Conteúdo do impresso Edição 1263

33 ANOS DEPOIS

Assembleia tem um ano para reduzir vencimentos dos nomeados de 1991

Contratação de 1.180 pessoas e criação de novos cargos desrespeitaram preceitos constitucionais
Por VERA ALVES 27/04/2024 - 05:00

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Sede do Poder Legislativo
Sede do Poder Legislativo

A Assembleia Legislativa de Alagoas tem um ano para corrigir os vencimentos dos quase 1.200 servidores que nomeou ilegalmente há 33 anos e à revelia do que estabelecem a Constituição Federal de 1988 e a Constituição estadual de 1989. Todos foram nomeados funcionários do Legislativo para cargos criados também à revelia da lei e numa época em que a exigência de concurso público era uma imposição que não foi respeitada pela Mesa Diretora da época.

A decisão é do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) que levou três anos para concluir o julgamento de uma ação de inconstitucionalidade envolvendo dois atos da Assembleia – ambos de 1991 – e confirmar uma sentença de primeiro grau de 17 anos atrás em uma ação popular impetrada em 1997 por um grupo de 45 profissionais liberais entre advogados e engenheiros vinculados ao Conselho Regional de Engenharia (Crea-AL), Instituto de Arquitetos do Brasil, Sindicato dos Engenheiros de Alagoas e Clube de Engenharia de Alagoas e tendo à frente a Ordem dos Advogados do Brasil de Alagoas (OAB-AL), na época presidida pelo advogado Marcelo Teixeira.

Na ação popular que tramitou inicialmente na 15ª Vara Cível da Capital/Fazenda Estadual (0014645-07.1997.8.02.0001), as entidades questionavam a Resolução nº 346 de 30 de janeiro de 1991 pela qual o quantitativo de cargos permanentes do Legislativo simplesmente foi alterado de 1.693 – conforme publicação no Diário Oficial de 5 de dezembro de 1989 do Ato da Mesa 122/89 – para 3.099 mediante o acréscimo de 1.406 novos cargos.

Na mesma edição do dia 1 de fevereiro de 1991 do Diário Oficial que publicou a Resolução 346/91, a Assembleia publicou o Ato da Mesa nº 449/91 através do qual enquadrou nos novos cargos criados um total de 1.180 pessoas sem contudo identificá-las nominalmente, publicando apenas as respectivas matrículas.

Nem mesmo as repetidas cobranças da Justiça para identificação dos 1.180 novos servidores nomeados sem concurso público surtiram efeito. Ao longo dos anos, a ALE enviou uma lista de 892 nomes, que foram chamados através de edital de citação, sendo que somente 655 se manifestaram e constituíram representante.

Em abril de 2007, a ação popular que passara a tramitar na 17ª Vara – substituta da 26ª que havia substituído a 15ª – teve enfim prolatada a sentença determinando a anulação da resolução que criara os novos cargos e do ato de enquadramento dos novos servidores. Ocorre que tanto os autores da ação quanto os réus – Mesa Diretora da ALE e beneficiários do enquadramento – recorreram. Os primeiros por entenderem que houve omissão na responsabilização dos autores dos atos e no ressarcimento dos cofres públicos. Já os réus defendiam não ter havido qualquer ilegalidade nos atos.

Doze anos depois, o recurso de apelação foi julgado pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça que, seguindo o parecer do relator, o desembargador Domingos de Araújo Lima Neto, decidiu pela instauração do incidente de arguição de inconstitucionalidade. O processo (0500032-19.2020.8.02.0000) começou a ser julgado pelo Pleno do TJ em 2021, tendo sido concluído somente este ano, no último dia 9.

Por maioria e mais uma vez acatando o parecer do relator, Domingos Neto, o TJ decidiu pela inconstitucionalidade de ambos os atos de 33 anos atrás, mas, face ao longo período de tempo decorrido e por razões humanitárias, seguindo a jurisprudência de casos similares analisados pelas Cortes superiores, optou por não determinar a exoneração dos enquadrados de forma ilegal.

Ao invés disso, os atingidos pela decisão, em sua maioria aposentados e pensionistas, terão seus vencimentos reavaliados e reduzidos aos valores da época em que houve a nomeação, sem quaisquer benefícios de enquadramento, apenas correção monetária. A determinação deve ser cumprida pela Assembleia no período de um ano a partir da publicação da ata do julgamento do dia 9. Por ora, apenas a ementa foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico do dia 22.

Ao decidir pela inconstitucionalidade do Ato da Mesa nº 449/91, por violação ao art. 37, II da Constituição Federal de 1988 e art. 44, VII; art. 47, II, da Constituição do Estado de Alagoas, o TJ especificou que, “quando da revisão dos salários e benefícios, em análise aos cargos de ingresso, deve ser considerada a previsão da Lei Estadual n. 7.112/2009, principalmente com fulcro no art. 2.º e anexos, observando os seguintes parâmetros: a) cargo de ingresso de nível fundamental - a remuneração será correspondente ao cargo de Auxiliar Legislativo; b) cargo de ingresso de nível médio - remuneração de Assistente Legislativo; c) cargo de ingresso de nível superior - remuneração de Analista Legislativo; sendo considerado para todos os referidos cargos, os níveis e classes iniciais em seu menor valor, pois já contemplam as correções devidas pelo tempo ao funcionalismo, evitando, assim, a possibilidade de distorções e/ou erros graves em correções salariais, cujo cargo inicial remonta há mais de 40 (quarenta) anos. Salientando que, em todos os casos, não poderá incidir nenhuma progressão ou (re)enquadramento”.

De acordo com o relator, “é patente o vício de inconstitucionalidade formal, uma vez que não poderia a Assembleia Legislativa, por ato próprio, editar os referidos atos normativos sem a devida sanção do Chefe do Poder Executivo do Estado. O vício de inconstitucionalidade material, de igual modo, é evidente, tendo vista a necessidade de lei para criação de cargos, fixação de quantitativos e padrões remuneratórios, assim como a regra do concurso público disposta expressamente na Constituição do Estado de Alagoas, a saber:

Art. 44 São diretrizes específicas de observância obrigatória pela Administração Pública:

VII - imprescindibilidade de lei para criação de cargos, funções e empregos públicos nas administrações direta, autárquica e fundacional pública, bem como para a fixação dos respectivos quantitativos e padrões remuneratórios Art. 47. São princípios genéricos aplicáveis aos servidores das Administrações Direta, Autárquica e Fundacional Pública:

I - admissão, em cargos ou empregos permanentes, condicionada a prévia habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, respeitada a ordem final de classificação, fixada a validade das seleções em prazo correspondente a dois anos, e permitida a prorrogação, uma única vez, por igual período;

Ora, a Mesa da Assembleia Legislativa, na condição de órgão público, sem personalidade jurídica, vinculado ao Poder Legislativo do Estado do Estado de Alagoas, em nenhuma hipótese poderia ter editado os referidos atos normativos criando cargos e dando provimento aos mesmos, sem prévia edição de lei e sem realização de concurso público.

Ressalte-se que o princípio do ingresso na administração pública por intermédio de concurso público trata-se de premissa também estabelecida na Constituição Federal de 1988, a saber:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Desta feita, comungo com o entendimento apresentado na sentença pelo magistrado de primeiro grau, uma vez que os atos normativos padecem do vício da inconstitucionalidade, por colidirem frontalmente com diversos artigos da Constituição do Estado de Alagoas”.

OUTRO LADO

Procurada pelo EXTRA para se posicionar sobre a decisão do TJ, a Assembleia quedou inerte, assim como não esclareceu sobre o quantitativo de aposentados do Legislativo, cuja listagem é de responsabilidade do próprio poder.

De acordo com o Portal da Transparência Graciliano Ramos, vinculado ao Executivo, em janeiro, fevereiro e março últimos a ALE recebeu do governo do Estado, a cada mês, R$ 209.312,79 para pagamento das aposentadorias e R$ 96.718,54 para pagamento de pensões.

Não há qualquer informação no portal da transparência da própria Assembleia sobre quantos e quem são os inativos, menos ainda quanto recebem.


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