Conteúdo do impresso Edição 1266

CPI DA BRASKEM

Braskem sabia dos riscos da exploração

O relatório apontou quatro principais omissões dos órgãos reguladores da União no controle da lavra de sal-gema em Maceió
Por TAMARA ALBUQUERQUE 18/05/2024 - 05:00
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REPRODUÇÃO
Em 2014 imóveis já apresentavam rachaduras
Em 2014 imóveis já apresentavam rachaduras

O relatório, com 1.329 páginas e dividido por blocos, descreve o crime ambiental praticado em Maceió. Informa que o afundamento do solo ou subsidência atingiu 3,6 Km² de área, obrigando 60 mil pessoas à desocupação compulsória de suas residências.

“Concluímos que a Braskem sabia da possibilidade de subsidência [afundamento] do solo e mesmo assim decidiu deliberadamente assumir o risco de explorar as cavernas além da capacidade segura de produção, o que chamamos de lavra ambiciosa”, afirmou o relator.

Segundo o senador, as jazidas poderiam ter sido exploradas sem risco.

“Além disso, para que pudesse manter a continuidade, [a Braskem] inseriu informação falsa em documentos públicos e omitiu dados essenciais em relatórios técnicos, deixou de informar autoridade e de adotar medidas de segurança que poderiam ter evitado o afundamento do solo”, disse. Atualmente, a Polícia Federal ainda conduz o inquérito da Operação Lágrimas de Sal para apurar os crimes envolvidos na tragédia.

Na apresentação, o senador afirmou que, desde os anos de 1970, os poços foram perfurados sem observação das normas de segurança relativas ao diâmetro e à altura das crateras e sem que as cavernas desativadas tivessem sido corretamente preenchidas ou pressurizadas. Disse ainda que, além da lavra ambiciosa, não houve monitoramento e fiscalização das minas, senão de forma muito esporádica, feitos pela própria empresa, sem efetivo controle externo e sem compromisso com a segurança da população e com a preservação do meio ambiente.

OMISSÃO DO ESTADO

O estudo realizado, segundo Rogério Carvalho, mostrou que há elementos materiais para imputar à Braskem, a seus dirigentes e seus representantes técnicos a responsabilidade civil e penal por dolo eventual pelo crime ambiental que ainda se desenrola em Maceió. No entanto, a CPI também concluiu que a conduta da empresa foi possível pela ausência deliberada do Estado.

“Durante as investigações percebemos que as várias violações observadas só puderam ocorrer porque os órgãos regulatórios se omitiram em seu dever de fiscalização; concederam e renovaram licenças a partir de relatórios fornecidos ou encomendados pela própria empresa, sem qualquer verificação; ignoraram alertas de especialistas e denúncias da população; fecharam os olhos às evidências de halocinese já presentes nos parcos e assistemáticos levantamentos de sonar; negligenciaram dados que já apontavam, pelo menos desde o início dos anos 2000, a subsidência do solo”, afirmou o senador.

O relatório também traz três projetos de lei (PL) e um projeto de lei complementar para reforçar o poder estatal de regulação na atividade de mineração. Um deles cria uma taxa para direcionar um percentual das receitas sobre lavra mineral aos órgãos de fiscalização da atividade. Outra proposta atribui a competência de dar licença ambiental para atividades minerárias de alto risco ambiental à União. O órgão responsável no caso da Braskem, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas, foi acusado de negligência por Rogério Carvalho.

CONIVÊNCIA DO IMA

O senador enfatiza que o relatório de impacto ambiental foi entregue ao órgão antecessor do instituto (IMA) em 1986, contudo, de acordo com os documentos do IMA encaminhados à CPI, somente em 2005, após 19 anos da elaboração do relatório, identifica-se o primeiro registro de um processo de licenciamento ambiental referente ao empreendimento da extração de sal-gema em Maceió.

“Portanto, existe um lapso de 19 anos sem qualquer registro do controle ambiental que o IMA deveria realizar sobre a exploração mineral de sal-gema na cidade alagoana. Isso, por si só, dá a dimensão da negligência do órgão ambiental quanto à coisa pública que tutela: a qualidade do ambiente alagoano”.

O senador disse que os registros formais mostram um órgão ambiental estadual absolutamente passivo e leniente com a Braskem. As informações encaminhadas pela empresa ao instituto foram tidas pelo órgão como verdadeiras e suficientes ao longo de todo o processo administrativo que, supostamente, deveria servir para garantir que a mineração fosse feita de forma responsável e com incolumidade pública e ambiental.

“Não há documentação sobre qualquer análise crítica a respeito dos dados recebidos, tampouco registros de vistorias, fiscalizações ou qualquer atitude proativa do licenciador perante a atividade licenciada. Os documentos analisados por esta CPI mostram que a realidade era a de um órgão ambiental que entregava a sua obrigação pública de regular para o próprio regulado, que, por sua vez, se autolicenciava”.

O senador também propõe um novo crime específico para empresa de consultoria que produzir laudos enganosos e sugere a articulação obrigatória entre as agências reguladoras e os órgãos de defesa do meio ambiente.

O relatório aponta que há no país uma regularidade subjacente aos desastres causados pela mineração, a fragilidade do modelo regulatório brasileiro. Segundo o relator, as agências reguladoras vêm delegando às próprias mineradoras o monitoramento e a fiscalização da atividade minerária.

“Chancelam-se a investigação independente, estudos e relatórios produzidos pelas próprias empresas ou por elas encomendadas; não vistoriam as minas, nem auditam os dados informados adequadamente; não atuam preventivamente, fazendo cumprir valer as normas”. A ausência de fiscalização ativa e efetiva e de punição, segundo Carvalho, permite afirmar que a atividade minerária no Brasil está subordinada, para todos os efeitos, não à regulação de direito constante das normas, mas a uma autorregulação de fato a cargo das próprias mineradoras sobre a insuficiência proposital e a incompetência conveniente e a negligência criminosa das agências reguladoras e demais órgãos de fiscalização, reduzidos a meros cartórios de registros de licenciamento”.

O relatório apontou quatro principais omissões dos órgãos reguladores da União no controle da lavra de sal-gema em Maceió:

1. não foram realizados estudos ou procedimentos para validar os laudos apresentados pela Braskem e suas antecessoras;

2. não foram exigidos métodos alternativos mais eficazes para monitoramento de subsidência;

3. não foi exigido o fechamento das minas inativas exauridas; e

4. não foi coibida a lavra ambiciosa de sal-gema em Maceió pelos órgãos de controle federal.

No que diz respeito à atuação da Prefeitura de Maceió também se verifica omissão, conclui a CPI.

O relatório mostra que, desde os anos de 1970, o município já contava com legislação segundo a qual deveria haver reconhecimento da necessidade de isolamento de unidades industriais que ofereçam risco de explosões, incêndios e emanações de gases tóxicos e autorização para que uma unidade dessa natureza seja localizada em região que era, já então, densamente povoada. Todavia, a prefeitura buscou eximir-se de suas obrigações, afirmando que a fiscalização caberia apenas à Agência Nacional de Mineração (ANM).


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