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O SEQUESTRADOR

Revista Piauí revela como Arthur Lira manipula recursos milionários do orçamento secreto

Reportagem de Breno Pires diz que deputado ignorou comissãoara direcionar R$ 268 mi para Alagoas
Por Redação 09/11/2024 - 06:00

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Reportagem de Breno Pires diz que deputado ignorou comissãoara direcionar R$ 268 mi para Alagoas
Reportagem de Breno Pires diz que deputado ignorou comissãoara direcionar R$ 268 mi para Alagoas

O orçamento secreto existe desde 2020 e assim é conhecido por causa da falta de transparência. Polêmico desde sua criação, ele é tema de reportagem especial publicada pela *Revista Piauí*, edição 218, novembro de 2024, que coloca ainda mais lenha na fogueira ao mostrar como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), atropelou tudo à sua frente a ponto de ignorar a decisão colegiada de uma comissão da Casa para direcionar R$ 268 milhões do Orçamento da União ao estado de Alagoas, sua base eleitoral. Quantia essa que equivale a mais de 20% de toda a verba que a Comissão de Integração tinha para distribuir em todo o país neste ano.

Na reportagem que tem como título “O Sequestrador”, levantamento feito pelo repórter Breno Pires detalha como Lira capturou o orçamento secreto em seu favor, mantendo o controle sobre as emendas parlamentares que movimentam milhões em verbas públicas. A afirmativa fica evidente em um trecho da reportagem que revela que o parlamentar alagoano deflagrou uma operação “que incluiu ameaças, chantagens e demissão – tudo realizado às sombras”, para reverter decisão do deputado José Rocha (União Brasil-BA).

O texto apresenta detalhes e se refere a Açudina, distrito de Santa Maria da Vitória, no extremo Oeste da Bahia, que nunca teve água encanada e que, com a manobra política do alagoano, o sonho daquela gente em ver o líquido jorrar nas torneiras foi por ralo abaixo. É que ao assumir a presidência da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, Rocha prometeu destinar R$ 6 milhões para construir o sistema de abastecimento de água de Açudina. A alegria dos 3.300 moradores do distrito durou pouco e hoje, sem perspectiva, continuam a carregar latas de água na cabeça pelas ruas e estradas do lugarejo.

A decepção daquela gente foi grande. Até vídeos foram publicados nas redes sociais festejando a chegada da água potável. Na verdade, tudo ocorria bem e até a burocracia colaborava. Em 15 de maio, a verba para Açudina foi empenhada, o dinheiro estava garantido.

É que a partir daí o recurso só pode ser cancelado em situações específicas como descumprimento de exigências legais – que não foi o caso. Mesmo percorrendo os caminhos legais, a emenda foi cancelada. “O cancelamento do dinheiro é uma radiografia exemplar do orçamento secreto na sua versão atual”, diz trecho da reportagem.

Para entender o caso, segundo a reportagem da Piauí, em julho passado o deputado baiano José Rocha, que está em seu oitavo mandato consecutivo e teria garantido o dinheiro para Açudina, recebeu um ofício com a proposta de se destinar uma fortuna para Alagoas.

Para tanto, bastava assinar o documento, carimbar e enviar ao ministro da Integração, Waldez Góes. Ao achar o valor desproporcional e o assunto nem ter sido discutido com os 22 membros da comissão, Rocha não assinou.

Até então o nome de Arthur Lira não aparece no ofício relacionado à transferência da verba milionária para Alagoas. Mas a reportagem da Piauí confirmou que o texto foi editado por Leonardo Bezerra Silva Almeida, assessor da presidência da Câmara. 

“No melhor estilo do orçamento secreto, Arthur Lira tentou não deixar evidências de que ele próprio estava decidindo, sozinho, o destino das emendas da Comissão de Integração – sobre as quais não tem nenhuma autoridade formal”, destaca o repórter Breno Pires.

Na verdade, Rocha tinha batido o pé de que não concordava com o destino de mais de R$ 2,5 milhões para Alagoas. Mas, com a ajuda do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), foi selado um acordo e Rocha deixou a rebeldia de lado e em 1º de julho cedeu às pressões ao encaminhar ofício destinando a verba para o estado de Arthur Lira. Porém, no mesmo documento Rocha incluiu outras emendas para municípios do Maranhão, Goiás e demais localidades. 

Quando o ofício chegou ao Ministério da Integração, foi descoberto um problema matemático, já que a soma das emendas de Rocha ultrapassava o teto de R$ 1,1 bilhão de que dispunha a Comissão e assim teria que ser revista. A solução encontrada por Lira foi de Rocha cortar R$ 143 milhões de suas indicações daquele mês de junho para respeitar o teto. E mesmo Rocha “fingindo-se de morto”, voltou às pressas dos Estados Unidos, para onde tinha ido assistir jogos do Brasil, para no final ceder aos caprichos de Lira.

De acordo com a reportagem, não era conveniente para José Rocha, 76 anos, deputado desde 1995, brigar com Lira, pois isso poderia atrapalhar seus planos de futuro. E sem querer atrapalhar seus próprios projetos de poder, achou que o melhor era “mandar às favas os escrúpulos de consciência e ceder a vontade de Lira”. Dias depois assinou o ofício e com os ajustes exigidos pelo presidente da Câmara, “Rocha cancelou uma centena de milhões de reais naquele mês de julho. 

A tesourada garantiu a indicação de R$ 268 milhões para Alagoas. No saldo final, o estado de Lira ficou com 327 milhões de reais, abocanhando quase 30% de todas as verbas da Comissão de Integração”. Com o corte, a Bahia ficou apenas com R$ 127 milhões e os R$ 6 milhões para o sistema de água de Açudina, mesmo empenhados pelo governo federal, não saiu do papel.

CARIMBADORES

Por ordem do STF, o orçamento secreto deveria ter sido extinto dois anos atrás. Deveria, mas não foi. Desde que virou assunto público, Lira tem mantido discurso de que as emendas ao orçamento propostas pelo Congresso são transparentes e defende que a tarefa de distribuir verbas públicas não pode ser exclusiva do governo federal e assim cabe aos parlamentares o direito de participar da aplicação dos recursos. A reportagem aponta, ainda, que na abertura do ano legislativo Lira afirmou que “não fomos eleitos para sermos carimbadores”.

“Além da sua indicação dos R$ 268 milhões ferir as normas internas da Câmara, seria um vexame público para Lira, agora, deixar digitais de que queria transformar o deputado José Rocha e Comissão de Integração em meros carimbadores”, diz a reportagem.

Os R$ 268 milhões foram direcionados para Arthur Lira para um único lugar: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), que distribui dinheiro para asfalto e compra de retroescavadeiras e outros itens relacionados.

Lembrando que a Codevasf recebeu o presente, mas está sob investigação da Polícia Federal por suspeita de fraudes em licitação, desvio de recursos e lavagem de dinheiro. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), presidido pelo afilhado político de Lira, Fernando Marcondes de Araújo Leão, levou R$ 50 milhões.

“A atuação de Lira sobre o destino das emendas de comissão é uma etapa adicional de prática do orçamento secreto. Já não se trata mais da aprovação de emendas individuais dos parlamentares na votação da lei orçamentária, nem de definir as emendas do relator-geral ou de cada comissão temática, mas sim de interferência direta no momento em que as emendas já estão em fase de execução. Afinal, um recurso empenhado segue um rito legal, e não pode ser cancelado pela vontade pessoal de ninguém”, escreveu Breno Pires.


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