POLÍTICA
Congresso feriu Constituição ao derrubar decreto do governo sobre IOF
Juristas apontam usurpação de competência, ferindo o princípio da separação entre os Poderes
A derrubada do decreto do governo federal que reonerava as alíquotas do IOF, aprovada em votação surpresa na Câmara dos Deputados na quarta-feira (25), tem tudo para se transformar em uma nova disputa no Supremo Tribunal Federal (STF). O governo Lula avalia judicializar o caso com base no entendimento de que o Congresso extrapolou suas atribuições constitucionais ao sustar um ato de natureza técnica do Executivo.
Juristas ouvidos pelo ICL Notícias foram unânimes ao apontar que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL), usado pela Câmara para anular o decreto presidencial, é inconstitucional. Para eles, houve usurpação de competência, com consequências graves para o princípio da separação entre os Poderes.
O constitucionalista Pedro Serrano explica que o PDL é um instrumento que só pode ser acionado quando o Executivo invade a competência do Legislativo ao criar normas que inovem a ordem jurídica de forma primária. Não foi o caso do decreto sobre o IOF:
“O decreto apenas modulou deveres instrumentais previstos em lei, que já estabelecia a alíquota máxima. O Legislativo não pode usar o PDL como forma genérica de controle de constitucionalidade. Isso cabe ao Judiciário. O PDL é um mecanismo de autodefesa do Parlamento diante de invasões, o que claramente não ocorreu aqui”, afirmou Serrano.
O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também apontou inconstitucionalidade na decisão da Câmara, mas ponderou sobre os riscos de levar o caso ao STF neste momento:
“O Supremo está sob forte pressão política, especialmente após os julgamentos do 8 de janeiro. Não há dúvida sobre a inconstitucionalidade, mas é preciso avaliar se é o momento político de tensionar isso no Judiciário. Talvez seja a hora de fazer política, não judicialização.”
Para o jurista Lenio Streck, o episódio revela um avanço indevido do Legislativo sobre o Executivo, que compromete a integridade do modelo presidencialista:
“O Parlamento está fagocitando o Executivo. Hugo Motta age como se fosse primeiro-ministro. Há uma clara usurpação de competência. Nos EUA, esse tipo de interferência legislativa seria imediatamente barrado pela Suprema Corte.”
Na mesma linha, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, afirmou que o PDL aprovado é um ataque direto à Constituição:
“Houve uma usurpação clara de uma competência constitucional do Executivo. Isso é muito grave. É um tapa na cara não apenas do governo, mas da população brasileira. Os Poderes precisam se respeitar em suas atribuições, é o que sustenta uma democracia.”
Votação do IOF criou precedente
A votação foi conduzida de forma inesperada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sem acordo com a base do governo. A medida teve apoio de partidos com ministérios na Esplanada, como PSD, PP, Republicanos e União Brasil. No Planalto, a avaliação é que a decisão criou um precedente perigoso, com impacto sobre a governabilidade e o respeito à ordem constitucional.
Na esteira da discussão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugeriu publicamente a possibilidade de judicialização. A proposta encontrou resistência interna, e o clima entre os dois lados da Praça dos Três Poderes é de escalada.
Deputados aliados relataram ao ICL que há expectativa de que o presidente Lula, ao lado de figuras como Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e o próprio Haddad, entre de vez na disputa política. “Não vai ter recuo”, afirmou um parlamentar governista. A avaliação é que o governo dobrará a aposta e passará a pautar o confronto como uma disputa entre “os interesses dos pobres contra os ricos”.
Como gesto de contenção, a Advocacia-Geral da União divulgou uma nota interpretada por parlamentares como um freio estratégico de Lula diante da pressão por reação imediata:
“NOTA
A Advocacia-Geral da União (AGU) informa, em resposta às notícias divulgadas na mídia sobre a judicialização do Decreto do IOF, que não há qualquer decisão tomada nesse sentido. Todas as questões jurídicas serão abordadas tecnicamente pela AGU, após oitiva da equipe econômica. A comunicação sobre os eventuais desdobramentos jurídicos do caso será feita exclusivamente pelo próprio advogado-geral, no momento apropriado.
Assessoria Especial de Comunicação Social da AGU”
Com base na interpretação predominante entre os juristas ouvidos, o STF deve considerar inconstitucional a decisão da Câmara, caso o governo leve o caso à Corte. A dúvida agora é se haverá força política e consenso estratégico para isso.