ENTREVISTA JORGE DÓRIA
‘Plano Diretor de Maceió precisa ser atualizado para garantir crescimento equilibrado’
Promotor de Justiça destaca a importância de abordar a preservação ambiental e os desafios do crescimento urbano no Litoral Norte
O Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) recomendou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) a suspensão das licenças ambientais e urbanísticas dos edifícios conhecidos como “espigões”, que estão sendo erguidos nos bairros de Guaxuma, Garça Torta e Riacho Doce. Além disso, o órgão orientou que a prefeitura se abstenha de conceder novas licenças até a aprovação do novo Plano Diretor de Maceió, que definirá diretrizes para o uso e ocupação do solo na capital alagoana.
A recomendação foi assinada pelo promotor de Justiça Jorge Dória, da 66ª Promotoria de Justiça de Maceió (Urbanismo), e pelos promotores Paulo Henrique Prado e Kleber Valadares, coordenadores dos Núcleos de Urbanismo e Meio Ambiente, respectivamente. O MPAL ressalta que, após a aprovação do novo Plano Diretor, será necessário um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para avaliar os efeitos positivos e negativos dos empreendimentos na região. Esse estudo deverá levar em conta fatores como adensamento populacional, infraestrutura urbana, mobilidade, valorização imobiliária, ventilação, iluminação e preservação do patrimônio natural e cultural.
O atual Plano Diretor de Maceió foi instituído em 2005 e deveria ter sido atualizado a cada dez anos, conforme a legislação. No entanto, isso não ocorreu. Com isso, a cidade segue sob diretrizes desatualizadas, sem contemplar mudanças contemporâneas, como a desocupação de bairros causada pela mineração da Braskem e a crescente expansão imobiliária no litoral norte. Em entrevista ao EXTRA, o promotor de Justiça Jorge Dória frisa que um novo Plano Diretor deve ser apresentado pela Prefeitura de Maceió ao Legislativo nos próximos meses.
EXTRA ALAGOAS - Qual a importância de um Plano Diretor para o município?
JORGE DÓRIA - O Plano Diretor de uma cidade, especialmente de uma capital, deve ser revisado a cada dez anos. Essa exigência não é apenas legal, mas também uma necessidade lógica, já que as cidades estão em constante transformação. O primeiro Plano Diretor foi elaborado em 2005, e desde então, sua atualização periódica se tornou essencial para garantir um crescimento urbano equilibrado. Sem essa revisão, o desenvolvimento da cidade pode se tornar desordenado, resultando em prejuízos sociais, econômicos e ambientais.
O Plano Diretor estabelece diretrizes fundamentais, como áreas de expansão urbana, zonas de proteção ambiental, histórica e turística, além de orientar a criação de leis complementares. Em outras palavras, funciona como uma constituição da cidade, dando base para um crescimento sustentável e planejado. No entanto, com o passar dos anos, é inevitável que novas demandas surjam. A população cresce, os desafios urbanísticos se multiplicam e as necessidades da cidade mudam. Por isso, a revisão do Plano Diretor não deve ser encarada como mera formalidade, mas sim como um processo de adaptação à realidade atual.
Tomemos como exemplo o desenvolvimento urbano. Há duas décadas, uma determinada área pode ter sido planejada sem a devida projeção para o futuro. Quem definiu aquelas diretrizes? Vereadores e gestores que, talvez, não tivessem uma visão ampla dos impactos a longo prazo. Assim, a cada revisão, é essencial perguntar: o que funcionou? O que precisa ser corrigido? Na região do Litoral Norte da cidade, por exemplo, há paisagens naturais e extensos coqueirais que precisam ser preservados. No entanto, essa preservação deve vir acompanhada de regras claras sobre o que pode ou não ser construído. Tais definições deveriam ter sido estabelecidas na última revisão do Plano Diretor e precisam ser tratadas com seriedade na próxima.
EA - Por que a atualização do Plano Diretor de Maceió, prevista para 2015, ainda não foi realizada, chegando a 2025 ainda sem atualização?
JD - Por descuido da gestão da época [governo do ex-prefeito Rui Palmeira]. Agora, o plano está em andamento, uma empresa responsável foi contratada e as audiências públicas estão sendo realizadas. Existe um princípio fundamental: as leis devem ser atualizadas conforme a realidade da cidade. Quando uma norma deixa de ser revisada ao longo dos anos, ela pode se tornar inconstitucional por omissão, perdendo sua eficácia. Isso é problemático, pois a aplicação de normas desatualizadas pode prejudicar o desenvolvimento urbano.
No caso dos licenciamentos para construção de prédios no Litoral Norte, percebo que muitos processos são excessivamente simplificados. Não é o mesmo conceder um alvará para construir uma casa em um bairro comum e autorizar a construção de um grande edifício. A complexidade desse tipo de empreendimento exige um estudo mais aprofundado. É necessário avaliar se a obra é compatível com a cidade, considerando a infraestrutura, o impacto ambiental e outros fatores essenciais. Para isso, contamos com instrumentos legais que exigem análises detalhadas sobre trânsito, ocupação do solo e outros aspectos fundamentais para garantir um crescimento urbano planejado e sustentável.
EA - Qual é a preocupação do Ministério Público em relação ao crescimento urbano e à construção de novos edifícios na região do Litoral Norte, além da preservação ambiental?
JD - O que o Ministério Público quer exatamente prevenir é a descaracterização desses locais. O Plano Diretor ainda em estudo prevê uma limitação de quatro andares para as construções na região. Ainda não há uma definição final. Se olharmos para a área, veremos que há diversos loteamentos unifamiliares. Muitas pessoas adquiriram terrenos ali porque buscavam um ambiente tranquilo e planejado. Quando alguém compra um lote, espera que aquele espaço seja preservado conforme as diretrizes urbanísticas existentes no momento da aquisição. O problema surge quando se permite a construção de edifícios muito maiores, sem uma transição adequada. Se um prédio de grande porte for erguido ao lado de um loteamento unifamiliar, isso pode comprometer a qualidade de vida dos moradores e desvalorizar os imóveis da região. Portanto, esses loteamentos já existentes precisam ser protegidos, garantindo que seus moradores tenham o direito de permanecer em um ambiente condizente com aquilo que adquiriram. Isso é uma questão de direito e planejamento urbano.
EA - Como ocorre a elaboração e aprovação do Plano Diretor?
JD - O projeto é elaborado pelo Executivo Municipal e enviado à Câmara de Vereadores, onde passa por uma discussão que pode ser arriscada, pois alterações prejudiciais ao plano podem ser propostas durante o processo legislativo. O Ministério Público acompanha todo esse procedimento. É importante destacar que, embora o Ministério Público não tenha o poder de interferir diretamente na elaboração do plano, ele tem a responsabilidade de garantir que o projeto esteja em conformidade com a legalidade. O Município deve assegurar que todas as exigências legais sejam atendidas. Além disso, o plano precisa respeitar os princípios e objetivos estabelecidos, e sua implementação deve ser clara, com a participação da sociedade, a fim de garantir sua eficácia.
EA - Qual o desafio que o novo Plano Diretor de Maceió precisará enfrentar em relação aos espaços afetados pelos danos causados pela Braskem?
JD - O novo Plano Diretor de Maceió precisa abordar a utilização dos espaços desocupados devido aos danos causados pela Braskem, o que torna sua atualização ainda mais relevante. No entanto, há outra questão fundamental a ser considerada: a estabilização do solo. Enquanto o solo não estiver completamente estabilizado, uma solução temporária, como a cobertura vegetal, será necessária. Embora a subsidência tenha diminuído, o processo de movimentação do solo ainda não cessou. Somente após a estabilização definitiva do solo será possível implementar projetos permanentes. O Plano Diretor de Maceió vai disciplinar o uso desses espaços.