laços de amor
Famílias de AL relatam os desafios e as alegrias da adoção: 'Ainda é tabu'
Dia Nacional da Adoção é celebrado neste domingo, 25 de maio
"Olho a certidão de nascimento várias vezes e fico sem acreditar que hoje tenho uma filha". Há pouco mais de dois anos o empresário alagoano Willamis Lima, 40 anos, vive esta emoção. Para ele, a paternidade foi possível através da adoção. A história de Willamis ganha ainda mais significado neste domingo, 25, data em que se celebra o Dia Nacional da Adoção.
Em dezembro de 2023, após quatro anos de espera, Willamis se tornou pai da pequena Maria Eloá, que chegou à família com oito meses de idade.
"Quando eu recebi a notícia, eu desabei. Chorei muito, coloquei para fora muita emoção que estava guardada por longos anos e finalmente, mais calmo, fui conhecer minha filha. Nosso encontro foi marcado com muita tensão e ansiedade, mas naquele momento percebi que não conseguia viver mais sem ela. Tive que ir para casa e buscá-la apenas no outro dia por conta dos trâmites legais, foi a noite mais longa da minha vida, era como se estivesse faltando algo em mim, que era minha filha", lembra Willamis.
Quando Maria Eloá chegou, parecia que finalmente tinha acontecido um encontro que já estava predestinado. "A adaptação foi bem tranquila, em nenhum momento ela estranhou ou chorou. Nos sentimos pertencentes, acolhidos", lembra Willamis.
Este foi um sentimento parecido com o que foi vivenciado pela fisioterapeuta Ticiana Leal e o marido, o médico David Buarque, no primeiro encontro com cada um dos três filhos: João, que chegou à família em 2019 com quase 5 anos de idade; Davi, que chegou em 2022 com 17 dias de vida e Ane, que chegou em 2025 com 4 anos de idade.
"Quando o telefone toca, é uma mistura de alegria, de amor, de medo, de ansiedade", lembra Ticiana sobre os momentos antes de encontrar o primeiro filho, João. "O João estava com a camisa verde no meio de outras crianças e o primeiro pensamento que a gente teve foi: 'Sim, nós podemos ser pais do João e o João pode ser o nosso filho'. É um sentimento inicial de empatia. Então, naquele primeiro é uma uma sensação de encontro, mas está longe de ser amor. Porque o amor, vem com o tempo, com o conhecimento e com o passar dos dias. Hoje, seis anos depois, a gente vê que o que a gente sente por João hoje é infinitamente maior do que naquele primeiro encontro. A gente se apaixona todos os dias, porque todos os dias a gente se conhece um pouquinho mais".
Ticiana e o marido conversavam com João sobre ter um irmão. Três anos depois, chegou o dia de conhecer o pequeno Davi, e toda aquela emoção do primeiro encontro voltou a tomar os corações de Ticiana e David. "No caso do Davi, era um bebê de 17 dias. Ele tão pequenininho, tão indefeso e a vontade que você tenha de levar pra casa. E assim o fizemos".
A chegada do terceiro filho foi um pouco diferente. Desta vez, Ticiana e David foram conhecer a Ane sozinhos. "A gente perguntou se ela queria uma família que tivesse irmãos e ela disse que sim. A gente fez uma surpresa pro Davi e pro João, promovendo eles a irmãos de uma princesa. Foi um misto de muita alegria e muita apreensão, porque criança é muito sincera, mas foi tudo muito orgânico e foi tudo muito lindo".
O desejo de ter filhos e a escolha pela adoção
Para Willamis, o desejo de ser pai sempre foi uma realidade. "Ficava pensando como seria a vida com minha filha e vivenciar a paternidade seria algo incrível, então fui em busca da estabilidade financeira, o tempo foi passando, fui amadurecendo a ideia. Passei alguns anos casado, mas não deu certo. Ao longo desse tempo, percebi que a vida perfeita não existe, mas o que sempre existiu foi o amor imensurável. Eu precisava realizar esse sonho de ter minha filha".
Diferente da maioria dos adotantes, Taciana e David não tentaram engravidar antes de procurar a adoção - esta foi a primeira opção deles. Os três anos de espera entre a entrada no processo de adoção e a chegada do primeiro filho foram de muito estudo e preparação.
"Tanto para mim como para o meu marido, a adoção sempre foi uma realidade e sempre foi uma via de parentalidade. Se eles fossem biológicos ou adotivos, para a gente não teria diferença alguma. A gente fez todo o processo legal e a partir daquele momento a palavra adoção começou a fazer parte da vida da gente. Enquanto uma gravidez dura nove meses para acontecer, na adoção demora um pouco mais e esse tempo é necessário para que a gente busque informação, para que a gente deixe cair alguns preconceitos. Inclusive nesse período nos ampliamos ainda mais o perfil dos nossos filhos".
"Hoje estamos todos juntos e entendendo que o amor da gente é que nem uma colchazinha de retalhos, feita de pedacinhos diferentes, mas que se completam. Foram três momentos de adoção diferentes, em três momentos em que nós éramos pessoas diferentes, em situações diferentes. Mas, em todas elas, a gente pode dizer que o amor foi construído".
Adaptação e desafios da parentalidade
Ticiana conta que há um período de adaptação após a chegada da criança em que tudo é muito novo e encantador, uma espécie de "lua de mel". Depois dessa fase aparecem os pequenos desafios diários.
"Há um processo de adaptação, até porque a casa é nova para ele, a gente tem uma pessoa nova dentro de casa, então tem uma série de fatores que são diferentes da parentalidade biológica. Passando esse período, os desafios são iguais a qualquer família que tenha filhos. Os desafios que nós temos já não estão mais relacionados à adoção e sim uma família que tem três crianças e que tem os desafios pertinentes a cada idade".
Segundo Willamis, sempre houve uma sintonia com a pequena Maria Eloá, hoje com 2 anos e dois meses de idade, mas o empresário reconhece que ter filhos não é fácil. Pai solo, ele conta que a paternidade é um desafio diário que é superado pelo amor e pela paciência.
"Enfrentar a paternidade dá medo. Saber que tem uma vidinha que precisa de você, precisa dos seus cuidados, que você precisa trabalhar e encontrar tempo. A gente sempre acha que está fazendo pouco, mas no fundo isso tudo é o sentimento aflorado da paternidade".
De todos os desafios da paternidade, Willamis destaca um que ainda é muito comum para quem escolhe a adoção: o preconceito. Para o empresário, os julgamentos acontecem pela falta de informação.
"A desinformação é gritante. Adoção é um tabu, pouco se fala sobre. Então fui buscar informações pela internet e vi que era possível ser pai solo, a chamada 'família monoparental'. Dei entrada no processo de adoção, Deus me presenteou uma menina linda e hoje vivencio a paternidade tão desejada e sonhada".
Já Ticiana Leal destaca que o preconceito aparece, muitas vezes, de forma velada.
"As pessoas não percebem que estão sendo preconceituosas. As perguntas como 'quem é a mãe deles? Quem é o pai?'. A mãe deles sou eu, o pai é o David. Eu tenho dois filhos que são negros, então perguntam se eles são irmãos. Na verdade, os três são irmãos. Um dos meus pequenos já ouviu de um colega que ele não sabe quem são os pais verdadeiros dele e que ser adotado é não ter uma família verdadeira".
A fisioterapeuta conta ainda outro preconceito vivido pela família: o racismo, já que os três filhos do casal são negros, enquanto os pais são brancos.
"O preconceito da adoção chega fica pequeno perto do preconceito que os meus filhos já passaram por serem pretos. Então, esse é o nosso grande desafio. Quando você é colocado numa situação desagradável pela cor da sua pele ou que você não pertence aquele meio social que você transita, que é o que acontece na maioria das vezes. Nas festas, nos hotéis, nos locais onde a gente frequenta, os nossos filhos são as únicas pessoas pretas desses locais".
Para ajudar os filhos a enfrentarem essas situações, Ticiana conta que conversa abertamente com eles sobre adoção e sobre preconceitos.
"São coisas difíceis de ouvir, mas a gente fortalece muito os nossos filhos. Eles não têm dúvida de que adoção é uma escolha consciente, que eles foram desejados, foram escolhidos, foram acolhidos. Eles se sentem profundamente amados. Dessa forma, eles conseguem responder a esses preconceitos de uma forma mais forte. Não existe brecha para vitimismo, por exemplo, a gente conversa abertamente sobre adoção. A gente conversa com as pessoas que estão. Ao nosso redor, os colegas da escola, os colegas de trabalho, a família, para que a gente consiga naturalizar essa forma de parentalidade".
Conselhos e palavras de encorajamento para quem quer adotar
Para quem está no processo de adoção ou cogita iniciar essa jornada, a ansiedade e as expectativas podem ser grandes. Mas, segundo Willamis, é preciso olhar para dentro e compreender que nem tudo estará sob controle e isso faz parte.
"O desafio encontrado é com nós mesmos. Filho não é uma mercadoria que tem que vir a hora que você quer. Virá no tempo certo. Só não espere a vida perfeita, a casa perfeita o carro perfeito, o emprego perfeito. A vida passa rápido".
O conselho é parecido com o de Taciana. Ela defende um preparo não só emocional, mas também de conhecimento sobre o processo legal e sobre desenvolvimento infantil.
"Eu diria que prepare o coração, procure conhecimento, se fortaleça na sua rede de apoio, porque é uma história que a gente vai escrever pelo resto da vida, é um amor que a gente vai sentir, que a gente nunca viu antes e é uma transformação que na vida que não se compara nada. Então, quem está na fila, que use o tempo de estar na fila para adquirir conhecimentos, para se autoconhecer, para quando o momento do telefonema chegar, a casa do coração esteja pronta".