Conteúdo do impresso Edição 1275

QUINQUÊNIO

TJ burla legislação e paga penduricalho a todos seus magistrados

Corte usa lei de servidor público civil do Estado e se antecipa a PEC que está em análise no Senado
Por JOSÉ FERNANDO MARTINS 20/07/2024 - 06:00

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Assessoria
Tribunal de Justiça de Alagoas
Tribunal de Justiça de Alagoas

O Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) tem utilizado o Estatuto do Servidor Público Civil do Poder Executivo para conceder quinquênios aos magistrados, enquanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que o tribunal estaria recorrendo a uma lei destinada a servidores públicos federais para justificar o pagamento desse benefício. 

Ambos dão justificativas diferentes para a mamata. Essa prática faz parte de um conjunto de medidas que resultam em salários elevados para os magistrados alagoanos, muitas vezes superiores aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), cujo teto é de R$ 44 mil. Esse valor é também o limite máximo para remunerações no serviço público federal.

A Lei nº 5.247, de 26 de julho de 1991, que estabelece o regime jurídico único dos servidores públicos civis do Estado de Alagoas, inclui os serventuários da Justiça pagos pelos cofres estaduais. No entanto, o artigo 239 desta lei indica que magistrados e outros membros de carreiras essenciais à Justiça estão sujeitos a regimes jurídicos especiais definidos por leis complementares federais e estaduais.

A concessão de quinquênios aos magistrados em Alagoas precede uma lei ainda em discussão no Senado. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prevê um aumento salarial de 5% a cada cinco anos, até um máximo de 35% do teto constitucional. Estima-se que a PEC, ainda em tramitação, tenha um impacto financeiro anual de R$ 40 bilhões, conforme dados do governo federal.

Apesar da PEC não ter sido aprovada, magistrados alagoanos já recebem o quinquênio com base em interpretações divergentes de legislações vigentes. O TJAL justifica os pagamentos pela Lei Estadual nº 5.247, de 1991. No entanto, o CNJ cita a Lei nº 8.112, de 1990, que institui o regime jurídico único dos servidores públicos federais, embora suas disposições sobre quinquênios tenham sido revogadas.

Outra legislação estadual, a Lei nº 5.205, de 1991, também é utilizada para justificar os pagamentos, estabelecendo uma gratificação adicional por tempo de serviço de 5% a cada quinquênio. Curiosamente, o próprio portal da transparência do TJAL não menciona essa lei ao justificar o benefício, preferindo referir-se à Lei Estadual nº 5.247. 

A assessoria de comunicação do TJAL cita ainda a Lei nº 8.764, de 2022, que institui a licença-prêmio no âmbito do tribunal, concedendo 60 dias de licença a cada triênio de serviço, sem prejuízo do subsídio. Contudo, essa lei não menciona os quinquênios.

PENDURICALHOS

De acordo com o portal da transparência do TJ, no mês de maio o presidente da Corte, desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza, teve um rendimento líquido de R$ 49.828,27, após deduções que totalizaram R$ 36.711,72. 

Os descontos incluíram Imposto de Renda no valor de R$ 11.206,34, retenção por exceder o teto remuneratório constitucional de R$ 19.344,19, e contribuição previdenciária ao AL Previdência de R$ 6.161,19. Além disso, recebeu bonificações como auxílio-alimentação de R$ 3.405,30, gratificação por acervo de R$ 10.215,89, e auxílio plano de saúde também de R$ 3.405,30.

Em vantagens eventuais, recebeu a título de quinquênio R$ 5.957,65, somando-se a gratificações por função temporária de R$ 3.971,77 e pela presidência de R$ 13.540,39. O salário bruto atingiu R$ 86.540,39, conforme informações do Portal da Transparência do Judiciário alagoano. Em junho, período de férias e recesso, seu rendimento líquido subiu para R$ 71.832,93, com um salário bruto de R$ 108.544,65.

O vice-presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Orlando Rocha Filho, também teve rendimentos alarmantes. Em maio, seu salário totalizou R$ 91.502,10, com um valor bruto de R$ 128.175,87. Após descontos, seu rendimento líquido foi de R$ 83.364,32.

Recebeu subsídio de R$ 39.717,69, gratificações de R$ 36.699,80, e vantagens eventuais de R$ 28.570,70, dos quais R$ 13.901,19 só de quinquênios. Em junho, seu rendimento bruto permaneceu em R$ 128.175,87, com um rendimento líquido de R$ 83.364,32.

Mesmo quem não integra a carreira da magistratura consegue ganhar mais que um ministro do Supremo dentro do TJ de Alagoas. É o caso de Claudia Lopes Lisboa Souza, esposa do presidente do TJ, que também teve rendimentos substanciais em junho, totalizando R$ 65.809,63, com um rendimento líquido de R$ 51.704,39. 

Ela está lotada na diretoria adjunta de infraestrutura de obras e serviços e é analista judiciário em apoio especializado em arquitetura. Em maio, seus vencimentos totalizaram R$ 45.665,54, resultando em um rendimento líquido de R$ 33.059,13 após descontos.

A PEC

Ainda em tramitação no Senado, na justificativa da PEC do Quinquênio, Pacheco argumenta que o quinquênio valoriza as carreiras do Judiciário e do Ministério Público, prevenindo a evasão de profissionais para a iniciativa privada, política ou exterior. “Nós não podemos permitir que bons magistrados vocacionados queiram sair das suas carreiras para irem para a iniciativa privada, para a política ou para o exterior porque a atividade da vocação deles deixou de ser atrativa”, afirmou.

Durante a análise da PEC pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o relator Eduardo Gomes (PL-TO) aceitou emendas que ampliam o benefício para membros da Advocacia Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, membros da Defensoria Pública e ministros e conselheiros de Tribunais de Contas. A PEC foi aprovada pela CCJ com 18 votos favoráveis e sete contrários e falta apenas ser votada em dois turnos pelos senadores. O custo anual do quinquênio, segundo o Ministério da Fazenda, pode atingir R$ 40 bilhões. O governo negocia com o Senado a possibilidade de limitar as categorias beneficiadas ou excluir os aposentados do benefício.

Para ser aprovada, a PEC precisa do apoio de 49 dos 81 senadores, em dois turnos de votação. Caso passe pelo Senado, a proposta segue para a Câmara dos Deputados, onde são necessários 308 votos dos 513 deputados, também em dois turnos. Por se tratar de uma emenda constitucional, a PEC não requer sanção presidencial para entrar em vigor.


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