NOVA LEI
Maceió entra na polêmica nacional da competência para legislar sobre uso de drogas em locais públicos
Especialistas divergem sobre leis que multam quem for flagrado fumando maconha na rua
Maceió entrou na polêmica sobre a competência do Município legislar sobre a proibição do uso de entorpecentes em áreas públicas. No último dia 17, a Câmara Municipal promulgou lei cujo projeto de autoria do vereador Leonardo Dias (PL) estabelece a aplicação de multas a quem consumir maconha em praças, parques e passeios da capital alagoana.
A lei prevê multa de R$ 700 para os infratores, sendo o valor dobrado em casos de reincidência. Leis e propostas similares ganham espaço em municípios brasileiros. Porém, especialistas divergem sobre a constitucionalidade dessas medidas que preveem a possibilidade de advertências e punições penais para os usuários de drogas flagrados fazendo uso das substâncias. Argumentam que a repressão a essa conduta já é tratada em lei federal, a Lei de Drogas (nº11.343/06), não cabendo ao Município legislar sobre o tema.
Na avaliação de Othoniel Pinheiro, especialista em direito constitucional e defensor público em Alagoas, já que a matéria prevê multa de R$ 700 para infratores, ela foge da alçada do Município.
“Quando uma legislação estabelece multa para quem for pego cometendo o ilícito, se configura matéria penal. Quem pode legislar sobre uma matéria penal é a União e não o Município”, afirma.
O defensor público alerta sobre a fragilidade da lei promulgada pela Câmara de Maceió, já que qualquer legitimado – como o governo do Estado, a Ordem dos Advogados do Brasil e outras instituições – pode entrar com ação direta de inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça de Alagoas e “derrubar” a lei.
O advogado criminalista Diego Albuquerque discorda. Ele reconhece que “a competência [para legislar sobre matéria penal] é exclusiva da União, conforme o art. 22, I da Constituição Federal, porém a lei municipal aprovada pela Câmara de Maceió trata a questão como uma infração administrativa, o que está dentro da competência municipal”.
Na avaliação da professora de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maíra Fernandes, não é legítimo um município aplicar tais multas. Em matéria publicada na Folha de S. Paulo ela explica que o porte de drogas é fato já regulado pelo Estado [União] que, segundo a Constituição, possui exclusividade para decidir sobre o tema.
O projeto de autoria de Dias foi aprovado em agosto em plenário pela Câmara dos Vereadores e enviado para sanção ao prefeito João Henrique Caldas (PL). Como JHC não sancionou o projeto, a Câmara decidiu por promulgar a nova lei.
O EXTRA questionou a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Maceió sobre os argumentos do prefeito JHC para não sancionar ou simplesmente vetar o projeto de lei, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. De acordo com a secretária Eliane Aquino, não houve tempo hábil para resposta por parte de quem de direito em função de compromissos em Brasília.
Lei das Drogas
O arcabouço jurídico no Brasil prevê penas educativas, como advertência sobre os efeitos de entorpecentes e prestação de serviços à comunidade, a quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal drogas sem autorização. É o que diz o artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343/06). “Parece, então, desproporcional punir o portador com multa administrativa quando a própria norma penal já prevê a aplicação [de multa] em caso medida socioeducativa descumprida”, acrescenta a professora da FGV.
Há quase duas décadas, no entanto, o artigo 28 da Lei de Drogas vem sendo alvo de críticas por especialistas sob o argumento de inconstitucionalidade. A questão central foi discutida no Recurso Extraordinário nº 635.659, que tramitou no Supremo Tribunal Federal (STF), tratando, nesse sentido, acerca da descriminalização do usuário, retirando a tutela penal para aquele que porta substâncias entorpecentes exclusivamente para consumo pessoal.
Em junho deste ano o Supremo julgou a constitucionalidade do Artigo 28 da referida lei, que deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo a quem for flagrado com 40 gramas de maconha. A decisão do Supremo não legaliza, portanto, o porte de maconha e similares. O porte para uso pessoal continua como comportamento ilícito, ou seja, permanece proibido fumar a droga em local público, mas as consequências passam a ter natureza administrativa e não criminal.
A Corte manteve a validade da Lei de Drogas, mas entendeu que as consequências são administrativas, deixando de valer a possibilidade de cumprimento de prestação de serviços comunitários. A advertência e presença obrigatória em curso educativo seguem mantidas e deverão ser aplicadas pela Justiça em procedimentos administrativos, sem repercussão penal. O STF também fixou que deve ser de 40 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis a quantidade de maconha para caracterizar porte para uso pessoal e diferenciar usuários e traficantes. O cálculo foi feito com base nos votos dos ministros que fixaram a quantia entre 25 e 60 gramas nos votos favoráveis à descriminalização. A partir de uma média entre as sugestões, a quantidade de 40 gramas foi fixada.
A decisão do STF também permite a prisão por tráfico de drogas nos casos de quantidade de maconha inferiores a 40 gramas em que haja indícios de comercialização, apreensão de balança para pesar o entorpecente e registros de vendas e de contatos entre traficantes.
LEIS E PROPOSTAS EM ESCALADA
Percebe-se que a criação de leis e propostas que coíbem o uso da maconha em áreas públicas está em plena escalada no Brasil. Em junho deste ano, o Senado aprovou a PEC 45/2023 que alterou o artigo 5º da Constituição Federal. Com a aprovação, a lei passou a considerar crime a “posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.
A matéria seguiu para Câmara onde foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por 47 votos favoráveis e 17 contrários. Agora, a PEC 45/2023 será analisada em comissão especial da Casa e, se aprovada, segue para análise do plenário. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), já determinou a criação da comissão especial que vai discutir a criminalização da posse e o porte de qualquer quantidade de droga. O ato da presidência da Câmara foi publicado no mesmo dia em que a maioria do STF decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal.
Além dessa matéria, outro projeto de peso cria multa para quem carrega e usa drogas em ambientes públicos. O Projeto de Lei 2771/24, de autoria do deputado Delegado Palumbo (MDB-SP), institui multa de um salário mínimo (atualmente no valor de R$ 1.412) a quem for flagrado portando ou consumindo drogas ilícitas em espaços públicos, como ruas, praças e parques. Em caso de reincidência no intervalo de 12 meses, a multa será aplicada em dobro. Os valores arrecadados serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública.
A Câmara dos Deputados analisa a proposta do deputado, que passará pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado. O argumento para a implantação de novas leis e propostas sobre o tema é semelhante aos dos municípios que propõem as medidas.
Em Maceió, a nova lei promulgada pela Câmara afirma que o uso da maconha nessas circunstâncias compromete a qualidade de vida da população e a segurança pública e que a lei busca assegurar que os espaços públicos permaneçam seguros e adequados ao convívio social. Em São Paulo, o argumento é de que a medida objetiva desestimular o consumo de drogas ilícitas especialmente em áreas de uso coletivo e próximas a instituições públicas, promovendo um ambiente mais seguro.