SEGURANÇA PÚBLICA

Alagoas mantém contrato com empresa de software espião investigada pela PF

Especialistas apontam riscos de uso ilegal desses produtos, como ocorreu com a Abin
Por Redação 18/02/2024 - 12:06
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Agencia Brasil
PF investiga Abin por monitoramento ilegal de autoridades
PF investiga Abin por monitoramento ilegal de autoridades

Alagoas está entre os 10 estados que, através das Secretarias de segurança, mantêm contratos com a empresa israelense Cognyte, desde 2019, que fornece soluções de tecnologia da informação como o software espião FirstMile. Os indícios de uso irregular deste aplicativo pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) são alvo de investigação pela Polícia Federal (PF), assim como os contratos das secretarias estaduais são questionados.

Além de Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo firmaram acordos com a empresa sem licitação, segundo a PF, para o fornecimento de soluções de inteligência, como o FirstMile, mas também de outros serviços de tecnologia.

Para especialistas ouvidos pelo site Brasil de Fato, a contratação da Cognyte pelas secretarias estaduais de segurança se assemelha ao caso da Abin, que teria usado ilegalmente o software para rastrear desafetos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo o diretor da ONG Data Privacy, Rafael Zanatta, essa conduta da agência não é um fato isolado.

"É um risco à democracia, pois esse serviço neutraliza direitos básicos de associação, de privacidade, e proteção de dados pessoais. É perigoso naturalizar esse monitoramento sem ordem judicial, isso para associações e lideranças políticas e sociais é ruim", destaca. No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Segurança adquiriu o FirstMile e GI2-S, mesmo caso de São Paulo. A Secretaria Estadual de Segurança do Maranhão também adquiriu produtos da Cognyte para monitorar sinais de telefone.

Segundo a Polícia Federal, Alagoas e Paraná compraram o GI2, ferramenta que extrai as coordenadas de GPS dos aparelhos com conexão 3G.

No Mato Grosso, a Secretaria Estadual de Segurança fechou contrato para a compra do equipamento GI2-S, com dispensa de licitação, por R$ 4,6 milhões. O aparelho serve para localizar celulares. Em nota, o governo justificou que a polícia tem de se aparelhar para combater novos tipos de crimes e que a ferramenta não intercepta os telefones, mas se vale do sinal de celular para apontar a localização aproximada dos alvos. No Amazonas, foi a Polícia Civil do estado que contratou a compra de equipamentos da Cognyte sem licitação por R$ 6,4 milhões.

Uso indevido


Em 2023, o secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, foi chamado à Assembleia Legislativa para prestar esclarecimentos sobre possível uso ilegal de sistema de rastreamento. O Legislativo do Espírito Santo também cobrou explicações do Executivo quanto ao uso de soluções da Cognyte na segurança pública.

O comando da Polícia Militar capixaba informou na ocasião que o contrato era confidencial, mas que não se tratava do FirstMile. Em nota, disse ainda que as ações são realizadas com autorização judicial para combate ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Já a Polícia Civil do Pará informou que o equipamento é utilizado de acordo com as normas legais.

De acordo com o especialista em tecnologia e sociedade André Ramiro, falta transparência nesses acordos. "Esses contratos com dispensa de licitação não são acessíveis para escrutínio tanto das autoridades de fiscalização, como o Ministério Público, como também da sociedade civil. Então me parece que um uso ilegal e arbitrário se torna cada vez mais possível", ressalta o pesquisador do Instituto Humboldt.

Ramiro explica que o uso de ferramentas de inteligência é uma tendência em investigações policiais. "Essas ferramentas parecem ser uma espécie de atalho burocrático para acesso a comunicações privadas e a dados armazenados nos celulares de pessoas que sejam de interesse". O especialista ressalta que apenas uma investigação posterior determinará se o uso do software foi legal ou ilegal.

Os especialistas consideram que o uso de ferramentas como o FirstMile é ilegal, pois viola a privacidade dos usuários sem ordem judicial ou investigação criminal e se basearia em falhas na infraestrutura de proteção das operadoras de telefonia para rastrear os alvos. O artigo 5 da Constituição Federal, que trata dos direitos fundamentais, determina "o sigilo da correspondência e das comunicações, telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial".

A empresa, por sua vez, alega que a obtenção da localização é um metadado (parte da estrutura de um dado principal) e não o dado em si, e por isso, justifica que não há interceptação de informações e nem ilegalidade no uso do FirstMile.

Abin paralela


Em janeiro, a Polícia Federal deflagrou uma série de operações destinadas a investigar uma organização criminosa na Abin. Segundo a PF, o grupo utilizou o FirstMile para rastrear a localização de autoridades públicas, classificadas como de oposição a Bolsonaro.

Os monitorados vão desde políticos, como o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), até a promotora Simone Sibilio, que atuou no caso que apura o assassinato de Marielle Franco. Servidores públicos também foram espionados. Os investigadores alegam que recursos da Abin foram usados para atender a interesses privados com viés ideológico.

A polícia analisa o uso indevido do sistema de inteligência FirstMile entre os anos de 2019 e 2021, vendido pela Cognyte à Abin. O sistema registrou 60.734 consultas à localização dos alvos no período. O inquérito sobre o caso tramita no STF, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.


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