DEU NA PIAUÍ!
Lira e Feijó na disputa pelo controle da CBF
Enquanto milhões de torcedores choravam pela derrota do Brasil na Copa de 2022, milhões de reais eram torrados por políticos, diz revista
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) mergulhou em uma turbulência de denúncias que expõem um esquema de gastos suntuosos e favorecimentos, lançando uma sombra sobre a gestão do presidente Ednaldo Rodrigues.
A revelação da Revista Piauí, edição de abril, sobre mordomias concedidas a um grupo de 49 brasileiros durante a Copa do Mundo do Catar em 2022, incluindo voos de primeira classe, hospedagem em hotéis cinco estrelas e ingressos para os jogos, acende o alerta sobre a moralidade na principal entidade do futebol nacional.
Apesar da eliminação precoce da Seleção Brasileira nas quartas de final, um seleto grupo desfrutou de tratamento VIP, com um custo estimado em R$ 3 milhões aos cofres da CBF.
A lista de agraciados incluiu familiares do próprio presidente Ednaldo Rodrigues, como sua esposa, filha, cunhada, genro e netos, que também usufruíram de voos em primeira classe e hospedagem de luxo, com despesas extras da esposa chegando a R$ 37 mil.
A generosidade da CBF não se restringiu à família do presidente. Amigos da política, do judiciário, da imprensa e das artes também foram contemplados com viagens e ingressos. O deputado federal José Alves Rocha (União Brasil-BA) e sua esposa tiveram gastos de R$ 364 mil pagos pela entidade, enquanto o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e sua namorada receberam um pacote de R$ 195 mil.
TENTÁCULOS EM ALAGOAS
O escândalo ganha contornos ainda mais complexos ao envolver figuras da política alagoana: o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), e o ex-presidente da Federação Alagoana de Futebol (FAF), Gustavo Feijó, também ex-prefeito de Boca da Mata. Hoje a entidade é presidida por Felipe Omena Feijó, filho de Gustavo. Ambos os nomes surgem em meio à disputa pelo poder nos bastidores da CBF, especialmente durante o período em que Ednaldo Rodrigues foi afastado do cargo por decisão judicial.
Segundo a reportagem de cinco páginas da Piauí “Coisas extravagantes”, assinada pelo jornalista Allan de Abreu, Arthur Lira, apesar de não ter ligação formal com a CBF, participou ativamente de uma reunião em Brasília para discutir a sucessão de Rodrigues. O objetivo do então presidente da Câmara seria emplacar o conterrâneo Gustavo Feijó na liderança da confederação. A articulação, no entanto, não obteve sucesso imediato. A ligação entre Lira e Feijó é notória na política alagoana, e a influência de Lira no cenário nacional é inegável.
Gustavo Feijó, por sua vez, sempre foi um dos principais opositores de Ednaldo Rodrigues. Em 2018, o Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com uma ação contra a CBF, alegando que o estatuto da entidade violava a Lei Pelé, que estabelece igualdade de peso entre federações e clubes nas decisões. Durante o andamento do processo, o então presidente da Confederação, Rogério Caboclo, foi afastado do cargo após denúncias de assédio sexual. Ednaldo Rodrigues, na época vice-presidente, assumiu interinamente e firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPRJ.
Em dezembro de 2023, devido a esse impasse, houve um período de afastamento de Rodrigues do cargo da presidência da CBF pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Em meio a toda essa confusão, Feijó chegou a convocar uma reunião com diversos atores do futebol brasileiro para debater a sucessão. Sua candidatura, no entanto, não prosperou. Posteriormente, a eleição que havia conduzido Caboclo à presidência foi anulada, um novo pleito foi convocado, e Ednaldo acabou eleito presidente da CBF e reeleito em março deste ano.
“Coisas extravagantes aconteceram naqueles 28 dias em que Ednaldo Rodrigues esteve destituído da presidência da CBF. A vacância no cargo deflagrou uma disputa renhida pela sua sucessão. Um dos primeiros a lançar candidatura foi o cartola Flavio Zveiter, que, por essas coincidências que se esparramam pelo mundo do futebol, é filho do desembargador Luiz Zveiter, então o mais influente no conflagrado Tribunal de Justiça do Rio. Zveiter, o filho, escalou Gustavo Feijó, cartola de Alagoas e inimigo de Rodrigues, para seu vice. Assim, passou a contar com o apoio de um aliado de primeira hora de Feijó: o também alagoano Arthur Lira, o presidente da Câmara, onde, lembre-se, aconteceu a CPI da Manipulação do Futebol, que fustigou a gestão de Rodrigues”, destaca a Piauí.
No dia 21 de dezembro de 2023, com Ednaldo Rodrigues afastado da presidência da CBF há treze dias, Gustavo Feijó convocou uma reunião em Brasília com todos os envolvidos no processo sucessório – inclusive o próprio Rodrigues.
O encontro ocorreu no escritório da advogada Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, que também atua como advogada de Arthur Lira. Apesar de não ter qualquer vínculo formal com a CBF, Lira esteve presente à reunião e tentou articular um acordo para emplacar Gustavo Feijó como cabeça de chapa.
No entanto, Francisco Zveiter manteve sua posição como principal nome na disputa, e Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol e outro pré-candidato, também se recusou a abrir mão.
Com ninguém disposto a ceder, a tentativa de consenso fracassou. Mas não por muito tempo. Após retornar ao comando da CBF por decisão judicial, Ednaldo Rodrigues contratou a mesma Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro – hoje ministra do Tribunal Superior Eleitoral – para representar a confederação em três ações no Superior Tribunal de Justiça.
O contrato foi fechado rapidamente: em 12 de janeiro, apenas oito dias após sua recondução ao cargo, o acordo já estava assinado. A CBF se comprometeu a pagar 10 milhões de reais, sendo metade à vista e o restante em dez parcelas, sem cláusula de êxito.
Desde então, a oposição a Rodrigues silenciou. Gradualmente, os adversários foram abandonando a disputa judicial. Em 8 de maio, Gustavo Feijó retirou sua ação, comunicando a desistência por meio de um breve comunicado, sem apresentar justificativas. Curiosamente, no mesmo dia, Feijó recebeu 2,5 milhões de reais em sua conta bancária, transferidos pela CBF. Segundo a entidade, o pagamento se refere a um acordo judicial firmado no âmbito de processos movidos por Feijó contra a confederação na Justiça de Alagoas.
Gastos pessoais e falta de transparência
As denúncias não se limitam à farra no Catar. A reportagem da *Piauí* revela uma série de gastos pessoais de Ednaldo Rodrigues pagos pela CBF, incluindo longas estadias em hotéis de luxo e voos frequentes para sua família e agregados entre o Rio de Janeiro e Salvador. Um vice-presidente da confederação, que segundo a revista preferiu não se identificar, critica a “malversação dos recursos” e eleva a prática a um “nível preocupante”.
A falta de transparência na gestão financeira da CBF também é um ponto central da reportagem. A entidade, apesar de faturar cerca de R$ 1 bilhão por ano, não presta contas a acionistas ou órgãos públicos de forma constante, o que facilita a ocorrência de desvios e gastos irregulares. A reportagem aponta ainda para a contratação de empresas com histórico questionável e pagamentos considerados superfaturados, como os R$ 158 mil pagos a um motorista por um único dia de serviço e os honorários milionários de advogados contratados para reverter decisões judiciais desfavoráveis à CBF.
Projetos abandonados
Enquanto a cúpula da CBF desfrutava de luxo e distribuía favores, áreas importantes do futebol brasileiro sofriam com a falta de recursos. Um projeto de centro de treinamento exclusivo para árbitros e a criação de uma escola de arbitragem, ambos considerados cruciais para a qualificação da arbitragem nacional, foram aprovados, mas nunca saíram do papel sob a alegação de restrições orçamentárias. A consequência foi um aumento alarmante no número de árbitros afastados por falhas técnicas no Campeonato Brasileiro, expondo a fragilidade da formação e da estrutura da arbitragem.
A instabilidade na presidência da CBF, marcada pelo afastamento e posterior retorno de Ednaldo Rodrigues por decisões judiciais, revela a forte influência de atores políticos e do próprio judiciário nos rumos da entidade. A parceria da CBF com o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual o ministro do STF Gilmar Mendes é sócio, levanta questionamentos sobre a imparcialidade em decisões judiciais envolvendo a confederação.
A homologação de um acordo que validou a eleição de Ednaldo Rodrigues pelo ministro Gilmar Mendes, mesmo com o caso sob análise de outro ministro, gerou controvérsia e alimentou suspeitas de favorecimento.