Conteúdo do impresso Edição 1263

CPI DA BRASKEM

Indícios de superfaturamento e conivência de consultores são destaques da semana

Valor investido no Hospital do Coração é colocado em xeque por senadores
Por JOSÉ FERNANDO MARTINS 27/04/2024 - 05:00

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GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO
Marcelo Assumpção fala de estudo contratado para defender a Braskem
Marcelo Assumpção fala de estudo contratado para defender a Braskem

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem, que investiga os impactos ambientais e sociais da mineração em Maceió, ouviu na terça-feira, 23, o procurador-geral do Município, João Luís Lobo Silva. Na quarta-feira, 24, foi a vez do engenheiro de Controle e Automação Vitor José Campos Bourbon, ex-funcionário da empresa Flodim, o engenheiro Roberto Fernando dos Santos Faria, sócio da empresa Concrete, e o professor da Universidade de São Paulo Marcelo Sousa de Assumpção.

Na terça, o relator da CPI, senador Rogério Carvalho, solicitou ao procurador-geral de Maceió, João Luís Lobo Silva, o envio à comissão dos cálculos das perdas de arrecadação pelo município, bem como as justificativas referentes a essa diminuição de recursos após a tragédia socioambiental na cidade. Segundo o procurador, o prejuízo da Prefeitura de Maceió girou em torno de R$ 1,4 bilhão ao longo de dois anos.

Rogério Carvalho ressaltou as perdas na infraestrutura da cidade, incluindo escolas, unidades de saúde, parques, praças, campo de futebol e um cemitério. Ele destacou que uma das maiores dificuldades enfrentadas pela população é a falta de um local adequado para sepultamento de seus entes queridos. Durante o depoimento, o procurador João Lobo mencionou limitações funcionais para detalhar as ações e pediu mais prazo para fornecer as informações solicitadas pela comissão. Ele afirmou que parte do dinheiro pactuado com a Braskem ainda não foi recebido integralmente pela prefeitura, mas ressaltou que há planos para a aplicação dos recursos em áreas como saúde, educação, assistência social e amparo aos moradores.

“Apesar de o cemitério ter sido indenizado, temos o problema de um caos na área funerária, onde pessoas estão levando até três dias para enterrarem seus mortos. O cemitério Santo Antônio, no bairro de Bebedouro, foi fechado em 2020 devido ao afundamento do solo e reaberto em 2021 apenas para visitação. Há notícias de que a ausência de seu serviço agravou o colapso funerário na capital alagoana, que sofre com a falta de vagas para sepultamento. Há, inclusive, relatos de cidadãos de que as pessoas levam três dias para serem sepultadas atualmente. As obras para a construção do novo cemitério já foram iniciadas? Há um plano para remanejamento dos túmulos?, perguntou o relator.

Além disso, houve críticas por parte dos senadores em relação aos gastos do Município, especialmente a aquisição de um hospital por um valor considerado alto, no caso, o Hospital do Coração, agora chamado de Hospital da Cidade. O senador Otto Alencar (PSD-BA) considerou os valores absurdos e questionou a falta de consulta à comunidade afetada antes da compra da unidade hospitalar. Ele ressaltou sua experiência enquanto médico e ex-secretário de saúde ao considerar superestimado o custo informado. “Temos um hospital de alta complexidade na Bahia cuja estrutura custou R$ 60 milhões e tem quase 200 leitos. Com os equipamentos, chega a R$ 120 milhões. Para esse [de Maceió] estar custando R$ 266 milhões, a distância é muito grande”, avaliou. Alencar também considerou inadmissível a prefeitura ter adquirido um hospital com recursos da indenização da Braskem sem que a comunidade tenha sido consultada, “até porque a prioridade da aplicação dos valores seria resolver os problemas dos desabrigados em virtude do afundamento do solo na região”.

O valor pago pelo Hospital da Cidade também foi questionado pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “Está de brincadeira, comprar um hospital por R$ 260 milhões, com cento e poucos leitos. Quero dizer que atenção básica é a responsabilidade do município; [atendimento de] média e alta complexidade não é função da prefeitura e comprar um hospital de alta complexidade tem custo anual altíssimo. Além disso, um hospital não custa R$ 260 milhões em nenhum lugar, muito menos em Maceió. Em quatro anos, eu construí o maior hospital do Norte-Nordeste, e sei valores de cabeça. Aliás, nós vamos fazer uma visita e vamos conhecer, porque é muito dinheiro para um hospital de pouco mais de cem leitos”.

Segundo João Lobo, o hospital teria sido adquirido da iniciativa privada e a gestão estaria sob responsabilidade da prefeitura há cerca de três meses. Ele alegou que um processo de investigação de superfaturamento aberto pelo Ministério Público foi arquivado e que a íntegra da documentação está disponível na página da Prefeitura de Maceió na internet.

A CPI também aprovou na terça-feira o nome do senador Dr. Hiran (PP-RR) como novo vice-presidente, em substituição ao senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que precisou renunciar à função por assumir a presidência de outra CPI. 

Consultorias sob suspeita

Na quarta-feira, senadores acusaram empresas de engenharia contratadas pela petroquímica de também terem responsabilidade pelos danos ambientais e sociais causados em Maceió pela extração mineral. A CPI ouviu como testemunhas os responsáveis por estudos utilizados pela Braskem durante a lavra de sal-gema e para se defender das incriminações de ter causado afundamentos do solo na capital alagoana.

Para o senador Omar Aziz, a confissão de culpa da Braskem nos danos em Maceió também deve atingir as empresas que fizeram os estudos utilizados pela petroquímica. “Se a empresa [Braskem] diz que é culpada, vocês têm corresponsabilidade. Ou a gente toma decisões para acabar com essa molecagem que é dar laudo para obter lavra e depois ter acidentes ambientais, ou esta CPI não vai servir para nada”, disse. A declaração de Omar Aziz foi feita em reação às palavras do engenheiro de Controle e Automação Vitor José Campos Bourbon, ex-funcionário da empresa Flodim. 

Bourbon reconheceu sua responsabilidade técnica pelas operações de sondagens de minas contratadas pela Braskem em 2013, antes dos casos mais sérios de afundamento e rachaduras em 2018 no bairro de Pinheiro. Mas o engenheiro negou ser o responsável pelo laudo contratado, pelo seu uso pela Braskem ou pelos afundamentos.

“O objeto final seria a gente fazer um sonar básico e fazer uma modelagem 3D, [com o] objetivo de você entender como é que está a progressão da lavra do minério (...). A minha responsabilidade técnica era para fazer a empresa [Flodim] funcionar. Não diria nada em relação ao laudo. O laudo era emitido para a empresa [Flodim] na França e outra pessoa também no Brasil, a representante legal no Brasil, que realizou esse laudo. Esses dados são entregues à Braskem, e a Braskem faz bom uso ou mau uso”, disse Bourbon.

Segundo o relator, a Flodim foi contratada para aferir a estabilidade das cavidades de mineração. A exploração do mineral sal-gema resulta em cavidades no subsolo. No entanto, as rochas acima das minas caem nas cavidades, ocupando o fundo e aumentando o vazio no topo da mina, fazendo a cavidade “subir”. Em Maceió, a Braskem é responsável por mais de 30 minas e tinha obrigação de monitorar sua progressão. 

O engenheiro Roberto Fernando dos Santos Faria, sócio da empresa Concrete, confirmou que em 2018 apresentou laudo que apontou a inexistência de problemas estruturais nas casas avaliadas e que atribuiu eventuais rachaduras à falta de zelo dos moradores. ‘’A minha opinião foi essa, sim, porque eu não tive acesso aos interiores das unidades, que não era permitido. Eu estava fazendo uma inspeção superficial, porque esse relatório era exatamente um pontapé inicial para o que aconteceu em seguida.”

Segundo o engenheiro, uma junta técnica composta pelas defesas civis local e nacional, além da própria Braskem, foi instalada posteriormente para identificar os imóveis em risco e realizar estudos mais aprofundados. Os senadores ouviram, também, Marcelo Sousa de Assumpção, professor da USP e autor de um estudo que questionou os parâmetros adotados pela CPRM ao apontar, nos anos 80, a instabilidade do terreno na região das minas de sal-gema da Braskem em Maceió.

De acordo com o pesquisador, o objetivo da Braskem era identificar fragilidades no estudo feito pela empresa estatal Serviço Geológico do Brasil (SGB) em 2019 que concluiu pela responsabilidade da petroquímica. 

Tanto Bourbon quanto Assumpção afirmaram que o uso de dados fornecidos pela empresa contratante é comum nos estudos.


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