Conteúdo do impresso Edição 1275

CASO MALAQUIAS

MP acusa defesa dos assassinos do empresário de tumultuar processo

Júri que tem entre as testemunhas o prefeito Gilberto Gonçalves é adiado para 19 de setembro
Por MARIA SALÉSIA 20/07/2024 - 06:00

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MP/AL
Malaquias foi atraído para uma armadilha
Malaquias foi atraído para uma armadilha

O auditório do Tribunal do Júri não estava lotado e o clima era de poucas palavras entre as pessoas que aguardavam na quarta, 17, o julgamento de Fredson José dos Santos, Edinaldo Estevão de Lima e do sargento PM José Mário de Lima Silva, acusados de matar o empresário Kleber Malaquias no 15 de julho de 2020, em Rio Largo. O prefeito do município, Gilberto Gonçalves, seria ouvido como testemunha do caso e queria usar a prerrogativa de a oitiva ser em data e horário acordados. 

A surpresa veio quando o juiz Braga Neto, da 8ª Vara Criminal, adiou o júri para 19 de setembro, às 8h30, com a alegação de que a defesa ingressou com novos documentos fora do prazo legal e por ser importante para o processo, decidiu por nova data. Já a promotora de Justiça Lídia Malta disse que a defesa juntou provas na antevéspera do júri para tumultuar.

A espera de quatro anos e dois dias por resposta sobre quem mandou matar Malaquias e o porquê vai continuar. A promotora Lídia Malta mostrou-se frustrada e lamentou a postura da defesa que, “mais uma vez, tentou fazer prevalecer a impunidade”, mas garantiu que o Ministério Público de Alagoas não vai deixar isso acontecer.

Segundo ela, a defesa frustrou a realização de um ato importante para a sociedade, que demandou tempo, esforço, dinheiro público, além de ter frustrado as expectativas da família da vítima. “É uma Justiça que se alastra há mais de quatro anos, e, infelizmente, por conduta única e exclusivamente atribuída à defesa, este lamentável adiamento aconteceu. Esperamos que a defesa não faça nenhum tipo de tumulto para que haja novo adiamento”, disse ao acrescentar que o juiz agiu de maneira adequada.

O promotor de Justiça Kleber Valadares também criticou a defesa por não juntar os documentos dentro do prazo. Ele relembrou que a vítima se encontrava em segurança na sua residência e os réus (dois seriam julgados na quarta-feira, 17) usaram da confiança que um deles tinha com Malaquias e conseguiram o tirar de casa. 

“Tangeram como se fosse uma presa para o local de abate. Aí num estabelecimento comercial onde a vítima tinha ingerido bebida alcoólica, comido e quando vai ao banheiro, confinado entre quatro paredes, recebe dois tiros, um na cabeça e outro no abdômen, desferidos por também uma das pessoas que seria julgada hoje (quarta) e infelizmente não foi”, afirmou.

Na véspera do julgamento, o juiz Braga Neto já tinha tomado sua decisão. O magistrado se baseou no artigo 479 do CPP (Código de Processo Penal) que prevê que só pode ser feita a leitura de documentos ou exibição de objetos, em plenário de júri, quando estes forem juntados aos autos com antecedência mínima de três dias úteis. No entanto, a manifestação em questão foi juntada aos autos em 12 de julho de 2024, tendo o prazo se esgotado em 11 de julho. Por conta disso, indeferiu o pedido e determinou que “sejam desentranhados dos autos, restando vedada a utilização destes em plenário de júri”.

Em relação ao pedido formulado pela testemunha Gilberto Gonçalves da Silva, alegando que encontra-se ocupando o cargo político de prefeito no município de Rio Largo e que teria a prerrogativa de ser ouvido em data e horário previamente acordado, o juiz assinalou que as sessões de julgamento perante o Tribunal do Júri ocorrem de forma una, em um único ato, sem a possibilidade de fracionamento para oitiva posterior de uma única testemunha. 

“Apenas um dia antes do julgamento agendado, houve a manifestação da testemunha nestes autos. Assim, tendo sido a autoridade política previamente intimada acerca da data aprazada para a realização do julgamento em tela, não se configura qualquer ofensa ao que dispõe o art. 221 do CPP, citado pelos representantes legais da referida testemunha, que poderiam, inclusive, ter manifestado qualquer insurgência anteriormente em momento oportuno para eventual adiamento da sessão”, diz trecho da decisão.

DEFESA

O advogado Fernando Falcão, que integra a defesa dos réus acusados de matarem Kleber Malaquias, afirmou que não foi a defesa quem produziu essas provas. Segundo ele, o delegado da Polícia Civil preside o inquérito que ainda apura a autoria intelectual do crime, ouviu três pessoas cujos relatos apresentam uma dinâmica completamente diferente da que havia sido apurada até então.

Afirmou, ainda, que um dos réus do processo confessou pela primeira vez que estava presente no local onde Kleber foi morto e disse objetivamente quem foi o atirador, que não faz parte dos denunciados no processo. “O que me impressiona é o Ministério Público dizer que a prova foi juntada em momento extemporâneo, quando na verdade o importante no processo penal é apurar a responsabilidade de quem de fato deve ser. Quem matou Malaquias não está aqui, segundo estes depoimentos”, concluiu Falcão.

Mãe de Malaquias decepcionada com adiamento

A família de Kleber Malaquias não estava presente no Tribunal do Júri quando foi anunciado o adiamento do julgamento dos acusados pela morte do empresário. Não vive em Alagoas, pediu asilo em outro estado por medo. O pai, Cícero Malaquias, não suportou a perda do filho, entrou em depressão e morreu, aos 69 anos, em 12 de junho de 2023. 

A mãe, Evany Malaquias, 63 anos, diz que está morrendo aos poucos. Decepcionada com o adiamento, afirmou, contudo, que espera pela justiça que “tarda, mas não falha” e pede força para viver e ver os culpados punidos. Com voz embargada e o coração esfacelado pela dor, Evany desabafou mais uma vez, afirmando que o filho não merecia o que fizeram com ele.

“Estou de mãos atadas e não posso fazer nada. Sei que não foi hoje (julgamento), mas vai acontecer porque Deus é justo. Foi um crime cruel e bárbaro e não pode cair na impunidade”, desabafou.

Evany disse que está mal e vive medicada. Apesar das perdas do filho e do marido, espera um dia voltar a Rio Largo, sua terra natal. 

“Para nós filhos da terra dói muito viver longe e corridos do lugar que nascemos, trabalhamos e formamos nossa família. Eles mataram o Kleber e toda uma família humilde, mas honesta e trabalhadora”. Evany Malaquias enalteceu o trabalho dos promotores de Justiça pelo empenho no caso do assassinato de seu filho e disse acreditar que vai prevalecer a Justiça.

“Peço que as pessoas de bem me ajudem. Apelo para o juiz, defensores e todos aqueles que estejam envolvidos em elucidar o caso. Meu filho não merecia tamanha barbaridade. Ninguém merece. É um pedido de uma mãe que vive angustiada e clama por justiça”, concluiu.

A MORTE COMO PRESENTE DE ANIVERSÁRIO

O 15 de julho de 2020 era uma data festiva para o empresário Kleber Malaquias de Oliveira, que comemorava seu aniversário de 41 anos com o sargento José Mário de Lima Silva e Edinaldo Estevão de Lima, conhecido como Galeguinho do Som. Porém, no início da tarde daquele dia foi morto a tiros dentro do Bar da Buchada, na Mata do Rolo, em Rio Largo, Região Metropolitana de Maceió. 

Malaquias era uma pessoa polêmica e incomodava muita gente por fazer denúncias contra políticos e autoridades de Alagoas, inclusive publicando vídeos em suas redes sociais. Nos últimos tempos o empresário vivia mais recluso por temer ser assassinado.

Prova disso é que em 2019 registrou um Boletim de Ocorrência onde relatou ter tido acesso a conversas e áudios de WhatsApp com ameaças de morte contra ele. De acordo com a denúncia apresentada pelo MPAL, Fredson teria assassinado Malaquias e a dupla José Mário e Edinaldo participado da trama. Os réus foram enquadrados no crime de homicídio duplamente qualificado, por motivo que impossibilitou a defesa da vítima e mediante pagamento de recompensa.

Vale ressaltar que o julgamento foi adiado depois que a defesa de um dos réus apresentou novos depoimentos na véspera do julgamento. O Ministério Público não aceitou e pediu o desentranhamento dos documentos do processo. O juiz, por sua vez, atendeu ao pedido do MP, o que levou a defesa do réu a solicitar o adiamento do júri, no que foi atendido pelo magistrado.

O julgamento acontece em Maceió para evitar interferências em Rio Largo, lugar do crime. Atuariam no júri do dia 17 de julho a promotora de Justiça Lídia Malta e os promotores de Justiça Tácito Yuri e Kleber Valadares.



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