SEGURANÇA URBANA
Justiça autoriza portão e guarita em rua do Murilópolis
Moradores vencem batalha judicial de duas décadas
Em uma decisão inédita e histórica para a capital alagoana, a Rua Horácio de Souza Lima — também conhecida com Rua Eurico Maciel, no bairro Murilópolis — se tornou a primeira via pública de Maceió autorizada judicialmente a ser fechada com portão e guarita. A conquista, que marca um novo capítulo no enfrentamento da insegurança urbana, é fruto de uma batalha judicial que se arrastou por mais de 20 anos e liderada pelo advogado e morador da rua João Uchôa.
O desfecho aconteceu no dia 2 deste mês de outubro, quando a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas julgou um recurso dentro do processo nº 0007185- 75.2011.8.02.0001 interposto pelo Ministério Público. Por unanimidade de votos, os magistrados decidiram negar provimento ao recurso do MP e manter integralmente a sentença proferida em 2015 pela 14ª Vara da Fazenda Municipal, que autorizava o fechamento da via.
O julgamento foi relatado pela desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento, que teve seu voto seguido pelo juiz convocado Hélio Pinheiro Pinto e pelo desembargador Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, presidente do colegiado. Com a certidão de julgamento lavrada e o acórdão já publicado, a Horácio de Souza Lima passa a ser a única rua de Maceió com respaldo judicial completo — sentença e acórdão — reconhecendo o direito da coletividade à proteção por meio do fechamento da via.
A origem dessa batalha remonta ao ano de 2002, quando moradores, diante da onda de violência que tomava conta da rua sem saída, protocolaram junto à antiga SMCCU um requerimento formal pedindo autorização para o fechamento da rua e instalação de guarita. O pedido teve como base a explosão de casos de arrombamentos, assaltos à mão armada e invasões de residências que já comprometiam a tranquilidade e a segurança dos moradores. Em outubro de 2003, quase um ano depois, um novo requerimento foi protocolado, agora acompanhado por um calhamaço de boletins de ocorrência demonstrando a situação caótica da rua. Mesmo assim, o Município não deu qualquer resposta.
A ausência de posicionamento por parte do poder público e o agravamento da violência culminaram em um episódio bárbaro que chocou a comunidade. Em um dos terrenos baldios da rua, dois criminosos estupraram uma mulher que trabalhava em uma das residências da rua, e não satisfeitos, arrancaram os globos oculares dela. O crime brutal representou o limite da resistência dos moradores, que, temendo por suas vidas, decidiram agir.
Sem resposta do Município, os residentes instalaram um portão e uma guarita por conta própria. Menos de três dias depois, a prefeitura notificou os moradores, exigindo a remoção imediata da estrutura. Foi então que o advogado João Uchôa decidiu acionar o Judiciário, ingressando com uma ação contra o Município de Maceió e solicitando uma liminar para manter o portão. O juiz concedeu a liminar e, posteriormente, julgou a ação totalmente procedente, reconhecendo o direito da comunidade de se proteger diante da omissão do ente público.
O Ministério Público, por sua vez, recorreu da decisão em 2015. O processo seguiu em tramitação por quase dez anos no Tribunal de Justiça, até que, agora, o TJAL decidiu em favor dos moradores, dando fim à longa disputa jurídica. A relatora, desembargadora Elisabeth Nascimento, afirmou em sua decisão que a sentença “vergastada” (isto é, atacada pelo MP) deveria permanecer incólume, reafirmando o direito da coletividade diante da omissão do Estado.
Para João Uchôa, a vitória representa não apenas o reconhecimento jurídico da legalidade do fechamento da via, mas também a validação de anos de luta de uma comunidade cansada da violência e da negligência. “É uma alegria imensa. Lutamos muito, durante mais de duas décadas. Fizemos tudo dentro da legalidade e mesmo assim fomos ignorados. A Justiça finalmente reconheceu o nosso direito. Essa vitória não é só minha, é de todos que resistiram e acreditaram”, declarou.
Com essa decisão, a Rua Horácio de Souza Lima deixa de ser símbolo do medo para se tornar exemplo de organização comunitária e resistência legal, abrindo um precedente que poderá inspirar outras comunidades que enfrentam situação semelhante em Maceió e em outras cidades. Embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, a certidão do julgamento já assegura o entendimento da Corte. A partir de agora, a via segue legalmente fechada, protegida por portão e guarita, com respaldo completo da Justiça.
Lei municipal de 2024 regulamenta fechamento de artérias
Em 20 de junho de 2024, a cidade de Maceió deu um passo importante na regulamentação da segurança comunitária com a sanção da Lei Municipal nº 7.568, que autoriza o fechamento de vilas, ruas sem saída e travessas, por meio da instalação de portões, cancelas ou guaritas. A proposta, que teve autoria formal da vereadora Silvânia Barbosa e foi aprovada sob a presidência da Câmara pelo vereador Galba Novaes, tem uma origem pouco conhecida: o texto original do projeto foi redigido pelo advogado João Uchôa, morador da Rua Horácio de Souza Lima, que o entregou ao então vereador Carlos Ronalsa. Com a saída de Ronalsa da Câmara, a vereadora Silvânia Barbosa assumiu a iniciativa, encampou o projeto e levou adiante sua tramitação até a aprovação unânime.
A nova legislação fortalece o direito de comunidades se protegerem diante da insegurança urbana e dá respaldo legal a medidas como a que foi conquistada judicialmente por Uchôa e seus vizinhos no Murilópolis.