Conteúdo do impresso Edição 1337

FEBRE NACIONAL

Alagoas surfa na onda das loterias municipais em meio a debate jurídico sobre autonomia e fiscalização

Após decisão do STF, cidades alagoanas criam seus próprios sistemas de apostas e jogos para reforçar a arrecadação
Por JOSÉ FERNANDO MARTINS 18/10/2025 - 06:00
A- A+
© Divulgação: Loterias Caixa
Alagoas surfa na onda das loterias municipais em meio a debate jurídico sobre autonomia e fiscalização
Alagoas surfa na onda das loterias municipais em meio a debate jurídico sobre autonomia e fiscalização

A autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para que estados e municípios criem e explorem seus próprios serviços lotéricos abriu um novo capítulo na economia local de Alagoas. O movimento, que começou tímido em 2024, ganhou força neste ano com a sanção de leis municipais que instituem sistemas próprios de jogos e apostas em cidades como Piaçabuçu, Inhapi, Novo Lino, São Miguel dos Milagres e Olho d’Água do Casado. Em comum, todas alegam buscar novas fontes de receita e autonomia financeira, mas o avanço simultâneo desse modelo em diferentes regiões reacende o debate sobre fiscalização, transparência e limites legais na gestão pública.

Em setembro último, o Plenário do STF decidiu que as loterias estaduais poderão ser operadas por um mesmo grupo econômico em mais de um estado da federação. Além disso, a publicidade desse serviço pode ter alcance nacional. Em 2020, a Corte já havia decidido que loteria é prestação de serviço público e pode ser explorada pelos estados. Em Piaçabuçu, no extremo sul do estado, o prefeito Rymes Marinho Lessa (MDB) sancionou em julho a Lei Municipal nº 603/2025, que cria o Serviço Público de Loteria Municipal de Piaçabuçu (Lotepi). A norma autoriza o município a explorar todas as modalidades lotéricas — de concursos de prognóstico a apostas virtuais — e determina que os recursos arrecadados sejam aplicados em áreas como saúde, educação, assistência social, turismo e segurança pública. 

A lei permite a operação direta pela prefeitura ou a delegação por meio de concessões e parcerias público-privadas, admitindo inclusive o credenciamento de empresas. A Lotepi poderá atuar tanto com bilhetes físicos quanto digitais, e os prêmios não reclamados em 90 dias serão revertidos ao Fundo Municipal de Assistência Social. 

No Norte do estado, a prefeita Marcela Gomes de Barros (MDB) sancionou a Lei nº 380/2025, que institui a Loteria Municipal de Novo Lino. O sistema segue a mesma lógica: poderá ser operado pela administração direta ou por empresas especializadas mediante licitação pública, com prazo de concessão de até 20 anos. A prefeitura também fixou alíquota de 5% de ISS sobre a receita bruta das apostas e estabeleceu que os recursos devem priorizar políticas de saúde, educação, segurança e cultura.

Segundo a lei, a Controladoria Geral do Município e a Secretaria de Tributos terão papel central na fiscalização. Inhapi, com cerca de 15 mil habitantes, entrou na lista em setembro. A Lei nº 244/2025, sancionada pelo prefeito Luiz Celso Malta Brandão Filho (PP), autoriza concessões de até 25 anos, renováveis por igual período, e estabelece auditorias periódicas pela Controladoria-Geral. O texto cita expressamente a Lei Federal nº 14.133/2021, de licitações e contratos, como base normativa, e repete o modelo de tributação com alíquota de 5% sobre a receita bruta. 

O município prevê destinar os recursos prioritariamente para assistência social e segurança pública.Já Olho d’Água do Casado, no Sertão alagoano, estruturou a sua loteria municipal por decreto assinado pelo prefeito Chico Bezerra (PT). O documento detalha a criação de um comitê gestor municipal, as modalidades permitidas — incluindo apostas esportivas, raspadinhas e jogos de resultado instantâneo — e a destinação da receita para áreas como saúde, habitação popular e turismo. O decreto ressalta que o município poderá explorar os serviços diretamente ou por concessão, permissão ou credenciamento, e que o valor da outorga, quando houver, deverá constar expressamente dos contratos. 

A lei de criação havia sido aprovada em 2024, e o decreto de agosto de 2025 consolidou a operação. Além dessas cidades, São Miguel dos Milagres também aprovou sua legislação local no fim de 2024, por iniciativa do prefeito Jadson Lessa (MDB), com o mesmo objetivo de ampliar a arrecadação e investir em programas sociais. Em Maceió, a capital, o tema está engavetado na Câmara Municipal. O Projeto de Lei nº 375/2024, de autoria do ex-vereador João Catunda, institui o Serviço Público de Loterias no Município de Maceió, denominado “Loteria Municipal de Maceió”. 

Avanço gera embate com governo federal

O avanço desse modelo em Alagoas ocorre em sintonia com um movimento nacional. Segundo levantamento do portal G1, ao menos 77 municípios brasileiros já aprovaram leis criando loterias próprias, embora apenas uma — a de Bodó, no Rio Grande do Norte — esteja efetivamente em operação. 

A multiplicação dessas iniciativas acendeu o alerta do Ministério da Fazenda, que considera irregular a criação de loterias municipais sem credenciamento nacional. A pasta argumenta que a Lei nº 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa, permite a exploração apenas pela União, pelos estados e pelo Distrito Federal, sem mencionar os municípios. 

Assim, para o governo federal, a ausência de previsão expressa significa vedação implícita, enquanto as prefeituras sustentam o contrário: como não há proibição, há liberdade para legislar. Em entrevista ao EXTRA, o advogado tributarista Thiago Rodrigues reconhece que a decisão do Supremo garante segurança jurídica inicial, mas ressalta a necessidade de os municípios seguirem as normas federais. 

“A criação de loterias pelos entes federativos deve observar as regras previstas nas legislações federais pertinentes. Os municípios estão autorizados a criar suas próprias loterias com regras específicas, desde que respeitem essas normas”, explica. Para ele, mesmo cidades pequenas precisam montar estruturas eficazes de controle. “Seja o município grande ou pequeno, ambos devem criar mecanismos de fiscalização eficientes, pois trata-se de serviço público”, afirma. 

Rodrigues defende que a exploração por empresas privadas é juridicamente segura desde que haja licitação e contratos transparentes. Ele lembra que os recursos arrecadados devem ser aplicados em benefício da população e que a prestação de contas é obrigatória aos Tribunais de Contas estaduais. O advogado também reconhece o risco de confusão entre loterias municipais e as chamadas “bets”, que operam apostas esportivas online. “Poderá haver confusão, sim, mas cabe aos entes federativos e às empresas deixar claro ao consumidor que se trata de serviço lotérico, não de aposta esportiva”, pondera.

Empresas credenciadas

O avanço desse modelo em Alagoas ocorre em sintonia com um movimento nacional. Segundo levantamento do portal G1, ao menos 77 municípios brasileiros já aprovaram leis criando loterias próprias, embora apenas uma — a de Bodó, no Rio Grande do Norte — esteja efetivamente em operação. A multiplicação dessas iniciativas acendeu o alerta do Ministério da Fazenda, que considera irregular a criação de loterias municipais sem credenciamento nacional. A pasta argumenta que a Lei nº 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa, permite a exploração apenas pela União, pelos estados e pelo Distrito Federal, sem mencionar os municípios. Assim, para o governo federal, a ausência de previsão expressa significa vedação implícita, enquanto as prefeituras sustentam o contrário: como não há proibição, há liberdade para legislar. Em entrevista ao EXTRA, o advogado tributarista Thiago Rodrigues reconhece que a decisão do Supremo garante segurança jurídica inicial, mas ressalta a necessidade de os municípios seguirem as normas federais. “A criação de loterias pelos entes federativos deve observar as regras previstas nas legislações federais pertinentes. Os municípios estão autorizados a criar suas próprias loterias com regras específicas, desde que respeitem essas normas”, explica. Para ele, mesmo cidades pequenas precisam montar estruturas eficazes de controle. “Seja o município grande ou pequeno, ambos devem criar mecanismos de fiscalização eficientes, pois trata-se de serviço público”, afirma. Rodrigues defende que a exploração por empresas privadas é juridicamente segura desde que haja licitação e contratos transparentes. Ele lembra que os recursos arrecadados devem ser aplicados em benefício da população e que a prestação de contas é obrigatória aos Tribunais de Contas estaduais. O advogado também reconhece o risco de confusão entre loterias municipais e as chamadas “bets”, que operam apostas esportivas online. “Poderá haver confusão, sim, mas cabe aos entes federativos e às empresas deixar claro ao consumidor que se trata de serviço lotérico, não de aposta esportiva”, pondera. 

Ação no Supremo ontesta validade das loterias

A Associação Nacional pela Segurança Jurídica dos Jogos e Apostas (ANSEJA) pediu ao ministro Nunes Marques, do STF, para atuar como amicus curiae na ADPF 1212, que questiona leis municipais que criaram loterias próprias. A ação contesta normas de 13 cidades, como São Vicente, Guarulhos, Campinas e São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG) e Anápolis e Caldas Novas (GO), sob o argumento de que apenas a União pode legislar sobre sorteios e consórcios. A ANSEJA, sediada em São Paulo, defende a validade das loterias municipais, citando decisões anteriores do STF. 

Tribunais de Contas terão papel central na fiscalização

O advogado Thiago Rodrigues responde às principais dúvidas a respeito dos limites legais, dos procedimentos para concessão a empresas privadas, da destinação dos recursos e dos riscos de confusão com apostas online. 

EXTRA ALAGOAS - A decisão do STF realmente dá segurança jurídica para que os municípios criem suas próprias loterias, ou ainda há pontos em aberto? THIAGO RODRIGUES - Sim. A decisão traz segurança jurídica aos entes federativos quanto à criação de loterias, uma vez que a legislação está totalmente regulamentada nesse sentido, deixando clara a forma de instituição desses serviços.

EA - Quais limites legais as prefeituras precisam observar ao regulamentar e operar essas loterias municipais? TR - A criação de loterias pelos entes federativos deve obedecer e observar as regras previstas em todas as legislações federais pertinentes ao tema. Contudo, de forma inicial, os entes estão atualmente autorizados a criar suas próprias loterias com regras específicas, desde que observem a legislação federal referente aos serviços lotéricos. 

EA - Municípios pequenos têm estrutura suficiente para fiscalizar esse tipo de atividade? TR - Essa questão está diretamente ligada a cada caso específico, uma vez que a legislação precisa ser rigorosamente observada, sob pena de o município incorrer nas penalidades previstas. Portanto, seja o município pequeno ou não, todos devem criar mecanismos de fiscalização eficientes, pois trata-se de um serviço público que deve ser prestado com total transparência e eficiência. 

EA - A exploração por empresas privadas é segura do ponto de vista jurídico? Que cuidados devem ser tomados nos contratos? TR - Sim. Para a exploração desses serviços, as empresas privadas deverão participar de processos licitatórios, que concederão à empresa mais bem qualificada a autorização e a concessão para a prestação do serviço. Caso contrário, estarão sujeitas às penalidades decorrentes da má execução contratual.

EA - Os recursos arrecadados precisam obrigatoriamente ser aplicados em saúde, educação e assistência social, ou isso depende de cada lei municipal? TR - Por se tratar de um serviço público, os recursos arrecadados devem ser investidos em melhorias voltadas à população. Por razões lógicas, parte deles será destinada ao pagamento dos prêmios e à retenção do Imposto de Renda, sendo o restante revertido para as áreas que o município julgar convenientes. Assim, a legislação municipal que criar o serviço deverá definir a destinação dos recursos.

EA - Qual é o papel da Sefaz e dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas, nesse novo cenário? TR - Segundo a legislação vigente, os entes que criarem suas loterias deverão, obrigatoriamente, prestar contas desses recursos diretamente ao Tribunal de Contas do Estado, observando os princípios da legalidade, transparência e eficiência na gestão pública.

EA - Há risco de confusão entre loterias municipais e apostas online, as chamadas “bets”? TR - Poderá haver essa confusão, sim. No entanto, as empresas e os entes federativos devem deixar clara essa diferença aos consumidores, para evitar qualquer dúvida em relação ao serviço prestado — até porque estamos tratando especificamente de serviços lotéricos, e não das chamadas “bets”.

EA - Em sua visão, as loterias municipais podem se tornar uma fonte real de arrecadação e desenvolvimento para os municípios alagoanos? TR - Sim. Os dados demonstram isso. Os valores arrecadados pelos municípios, que em tese devem ser aplicados em benefício direto da população, representam uma fonte concreta de receita e investimento em serviços públicos que necessitam de recursos para sua efetiva implementação.


Encontrou algum erro? Entre em contato