Conteúdo do impresso Edição 1266

FALIDO GRUPO JL

Desembargadores ‘pulam fora’ de processo e caso deve ir para o STF

Massa Falida da Laginha coleciona mais de 100 ações e recursos em segunda instância
Por JOSÉ FERNANDO MARTINS 18/05/2024 - 05:00

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CAIO LOUREIRO/TJAL
Carlos Cavalcanti relata suspeição de 13 dos 17 desembargadores do TJAL para julgar recursos envolvendo a Massa Falida
Carlos Cavalcanti relata suspeição de 13 dos 17 desembargadores do TJAL para julgar recursos envolvendo a Massa Falida

Procura-se um desembargador para julgar processos da Massa Falida da Laginha. O que parece uma piada, não é. Nesta semana, uma decisão do desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, relator de um recurso do processo falimentar na 2ª Câmara Cível, ganhou as manchetes de portais locais e nacionais após 11 desembargadores de Alagoas se declararem suspeitos de julgar ações processuais que envolvem o império caído do usineiro já falecido e ex-deputado federal João Lyra.

Além dos 11 que se averbaram suspeitos, outros dois desembargadores também estão impedidos de analisar o caso: Fábio Ferrario, por ter atuado no processo ainda quando era advogado, e Klever Loureiro, que entrou com queixa-crime contra 28 advogados que atuam na defesa de credores da falência. Com a anuência dos desembargadores, restou ao relator jogar o caso nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Vale destacar que a suspeição é quando o magistrado fica impossibilitado de exercer sua função em determinado processo, devido a vínculo subjetivo (relacionamento) com algumas das partes, fato que compromete seu dever de imparcialidade.

Mas o que muitos portais não destacaram é que a suspeição em massa ocorreu em duas ações muito específicas do Caso Laginha, o que pode impactar uma centena de outras. Uma delas trata-se do processo 0806200-90.2022.8.02.0000, que envolve o ex-prefeito de Coruripe e ex-deputado federal Joaquim Beltrão, ex-integrante do Comitê de Credores da Massa Falida dentro do processo falimentar, acusado de invadir terras e subtrair (para não citar outro verbo) cana-de-açúcar da Usina Guaxuma.

Em 2022, Joaquim Beltrão entrou com Agravo de Instrumento, com pedido liminar, contra a sentença do Juízo de Direito da 1ª Vara de Coruripe que o destituiu da qualidade de membro em representação da classe de credores. À época, o EXTRA manchetou o caso com exclusividade. A juíza Emanuela Bianca de Oliveira Porangaba acatou o pedido da administração judicial do processo falimentar. O motivo seria a participação de Beltrão em ocupação ilegal das terras da Usina Guaxuma, pertencente à Massa Falida e localizada em Coruripe.

Tanto é que foi necessária uma ação de reintegração de posse para a evacuação dos invasores. Segundo os autos do processo, o ex-prefeito teria agido como esbulhador das terras antes pertencentes ao conglomerado Grupo JL. Antes da suspeição em massa, o agravo de Beltrão foi pauta da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça no dia 26 de abril, mas na ocasião, após a sustentação oral de advogados, o relator suspendeu o julgamento “para melhor análise dos fatos apresentados”.

Efeito dominó

Na decisão do relator foi traçado um breve histórico. O processo falimentar estava sob a relatoria da desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento. Após a declaração de suspeição da desembargadora, os casos foram redistribuídos ao então juiz convocado Hélio Pinheiro Pinto, que também declarou sua suspeição. Em decorrência disso, os autos foram encaminhados à relatoria do desembargador Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, devido à prevenção da 2ª Câmara Cível.

Além disso, a situação foi agravada pela ascensão do ex-procurador geral de Justiça Márcio Roberto Tenório ao cargo de desembargador, em virtude da regra do quinto constitucional, após a aposentadoria de José Carlos Malta Marques. 

O relator verificou o impedimento do novo desembargador, pois Tenório havia atuado em feitos relacionados ao processo falimentar. Importante ressaltar que, recentemente, foi divulgado que o desembargador Klever Rêgo Loureiro teria movido queixa-crime contra 28 advogados que atuam no processo falimentar da Laginha. 

Após um levantamento realizado pelo relator, foi constatado que pelo menos 13 dos atuais 17 desembargadores do Tribunal de Justiça declararam impedimento ou suspeição, o que justificaria o encaminhamento dos autos relativos ao referido processo falimentar ao STF.

“É relevante mencionar que, atualmente, esta Corte é composta por 17 desembargadores, uma vez que o desembargador Washington Luiz Damasceno Freitas foi aposentado compulsoriamente por decisão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ”, destacou o relator.

Os desembargadores que declararam suspeição ou estão impedidos de atuar nos recursos relativos à falência da Laginha são: Alcides Gusmão da Silva, Celyrio Adamastor Tenório Accioly, Domingos de Araújo Lima Neto, Elisabeth Carvalho Nascimento, Fábio Costa de Almeida Ferrário, Fábio José Bittencourt Araújo, Fernando Tourinho de Omena Souza, João Luiz de Azevedo Lessa, Klever Rêgo Loureiro, Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, Otávio Leão Praxedes, Paulo Barros da Silva Lima e Tutmés Airan de Albuquerque Melo.

Em alguns casos, a suspeição nem chega a ser justificada nos autos públicos do processo. No caso do desembargador Alcides Gusmão da Silva, por exemplo, na apelação civil de número 0700084-04.2015.8.02.0001 por ato lesivo ao patrimônio artístico, estético, histórico ou turístico, a única justificativa da suspeição é: “Averbo-me suspeito, nos termos do artigo 145 §1º do CPC. Promova-se a redistribuição”. CPC é o Código de Processo Civil e o artigo citado descreve que “poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões”.

Justificativa parecida com a de Celyrio Adamastor no mandado de segurança de número 0806714-82.2018.8.02.0000, que tinha como propósito a revogação de atos praticados em prejuízo de credores e da massa: “Com fundamento no art. 145, § 1º, do Código de Processo Civil, manifesto minha suspeição para funcionar no presente feito, por motivo de foro íntimo”. O mesmo ocorre com outros desembargadores, como Domingos de Araújo Lima Neto no mandado de segurança 0801098-92.2019.8.02.0000.

Na apelação cível 0025309-82.2006.8.02.0001, Elisabeth Carvalho Nascimento se estendeu um pouco mais na justificativa da suspeição: “Declaro-me suspeita em razão de foro íntimo, com fulcro no art. 145, § 1º, do Código de Processo Civil, por motivo superveniente ao início da relatoria dos feitos processuais relacionados à ação falimentar de Laginha Agro Industrial S/A nº (Processo nº 0000707-30.2008.8.02.0042), recebidos após a permuta desta magistrada para a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça”.

Fábio Ferrário se justifica por ter atuado no processo ainda quando era advogado. Fábio Bittencourt se declarou suspeito na ação 0700084-04.2015.8.02.0001, que envolvia, além da Laginha, o ex-governador Teotonio Vilela Filho e diversas usinas de Alagoas. O motivo: foro íntimo. Otávio Leão Praxedes também averbou suspeição no mesmo processo. O presidente do TJ, Fernando Tourinho, se declarou suspeito no agravo de instrumento 0803060-92.2015.8.02.0000, ingressado pela Lug Táxi Aéreo.

“Trata-se de agravo de instrumento com pedido liminar de efeito suspensivo promovido por LUG Táxi Aéreo Ltda em desfavor de Decisão exarada nos autos do processo nº 0700166-43.2014.8.02.0042, ação cautelar inominada proposta pela Massa Falida da Laginha Agro Industrial S.A. Acontece que, por motivo de foro íntimo, tenho por bem reconhecer a minha suspeição para atuação no feito”, declarou à época. Já João Luiz de Azevedo Lessa, conforme o relator, teve declarada a suspeição em casos de sorteio para julgamentos da Massa Falida da Laginha sem razões apontadas. Também há o caso de Klever Loureiro, que entrou com queixa-crime contra 28 advogados que atuam na defesa de credores da falência, caso também noticiado com exclusividade pelo EXTRA.

O ex-PJ Márcio Roberto Tenório, por ter atuado em ações contra a Massa Falida da Laginha no Ministério Público, também foi incluído na suspeição. E os desembargadores Paulo Barros da Silva Lima e Tutmés Airan declararam suspeitos em agravos de instrumento. A maior parte das suspeições são em processos já arquivados.

Thereza Collor

A suspeição também passou a valer no processo que envolve Thereza Collor, filha do usineiro. A decisão do relator é a mesma, mas em processo por motivo diferente. Trata-se de Agravo de Instrumento de nº 0802698-12.2023.8.02.0000, que tem como parte recorrente Thereza Collor, Guilherme José Pereira de Lyra, Antônio José Pereira de Lyra, Ricardo José Pereira de Lyra, e como parte recorrida a Massa Falida e a administração judicial realizada pelo escritório Telino & Barros Advogados Associados.

Como já foi noticiado pela imprensa, os cinco filhos de Lyra e a viúva do patriarca, Solange Pessoa de Queiroz Ramiro Costa, brigam pela destituição da inventariante, a também herdeira direta Maria de Lourdes (Lourdinha Lyra) e do administrador judicial do processo de falência. Thereza Collor tem alegado que o administrador judicial, no caso Ígor Telino, tem promovido acordos desvantajosos para os credores, com “valores altos, objeto questionável e supressão de concorrência”.

Processos

No sistema judicial, o responsável por emitir a primeira decisão sobre a pena a ser aplicada é o juiz de 1º grau. Somente se a defesa ou a acusação discordarem dessa decisão é que poderão recorrer aos desembargadores do 2º grau de jurisdição. Ao buscar processos no Tribunal de Justiça de Alagoas, foram encontrados 101 processos de 2º grau relacionados à Laginha. O mais recente, datado de abril deste ano, refere-se a uma ação de cobrança de honorários advocatícios proposta por Valdete Aparecida Stresser em face da Massa Falida.

TJAL

O EXTRA procurou a assessoria de comunicação do TJAL para questionar se a presidência da Corte iria debater no Pleno a suspeição em massa no processo falimentar da Laginha. No entanto, até o fechamento desta edição, o semanário não obteve resposta por parte da assessoria de comunicação.

A Laginha Agro Industrial era a holding do conglomerado de usinas e outras empresas de propriedade do empresário e político João Lyra, que chegou a ser conhecido como o deputado federal mais abastado do país, e que faleceu aos 90 anos devido à covid-19 em 2021. Hoje o grupo possui uma dívida de aproximadamente R$ 1,8 bilhão distribuída entre 7.400 credores após ter quitado a quase totalidade dos débitos com trabalhadores.


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