de vista das garantias individuais, gerando uma pausa em mortes e assassinatos políticos.
Outras mortes e assassinatos ocorreram em Alagoas, por motivo de rixa, de vingança, familiar ou não, mas nenhuma envolveu tanta gente como a que ocorreu há 60 anos, dentro da Assembleia Legislativa.
VERDADES
Traição, inveja, maldade,
Ambição, contrariedade.
Ingratidão, rancor e despeito
Levaram ao túmulo os
Irmãos eleitos Muniz Falcão,
Governador, Camucé Falcão,
Vereador, e Djalma Falcão,
Prefeito
Eterna gratidão
Nunca perseguimos,
Nunca humilhamos,
Não espancamos
Não ferimos
E nem enganamos
O bravo povo alagoano
Levantamos os braços
E as mãos em muitas
Ocasiões para abraçar,
Proteger, aplaudir,
Acolher, empregar e unir
Lealdade, amizade e
Gratidão são as marcas
E os atos registrados da
Família Muniz Falcão