'Modos da política não são os das redes sociais': cada vez mais obstáculos ameaçam agenda de Trump

O presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu desde sua campanha a "fazer a América grande novamente", por meio de uma agenda que impulsionou desde o primeiro dia de governo.
Entretanto, o grande impulso de Trump ao retornar à Casa Branca, em grande parte apoiado por sua vitória eleitoral contundente sobre Kamala Harris nas eleições gerais de novembro, perdeu força com a saída de colaboradores de alto perfil e decisões do Poder Judiciário, colocando em dúvida o quão viável é que a promessa do magnata de revolucionar a administração pública se torne realidade.
Trump argumentou que seu primeiro governo (2017-2021) foi parcialmente descarrilado pelo surgimento da pandemia de COVID-19 e pelas várias investigações lançadas contra ele.
O mandatário prometeu levar adiante uma série de iniciativas e mudanças transformadoras, desde limitar dramaticamente a entrada de imigrantes indocumentados ilegais e relançar a economia dos EUA com base em um plano de reindustrialização e imposição de tarifas, até cortar a burocracia e os gastos estatais, além de anexar diferentes territórios estrangeiros (Canadá, Groenlândia e o Canal do Panamá) e resolver o conflito de Israel de maneira imediata.
Vários acontecimentos desta semana, como a saída do empresário Elon Musk, responsável pelo recém-criado Departamento de Eficiência Governamental, e as constantes idas e vindas judiciais sobre a legalidade da política tarifária, mostram um início caótico que coloca em risco a ambiciosa agenda de Trump para seu segundo mandato.
Em entrevista à Sputnik, o internacionalista da Universidade de Belgrano Samuel Losada avaliou que após quase seis meses de governo, está claro que o poder que Trump acreditava ilimitado não é absoluto:
"Uma lição que Trump deveria tirar dessas derrotas é que fazer as coisas rapidamente não significa fazê-las bem e que raramente se consegue atingir os objetivos se a única voz que se escuta é a própria. Isso quer dizer que sua agenda para o segundo mandato já está irreversivelmente terminada? Não, porque ele ainda nem completou seis meses de governo, mas é um sinal claro de que seu poder não é ilimitado como ele acredita", aponta ele.
'Os modos da política não são os das redes sociais'
Para o analista, a série de contratempos que a Casa Branca tem enfrentado nos últimos dias são consequência de vários fatores.
"Talvez o mais importante seja que Trump entrou para a presidência querendo exibir um domínio total de todas as áreas, alegando que havia obtido um mandato claro dos eleitores. Embora seja verdade que sua vitória foi irrefutável, os tempos e modos da política não são os das redes sociais, que premiam o choque e a viralidade", explica Losada.
O analista destaca que uma das características da presidência do republicano foi fazer "grandes anúncios e depois mandar seus colaboradores encontrarem maneiras de implementá-los".Losada aponta que, embora Trump tenha se beneficiado da fraqueza do Partido Democrata — que continua envolvido em disputas internas devido à última derrota eleitoral e o debate sobre o estado de saúde do ex-presidente Joe Biden — a fragilidade constitucional de muitas de suas iniciativas, assim como o impacto negativo na economia, com queda do Produto Interno Bruto de 0,2% no primeiro trimestre, fizeram surgir dois opositores de grande peso: o Poder Judiciário e Wall Street.O primeiro não tem cessado de derrubar muitas das ordens executivas de Trump, embora a Suprema Corte tenha validado em duas oportunidades seu plano de retirar a proteção de imigrantes latino-americanos. O segundo colocou o valor das ações das empresas dos EUA em mínimos, devido à preocupação com o impacto das tarifas.
Musk prometeu demais
No caso da saída de Musk, a figura mais reconhecida de sua administração devido ao seu alto perfil como celebridade e sua enorme fortuna, o internacionalista Matías Flaco, formado pela Universidade de Palermo, disse à Sputnik que se trata de uma "separação anunciada", já que o fundador da Tesla havia prometido grandes cortes, que tiveram resultados insatisfatórios.
A isso se soma o fato de que havia um conflito de interesses, já que ele era, ao mesmo tempo, contratante do Estado e responsável por decidir quais contratos deveriam ser mantidos e quais eliminados.
"Assim como Trump, Musk prometeu demais e depois percebeu que não só seus negócios estavam perdendo valor por seu envolvimento com o governo, mas que sua própria contribuição não estava fazendo muita diferença, já que não se pode agir com a mesma rapidez na administração pública que em uma empresa da qual você é o dono", comentou.
Segundo o especialista, O fato de Musk ter questionado abertamente a lei que Trump promove, conhecida como One Big Beautiful Bill, argumentando que ela representava mais dívida pública, deixa claro que o empresário não estava totalmente alinhado com a Casa Branca.
Para Losada, o risco dessa série de reveses que Trump tem enfrentado é que o presidente republicano radicalize sua postura, em vez de se sentar para negociar e repensar suas estratégias para evitar mais fracassos.
Por Sputinik Brasil