BAIRROS AFUNDANDO

Venda da Braskem pode isentar novos donos de pagar pelos crimes da mineradora

Especialista destaca que crimes ambientais geralmente acabam em acordos
Por José Fernando Martins 11/12/2023 - 10:16

ACESSIBILIDADE

Gésio Passos/Agência Brasil
Populares se revoltam contra petroquímica
Populares se revoltam contra petroquímica

O caso Pinheiro/Braskem tornouse internacionalmente conhecido após um tremor de terra sentido por moradores de alguns bairros de Maceió em março de 2018. No Pinheiro, um tradicional bairro da capital alagoana, além dos tremores surgiram rachaduras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras que se abriram sem aparente motivo. De lá para cá, além do Pinheiro, outros bairros foram considerados zonas de risco, como Mutange, Bom Parto, Bebedouro e parte do Farol. 

Com o colapso da Mina 18, anunciado no final de novembro, o afundamento de parte de Maceió foi amplamente difundido e uma das perguntas que surge é “ninguém vai ser preso?”. Segundo Rafael Valentini, advogado criminalista, pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, devido aos crimes cometidos contra a capital alagoana, é, sim, possível o encarceramento dos proprietários da petroquímica. 

No entanto, crimes ambientais tendem a ser pagos com acordos. Segundo o site institucional da Braskem, o atual diretor-presidente é Roberto Bischoff, eleito em janeiro deste ano. No entanto, pontuar quem são os donos da Braskem é uma tarefa árdua. Atualmente, a empresa tem 278 milhões de ações, entre ordinárias e preferenciais. Ligada à antiga Odebrecht (atual Novonor), a NSP Investimentos é dona de parte da empresa, junto à Petrobras.

Rafael Valentini, advogado criminalista
Rafael Valentini, advogado criminalista

Mas também há outros investidores, como a Norges Bank. A Braskem também está em outros países, como a Holanda, onde a Corte Internacional também julga o caso. Já quanto à prisão dos responsáveis, o especialista Rafael Valentini lembra que o Brasil tem legislação penal suficiente para que isso aconteça, embora isso não seja a praxe.

CONFIRA ENTREVISTA

Extra Alagoas - No Brasil, a Justiça é morosa e os poderosos conseguem adiar e aliviar suas próprias penas. O senhor acredita que há brecha para que os donos da Braskem realmente sejam encarcerados?

Rafael Valentini - Sim, há legislação penal suficiente para isso. Não se trata de “brecha”, mas sim da própria previsão em lei. Evidentemente qualquer condenação criminal dependerá da existência de prova suficiente de que os agentes A, B, C etc. praticaram ou colaboraram para o crime (ou os crimes) imputado a eles. Analisando somente a letra fria da lei, as ações e omissões que temos assistido no “episódio Braskem” podem se enquadrar, em tese, em diversos tipos penais já existentes tanto no Código Penal como em leis específicas (especialmente a lei que trata dos crimes ambientais).

EA - Tem algum exemplo parecido em que o empresário (ou político) teve que pagar seus crimes ambientais com a prisão?

RV - De fato, não me recordo de nenhum caso público que resultou em prisão pela prática de crime ambiental. Uma das razões para isso é porque a grande maioria dos crimes ambientais permitem que o acusado celebre um acordo com o Ministério Público para evitar o prosseguimento da ação penal, bem como não ultrapassam o patamar de quatro anos de reclusão (patamar mínimo para que um condenado, em regra, inicie o cumprimento de sua pena em estabelecimento prisional). Mas essa é uma análise parcial das consequências penais em decorrência da prática de um único crime ambiental, pois sempre há a possibilidade de o mesmo delito ter sido praticado mais de uma vez e também de outros crimes terem sido cometidos no mesmo contexto do crime ambiental (associação criminosa, falsidades documentais, corrupção etc.). Nessas hipóteses, as penas de todos os crimes podem ser somadas e, assim, o agente condenado necessariamente terá que cumprir pena na prisão.

EA - A Braskem tem filiais na Holanda. Trata-se de um crime internacional? Como a Justiça brasileira teria que agir?

RV - Nesse contexto que estamos tratando, todos os crimes estão previstos na legislação brasileira. Por consequência, a jurisdição do Brasil tem competência para apurar e processar os fatos ocorridos aqui no país, independentemente da localização da sede principal ou administração da empresa.

EA - A mineradora está prestes a ser vendida. Isso é possível? O que acontece com os crimes caso uma empresa compre a Braskem? Os antigos proprietários se tornam isentos?

RV - A princípio, é possível. A exceção seria na hipótese de haver alguma restrição judicial impedindo uma negociação nesse sentido visando preservar a investigação ou a produção de prova do processo, por exemplo. As pessoas físicas que cometeram os delitos continuarão responsáveis independentemente de a empresa mudar completamente de gestão ou for incorporada por outra, por exemplo, pois o objeto de um processo criminal é sempre o fato ocorrido e suas consequências penais. Já a responsabilidade penal da pessoa jurídica poderá ser extinta a depender de como se der essa venda ou incorporação, pois há precedente no Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, embora haja divergência de entendimento no próprio STJ e entre especialistas. Mas não é possível afirmar que essa extinção da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pelos crimes ambientais, seria um evento certo, pois precisaríamos aguardar o resultado final do caso concreto para analisar suas possíveis consequências de acordo com a lei e os entendimentos dos Tribunais, especialmente STJ e STF.

EA - A prisão dos donos pode ser expedida?

RV - Na prática o que acontece é a formulação de um pedido de prisão, temporária ou preventiva, ao juiz competente, diante da presença de pressupostos cautelares para se decretar a medida extrema, que terá uma tramitação preferencial. Na legislação penal brasileira, somente pessoas físicas cometem crimes. Os dirigentes de uma empresa que tenham oferecido propina para agentes públicos serão os responsáveis, do ponto de vista penal, pelos delitos, muito embora a pessoa jurídica poderá ser processada e responsabilidade em outras esferas como civil e administrativo. A única exceção é justamente a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, conforme previsto na Constituição Federal. Portanto, no contexto aqui analisado, todas as pessoas físicas que tenham contribuído para os ilícitos penais ambientais, assim como a própria empresa, poderão ser objeto de ação penal a ser ajuizada pelo Ministério Público.

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