MERCADO DE TRABALHO

Pejotização expõe lacuna pendente na reforma tributária, diz advogado

Decisão do STF reacende debate sobre contratos PJ diante da modernização do mercado
Por Redação com assessoria 19/05/2025 - 13:26
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Assessoria
Advogado Sysley Sampaio analisa questões polêmicas no mercado de trabalho
Advogado Sysley Sampaio analisa questões polêmicas no mercado de trabalho

A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 14 de abril de 2025, de suspender todos os processos judiciais que discutem a legalidade da chamada “pejotização”, reacendeu um dos debates mais sensíveis do mercado de trabalho brasileiro. A pejotização – prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) para reduzir encargos trabalhistas – tornou-se comum em setores como tecnologia, saúde, advocacia, corretagem de imóveis e logística.
Embora essa estratégia seja defendida por empregadores como um meio de flexibilizar contratações e reduzir custos, ela tem levado a um aumento expressivo de autuações fiscais e ações judiciais, devido à configuração de fraudes trabalhistas em muitos casos.

O crescimento dessa modalidade de contratação é evidente. Entre 2019 e 2024, o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) no país quase dobrou, passando de 8,5 milhões para 15,8 milhões. Ao mesmo tempo, aumentaram também os conflitos judiciais.

Só em 2024, a Justiça do Trabalho recebeu mais de 285 mil processos relacionados ao reconhecimento de vínculo empregatício. Muitas dessas ações questionam contratos de prestação de serviço com características de emprego formal, como subordinação direta, jornada fixa e pessoalidade.

“Quando reconhecida a fraude, tanto a empresa contratante quanto o trabalhador podem ser penalizados: a empresa deve arcar com encargos retroativos, enquanto o profissional, mesmo tendo pago tributos como pessoa jurídica, pode ser submetido à cobrança de contribuições como pessoa física, configurando um cenário de bitributação”, explica o advogado tributarista Sysley Sampaio, Mestre em Direito Tributário,MBA em Recuperação de Créditos Tributários.

A decisão do STF de suspender esses processos, enquanto não é julgado o mérito do Tema 1389 (que trata da validade dos contratos de pejotização, da competência da Justiça do Trabalho para analisar tais casos e da responsabilidade pela prova do vínculo), tem o objetivo de estabelecer uma interpretação uniforme e reduzir o número de reclamações constitucionais.

Segundo Gilmar Mendes, entre janeiro e setembro de 2024, o STF recebeu mais de 4.400 reclamações envolvendo decisões trabalhistas, o que, em sua avaliação, transforma o Supremo em uma instância revisora e revela um descumprimento sistemático das diretrizes da Corte por parte da Justiça do Trabalho.

Por outro lado, entidades da magistratura e da advocacia trabalhista veem a decisão como uma tentativa de enfraquecer a competência da Justiça do Trabalho e desconsiderar sua capacidade técnica para julgar a realidade dos vínculos laborais. “A polêmica escancara um conflito institucional que vai além da jurisprudência: envolve também visões distintas sobre o papel do Judiciário no equilíbrio entre flexibilidade contratual e proteção social”, destaca Sysley.

Apesar de recente, a ampla reforma tributária aprovada em 2023 deixou esse tema em aberto. As novas regras de impostos não enfrentaram as distorções geradas pela pejotização. “Ainda hoje, profissionais autônomos organizados como PJ estão sujeitos a serem reclassificados como empregados, sendo exigido deles o recolhimento de contribuições retroativas, mesmo após já terem pago tributos sob o regime empresarial. Essa situação cria insegurança jurídica e financeira para trabalhadores e empresas, além de comprometer a sustentabilidade da Previdência”, ressalta o advogado Sysley Sampaio.

Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) estima que, desde 2017, a pejotização já causou uma perda de R$ 89 milhões para o sistema previdenciário.

Politicamente, o tema também divide opiniões. O senador Paulo Paim (PT-RS) critica a pejotização como um processo de precarização dos direitos trabalhistas e alerta para o risco de ampliação da informalidade. Já o ministro Gilmar Mendes tem defendido a flexibilização das relações de trabalho como uma adaptação necessária à nova realidade econômica, posição coerente com outras decisões suas, como a que extinguiu o regime jurídico único dos servidores públicos.

A suspensão dos processos sobre pejotização é, portanto, um marco importante, com efeitos diretos sobre o futuro do trabalho no Brasil. Ela promete trazer maior segurança jurídica no longo prazo, mas, por ora, paralisa o andamento de milhares de ações e acentua a incerteza para empresas e trabalhadores. Além disso, evidencia uma falha da reforma tributária, que não conseguiu resolver os problemas gerados pela bitributação em contratos de trabalho disfarçados.

Diante disso, o país se vê diante de um impasse: como adaptar seu sistema jurídico e tributário a uma economia em transformação acelerada, sem comprometer os direitos fundamentais dos trabalhadores? “A decisão final do STF será determinante para o rumo das relações laborais no Brasil. Até lá, cabe à sociedade civil, aos juristas e aos legisladores manter o debate aberto, buscando um equilíbrio entre a liberdade de contratação e a justiça social”, finaliza o advogado.


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