MEMÓRIA
Tremor que forçou evacuação de 60 mil pessoas em Maceió completa sete anos
Mineração feita pela Braskem provocou a desocupação de mais de 14 mil imóveis em 5 bairros
No dia 4 de março de 2018, moradores do bairro do Pinheiro, em Maceió, sentiram um tremor de terra que provocou rachaduras nas ruas e em imóveis. Mais de um ano depois, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) confirmou que abalo sísmico de magnitude 2,5 era resultado da mineração de sal-gema feita pela Braskem. Era o início de um drama que afeta a vida de dezenas de milhares de pessoas até hoje.
“O dia que teve o tremor foi um absurdo. Eu me lembro que a primeira coisa que fiz foi ir às redes sociais perguntar se as outras pessoas também tinham percebido aquilo, e várias pessoas tinham, mesmo não morando no Pinheiro. Não é o tipo de coisa que a gente espera acontecer em Maceió. Com o tempo, foi ficando claro que aquilo não era natural. Eu me lembro de ter rachadura na parede do apartamento que, quando chovia,entrava água. O chão do apartamento em frente ao meu, no térreo, afundou uns dois, três centímetros. A situação no dia a dia era essa, era muita mídia e muito pânico, muito terror”, lembra.
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A sal-gema é um tipo de cloreto de sódio utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. Sua exploração pela Braskem em Maceió teve início em 1970 e, já nessa época, movimentos sociais, especialistas e a imprensa local contestavam as atividades de exploração mineral na capital.
“A reação é de raiva e revolta. Na época que começou a surgir o boato de que era a Braskem a causadora, a empresa negou tudo e depois de muita pressão social foi que eles assumiram a culpa. Nesse período de muita pressão, foram resgatadas matérias de jornais dos anos 70 alertando sobre os riscos de fazer a estação da sal-gema. À medida que o tempo foi passando, a população afetada foi vendo que a Braskem foi protegida por governo, pela prefeitura e pela mídia. É uma coisa, a gente se sentiu extremamente lesado”, afirma Antônio.
Quando o CPRM apontou a mineração feita pela Braskem como a causa das rachaduras em maio de 2019, a empresa informou que decidiu paralisar as atividades de extração da sal-gema e o funcionamento das fábricas em Alagoas. Desde então, mais de 14 mil imóveis tiveram que ser evacuados em cinco bairros da cidade: Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e parte do Farol.
“Tínhamos acabado de reformar o apartamento quando tivemos que sair. Eu lembro que todo mundo do prédio saiu e só ficou a gente, fomos os últimos a sair. Chegou ao ponto de desligar as luzes das áreas comuns do prédio. À noite ficava tudo escuro, uma coisa super esquisita, perigoso. Começou a ter muito saque, muita invasão. Muita gente indo lá para roubar o que as pessoas tinham deixado para trás. A gente saía na rua naquela época e via quatro, cinco, seis caminhões de mudança por dia. Isso é uma memória muito forte para mim”, lamenta.
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Um Programa de Compensação Financeira foi criado no final de 2019 pela Braskem para indenizar os proprietários dos imóveis que tiveram que ser desocupados, mas vários moradores discordam dos valores oferecidos e movem ação na justiça contra a mineradora. A Braskem firmou acordo, em janeiro de 2023, para ressarcir a Prefeitura de Maceió em R$ 1,7 bilhão em razão dos prejuízos causados à capital.
“Na verdade, não houve condensação. Nós assinamos um termo de compra e venda. A Braskem comprou os imóveis e os terrenos. Houve a indenização mínima, de R$ 40 mil. Eles compraram o bairro, hoje em dia, tudo é deles. Em relação ao meu imóvel, o valor que pagaram foi ‘ok’, mas para outros [moradores] eu sei que não foi, porque tinham casarões gigantescos e, até onde eu sei, foi pago muito menos do que valia. Também tinha muita gente que não tinha pra onde ir e precisava daquele dinheiro porque não podia pagar aluguel”, conta Antônio.
Alguns bairros não foram completamente esvaziados e ainda há moradores na região classificada apenas como "monitoramento".Quem está nesta área não tem obrigação de sair do seu imóvel, por isso não foi incluído pela Braskem no programa de indenizações. Nesses locais, os moradores reclamam de ilhamento social: com a desocupação das áreas vizinhas, eles perderam comércio, postos de saúde, escolas e outros equipamentos públicos.
“Sinto falta de algumas coisas do Pinheiro, que era um bairro muito único e tinha aspectos que eu não encontro em outros lugares. Era um bairro muito família. Todo mundo se conhecia. Às 17h, todo mundo ia comprar pão. Era pacato, tranquilo”, lembra.
Em nota, a Braskem afirmou que desde 2019 atua de forma a mitigar, reparar ou compensar os efeitos da subsidência do solo nos bairros afetados. Ainda segundo a empresa, 99,3% das propostas do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação foram aceitas e 98,9% das indenizações já foram pagas. A Braskem reforçou ainda que disponibiliza serviço de apoio psicológico à população afetada e destacou ações no campo sociourbanístico.
Leia a nota da Braskem na íntegra:
Posicionamento Braskem
Desde 2019 a Braskem atua em Maceió com foco na segurança das pessoas e no desenvolvimento de medidas para mitigar, reparar ou compensar os efeitos da subsidência do solo nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol, conforme acordado e homologado pelas autoridades.
Cerca de 40 mil moradores da área de desocupação definida pela Defesa Civil, em 2020, foram realocados de forma preventiva. O Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) chegou ao fim de janeiro com 19.189 propostas apresentadas aos moradores das áreas de desocupação, o que representa a totalidade dos pleitos recebidos até esse mês.
Do total de propostas apresentadas, 19.058 (99,3%) já foram aceitas. A diferença entre o número de propostas apresentadas e aceitas se deve ao tempo que as famílias têm para avaliar ou pedir reanálise dos valores. Também até janeiro, 18.977 indenizações foram pagas, ou 98,9% do total esperado.
A Braskem disponibiliza serviço de apoio psicológico gratuito tanto para as famílias, comerciantes e empresários que estão no PCF e para a comunidade dos Flexais. Feito por empresa especializada contratada pela Braskem, o atendimento é definido entre o morador e o psicólogo, e a quantidade de sessões e o período de acompanhamento variam conforme a necessidade. Pessoas com dificuldade de locomoção podem ser atendidas em domicílio.
Além da realocação preventiva e compensação financeira das famílias, os cinco acordos principais celebrados com autoridades federais, estaduais e municipal, e homologados pela Justiça, abrangem diversas medidas.
Na frente sociourbanística, entre outras ações, imóveis de valor histórico identificados pelo Município são monitorados e, sempre que necessário, passam por obras para manutenção estrutural com a devida preservação das características construtivas. Iniciativas de preservação da cultura e memória também estão em execução, a exemplo do apoio, por meio de bens e serviços, para a realização de eventos de grupos culturais que atuavam na área de desocupação e imediações.
A Braskem também está implementando o Plano de Ações Sociourbanísticas (PAS), um conjunto de 48 ações – acordadas com as autoridades e construídas após escutas da comunidade – que visam mitigar, reparar ou compensar os efeitos da desocupação. O orçamento custeado pela Braskem para o PAS é de R$ 198 milhões, atualizado anualmente. Parte das ações será implementada pela companhia e outra pelo Município de Maceió.
O PAS está organizado em quatro eixos de atuação: políticas sociais e redução de vulnerabilidades; atividade econômica, trabalho e renda; qualificação urbana e ambiental; e preservação da cultura e memória. As ações abrangem, principalmente, o entorno das áreas desocupadas e os bairros para onde as famílias se mudaram e incluem a construção e/ou reforma de escolas, mercados públicos, praças e unidades de saúde e assistência social, além de ações e programas nas áreas cultural, social, econômica e urbanística, e iniciativas que visam fortalecer o município na prestação de serviços públicos.
No eixo de mobilidade urbana, as obras estão em fase de execução, com investimento previsto de R$ 360 milhões – valor atualizado anualmente. O pacote reúne 11 ações consideradas prioritárias pelo Município e complementadas por estudos técnicos realizados por empresa especializada e custeados pela Braskem. Destas, cinco já foram concluídas. As medidas incluem a construção, ampliação ou recuperação de 33,4 quilômetros de vias; 11,5 Km de ciclovias; sistema de semaforização inteligente, videomonitoramento e requalificação de passeios públicos.
Na frente ambiental, está em execução o Aflora Mangue, projeto de recomposição da vegetação e monitoramento da fauna em área de manguezal, na região da lagoa Mundaú. Mais de 10 mil mudas de espécies nativas já foram plantadas em aproximadamente 4,5 hectares, sendo 3.525 mudas em 1,41 hectare na região do Bom Parto, e 6.800 mudas, em 3 hectares próximos ao Riacho do Silva, no Flexal. O projeto Aflora Mangue prevê a recomposição de uma área total de 47 hectares.
Já na frente de estabilização e monitoramento do solo, a Braskem instalou um conjunto de equipamentos dos mais modernos em atuação no Brasil, com parte deles doada para a Defesa Civil de Maceió. A extração de sal-gema foi totalmente encerrada em maio de 2019, e a Companhia vem adotando as medidas para o fechamento definitivo dos poços de sal, conforme plano apresentado às autoridades e aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os acordos incluem, ainda, ações diversas, como apoio a animais e zeladoria nos bairros.
Flexais
A Braskem também segue trabalhando na implementação das medidas socioeconômicas para os Flexais. Das 23 iniciativas definidas em acordo com as autoridades, 14 já foram implementadas – como os serviços de limpeza urbana e controle de pragas, rota de ônibus e transporte escolar exclusivos e gratuitos para os moradores. Outras estão avançadas, como as obras de construção da creche-escola e da Unidade Básica de Saúde que estão em fase de conclusão.
O projeto contempla ainda a construção de novo centro comercial, espaço para feira livre e Centro de Apoio a Pescadores. Tanto a execução quanto os prazos para a conclusão das obras são pactuados e acompanhados pelo Ministério Público Federal, Ministério Público de Alagoas, Defensoria Pública da União e Município de Maceió, signatários do acordo para a implementação de medidas nos Flexais.
O pagamento de indenizações por ilhamento social já foi feito para mais de 99% das famílias, moradores e comerciantes. Além disso, em novembro de 2022, a Braskem repassou R$ 64 milhões ao Município, para a adoção de medidas adicionais.
A companhia ressalta que a região dos Flexais é constantemente monitorada e, segundo estudos técnicos, não apresenta movimentação de solo associada à subsidência.