Conteúdo do impresso Edição 1262

DISPUTA

Esgoto do Salgadinho vai parar na Justiça

Governo e Prefeitura brigam pelo destino da maior fonte de poluição
Por ODILON RIOS 20/04/2024 - 05:00

ACESSIBILIDADE

prefeitura de Maceió
Salgadinho, riacho símbolo da poluição em Maceió, vira pauta na política alagoana
Salgadinho, riacho símbolo da poluição em Maceió, vira pauta na política alagoana

O Governo e a Prefeitura de Maceió buscam um consenso para a execução da maior obra de saneamento básico da capital: o Renasce Salgadinho, que promete diminuir – mas não zerar – a poluição no riacho Salgadinho, o maior esgoto a céu aberto jogado sem tratamento na praia da Avenida, chegando também aos municípios do litoral sul.

Existe um pano de fundo: as eleições. O governador Paulo Dantas (MDB) e o prefeito JHC (PL) são de grupos rivais. Jota disputa a reeleição este ano e projeta uma guinada num futuro próximo, em 2026: concorrer e vencer o Governo, situação que o calheirismo nem vai querer e promete combater até o fim.

As obras do Renasce Salgadinho foram parar na Justiça Federal porque, para serem concluídas, o projeto precisa ser conectado ao emissário submarino, administrado pela BRK, empresa que comprou os serviços de água e esgoto da região metropolitana pelos próximos 35 anos.

Por que o emissário? Porque o esgoto, após tratamento, é lançado no mar. O que mais preocupa? Existe um limite de vazão operado pelo emissário. Se for ultrapassado, a estrutura erguida sobre as águas na praia do Sobral pode ser danificada.

Daí vêm as questões burocráticas: o Instituto do Meio Ambiente (IMA) exige licenciamento; a Prefeitura, por sua vez, corre contra o relógio.

Em 13 de março, os lados sentaram-se na mesma mesa em reunião no Ministério Público Federal, chamado para buscar uma conciliação. A procuradora da República Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara pediu que os lados fizessem concessões em busca de um acordo. A Prefeitura disse que enviaria o processo de licenciamento ambiental, vazão e os parâmetros físico-químicos dos efluentes; o IMA prometeu avaliar rapidamente os impactos do Renasce Salgadinho no emissário.

Nova reunião, desta vez na 4ª Vara da Justiça Federal, onde tramita a ação civil pública, em 1º de abril. O IMA alegou que os documentos apresentados pela Prefeitura eram insuficientes. Novos encontros estão sendo agendados. E a questão do momento é: a vazão.

Em documento de 22 de março, o gerente de licenciamento do IMA, Rodrigo Henrique Nascimento Lopes Paiva, pede a repactuação do contrato, porque a vazão aumenta em 50% a capacidade do emissário submarino. Anota o gerente em seu parecer, enviado à Procuradoria Geral do Estado e obtido pelo EXTRA: “Essa contribuição adicional acarretará em uma modificação na composição dos efluentes, e em uma necessidade de readequações, levando em consideração incrementos no tratamento que hoje é realizado, bem como na sua disposição final, onde impactará diretamente o leito oceânico”.

Projeto

O Renasce Salgadinho prevê gastar R$ 76,4 milhões para diminuir os níveis de poluição do maior rio de esgoto em direção às praias da cidade.

A proposta é instalar jardins flutuantes nos riachos Pau D’Arco e Reginaldo, que correm para o Salgadinho; além disso, usar o emissário submarino para tratar o esgoto e jogá-lo em alto mar. A gravidade impede que as águas retornem para a praia da Avenida.

Inclui também a criação de travessias, zonas de convívio, calçadas requalificadas e acessíveis, além de pavimentação asfáltica da avenida Humberto Mendes, recuperando as margens do rio que está “engolindo” a pista. Obras que contemplarão também a requalificação ambiental dos riachos do Reginaldo, Pau d’Arco, do Sapo, Gulandi e Águas Férreas.

O método funciona no verão; no inverno, como as moradias continuarão a despejar esgoto ao longo do canal, além de lixo, as águas de uma chuva mais forte arrastarão tudo novamente para o mar.

A proposta não inclui um programa de educação ambiental aos moradores que têm casas às margens do riacho; tratamento de esgoto, lixo ou restos de construção jogados no canal; programa habitacional transformando casebres improvisados à beira do Reginaldo em lugares dignos para seres humanos.

A proposta é a volta ao passado, quando a Avenida da Paz era o endereço mais valorizado da capital. Morar, aliás, em frente à praia da Avenida era privilégio dos ricos do passado: o primeiro prédio para moradores construído em Maceió, o São Carlos, abrigava as maiores fortunas de Alagoas.

Salvador Lyra, pai do usineiro João Lyra, tinha sua mansão próxima ao riacho Salgadinho numa época em que se podia tomar banho e pescar nele; do outro lado do riacho, o hotel Atlântico, da família Miranda, cuja suspeita nos tempos da ditadura militar era que ele tinha comunicação com navios ou submarinos soviéticos. O poeta Jorge de Lima morava bem perto da ponte dos Fonseca, por onde passava o Salgadinho, antes de seu curso ser alterado e num tempo em que a praça Sinimbú se chamava Euclydes Malta, que esteve à frente do Governo alagoano por mais de uma década, no início do século passado.


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