JUSTIÇA
STF arquiva inquéritos sem perícia em dados da Odebrecht
Em meio a uma onda de arquivamentos no STF (Supremo Tribunal Federal) nas últimas semanas, juízes da corte encerraram investigações derivadas da delação da Odebrecht antes de ser feita a perícia nos sistemas eletrônicos do "departamento de propinas" da empreiteira.
A justificativa dos ministros para contrariar os pedidos de prorrogação de prazo feitos pela PGR (Procuradoria-Geral da República) é que os parlamentares já suportaram por tempo demais (cerca de 15 meses) o ônus de estarem sob investigação sem que a PF tenha encontrado provas.
"A pendente perícia nos sistemas do Odebrecht teria o condão de reforçar ou não as informações já constantes dos autos, não de produzir prova nova", escreveu o ministro Gilmar Mendes, relator de um inquérito sobre o senador Jorge Viana (PT-AC) arquivado no último dia 29.
"Colhe-se do parecer da PGR se tratar de '5 terabytes de dados' [nos sistemas eletrônicos], dentre os quais pode haver 'planilhas, documentos, correio eletrônico e outros arquivos' que interessem à presente investigação. Por ora, há mera conjectura, desacompanhada de elementos outros que realcem a importância e/ou utilidade de tal análise técnica", considerou Dias Toffoli ao arquivar o caso do deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), ex-ministro das Cidades.
O assunto é controverso. O presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo, afirmou que um sistema como o MyWebDay, que registrava a contabilidade paralela da Odebrecht, tem um potencial de conteúdo probatório gigantesco.
"Se vai trazer as provas suficientes é uma outra discussão, mas, que você tem um conteúdo que pode ser explorado a fins de produzir prova, você tem. Vestígios você tem, e vestígios deveriam ser analisados", disse.
Os peritos só começaram a analisar o MyWebDay recentemente porque o Ministério Público Federal levou meses para compartilhá-lo, segundo a associação. Além disso, a empreiteira não deu a senha de acesso ao sistema, e os peritos precisaram encontrar um meio de extrair os dados.
Ao pedir a prorrogação do inquérito sobre Araújo, que foi negada por Toffoli no dia 29, a PGR argumentou que "somente há poucos dias a Polícia Federal foi autorizada a acessar o conteúdo [do MyWebDay], não havendo que se falar em exaurimento das diligências".
"Um documento ali pode ser a prova cabal ou pode ser um elemento que, junto com outros, pode ajudar a formação a convicção", disse Camargo.
O argumento dos ministros é justamente o de que não há outros elementos nos autos além dos depoimentos dos delatores e dos registros feitos pela própria Odebrecht em seus sistemas.
As decisões recentes indicam que essas provas entregues pela empreiteira poderão valer menos no STF do que se esperava no início, quando foi divulgado que elas existiam e o acordo ainda era chamado de "delação do fim do mundo".
Arquivar investigações sem o pedido expresso da PGR não é usual no Supremo. Gilmar e Toffoli citaram como precedente, em suas decisões sobre Jorge Viana e Bruno Araújo, um despacho de Luís Roberto Barroso, que em 6 de junho mandou arquivar um caso envolvendo o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).
A PGR havia pedido para a investigação sobre Ferraço baixar para a Justiça Eleitoral no Espírito Santo, aplicando a nova restrição do foro especial, mas Barroso entendeu que era injusto recomeçar a apuração em outra instância sem que houvesse provas, "o que obrigaria o investigado a suportar, indefinidamente, o ônus de figurar como objeto de investigação".