'Retorno ao neoliberalismo': Bolívia caminha para uma mudança na política econômica

Por Sputnik Brasil 20/08/2025 - 10:08
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'Retorno ao neoliberalismo': Bolívia caminha para uma mudança na política econômica

Com 95% dos votos apurados, as tendências observadas desde 17 de agosto se consolidam: Rodrigo Paz (32,1%) e Jorge Tuto Quiroga (26,8%) disputarão um segundo turno para a presidência da Bolívia, tendo derrubado o Movimento ao Socialismo (MAS) após duas décadas de governo.

Em uma campanha focada em deixar o "MASismo" para trás, as propostas foram escassas. Agora surge a pergunta: quais são os planos econômicos dos dois candidatos ainda na disputa?

Os governos do MAS começaram em 2006, com as três presidências de Evo Morales até 2019, quando foi deposto. Em 2020, Luis Arce assumiu a presidência e deixará o cargo em 8 de novembro. Esse período de quase 20 anos foi marcado por forte intervenção estatal na economia, especialmente no desenvolvimento produtivo e no impulso à industrialização.

Os discursos de campanha de candidatos de esquerda e direita compartilhavam um objetivo comum: tirar a Bolívia da crise, reduzindo os gastos públicos, ou seja, reduzindo a presença do Estado e seu alcance junto à população.

Mas a atual crise econômica decorre de uma política gerada pelas divisões internas do MAS, o grande perdedor em 17 de agosto. Após obter 55,1% dos votos em 2020, teve que se contentar com 3,16% neste ano, escapando por pouco da desclassificação devido à impopularidade.

Analistas econômicos consultados pela Sputnik compartilharam suas projeções para o futuro da política econômica da Bolívia com um governo liberal, independentemente da vitória dos dois candidatos em 19 de outubro.

Privatizações à vista?

A economista Roxana Azeñas comparou as propostas dos dois candidatos para tirar a Bolívia da crise causada pela falta de dólares e combustíveis. Em entrevista à Sputnik, ela considerou Quiroga "clara e abertamente neoliberal, por assim dizer. Por outro lado, Rodrigo Paz [do Partido Democrata Cristão, o PDC] é supostamente de centro-direita".

Em suas aparições públicas, Paz se pronunciou a favor do livre mercado: "Deixe o mercado alocar melhor os recursos na economia, então devemos a liberalizar e gerar livre concorrência. Isso nos leva a privatizações, embora Paz não diga isso em lugar nenhum, não é como se eu tivesse escutado dizer a palavra 'privatização'", considerou Azeñas.

Lendo a plataforma de governo de Paz, a economista enfatizou que o candidato do PDC "quer mudar a Lei de Hidrocarbonetos. Ele fala em incentivos ao investimento, tanto estrangeiro direto quanto privado nacional [...] e diz que vai estabilizar a economia, mas também não está claro como fará isso. Será adotando uma taxa de câmbio flexível? O regime cambial vai mudar ou será uma taxa de câmbio fixa?", questionou a economista, referindo-se à estabilidade do dólar.

O fantasma do déficit fiscal

Azeñas enfatizou que ambos os candidatos no segundo turno falaram em reduzir o déficit fiscal durante suas campanhas, definitivamente "é algo em que ambos concordam. Mas a crise econômica que vivemos não tem origem em um déficit fiscal".

Para a analista, os problemas econômicos que o governo Arce não conseguiu resolver levaram o país a este momento, ideal para o retorno da oposição tradicional ao poder.

Mas, segundo o governo Arce, a crise atual foi causada, em grande parte, pelo confronto com Evo Morales sobre a liderança do MAS, além do interesse do ex-presidente em concorrer a um quarto mandato, apesar da cassação imposta pela Justiça.

Essa disputa interna manteve a Assembleia Legislativa Plurinacional praticamente paralisada nos últimos dois anos, impedindo a aprovação de leis e empréstimos que teriam evitado o agravamento da crise boliviana.

Para a analista, por trás da postura econômica de Paz e Quiroga está um questionamento mais profundo do modelo social e econômico promovido pelos governos do MAS.

"Precisamos fazer uma análise mais aprofundada do que apenas dizer: 'Precisamos reduzir o déficit fiscal', porque essa não é a raiz da crise atual. Eles querem destruir o modelo atual, que se baseia no investimento público", afirmou.

Segundo Azeñas, o modelo econômico proposto pelos candidatos no segundo turno prevê focar nos mercados internacionais, e se questionou sobre os efeitos para o povo boliviano.

"Está provado que esse modelo não funciona. É um retorno ao neoliberalismo, [ou seja], crescer olhando para fora, negligenciando completamente as pessoas que dizem representar [...]. Eles estarão novamente concentrando riqueza em poucas mãos, porque setores estratégicos serão privatizados, ou capitalizados, ou modernizados, ou como quiserem chamar", afirmou a economista.

Azeñas mencionou o lítio e os hidrocarbonetos entre esses interesses. Mas "o povo não permitirá que o modelo extrativista se aprofunde, nem as empresas transnacionais saquearão os excedentes e os levarão para fora do país, onde não os reinvestirão".

Desvalorização latente

Atualmente, a cotação oficial do dólar está em torno de 6,96 bolivianos. Mas no mercado paralelo, essa moeda está sendo negociada a 14 unidades. Para o economista Martín Moreira, o novo governo que tomará posse em novembro desvalorizará o boliviano em 50%, trazendo-o de volta ao câmbio atual.

Ele alertou que isso aumentaria o preço da gasolina, o que levaria a preços mais altos do produto, encerrando 2026 com uma inflação de até 150%. Além disso, "os salários serão congelados, diminuindo a demanda e a inflação. Este é um dos ajustes que o Fundo Monetário Internacional [FMI] está solicitando", disse Moreira à Sputnik.

Quiroga, candidato da Aliança Livre, anunciou que solicitará um empréstimo de US$ 12 bilhões (cerca de R$ 65,8 bilhões) ao FMI para "reativar a economia".

Moreira enfatizou que ambos os candidatos fizeram promessas de campanha que podem não ser cumpridas.

"Há muitas propostas improvisadas. Eles dizem que aumentarão bônus, como o Renda Dignidade, destinado a idosos, para 2.000 bolivianos [R$ 1.014,23], também aumentarão o bônus para novas mães, assim como o bônus Juancito Pinto, destinado a crianças em idade escolar", entre outros subsídios para diferentes setores. Nesse sentido, o economista disse que "não há uma resposta concreta" sobre de onde virão esses recursos.

Por Sputinik Brasil


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