CASOS MARIANA E BRASKEM

Combo de lei brasileira com justiça estrangeira impõe rigor a desastres ambientais

Por Agência Nossa 29/05/2022 - 17:03
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Pedro Martins, sócio-fundador do escritório de causas ambientais e sociais
Pedro Martins, sócio-fundador do escritório de causas ambientais e sociais

Nas próximas semanas, a ação indenizatória em curso nas cortes da Inglaterra e do País de Gales sobre o crime ambiental de Mariana deve contar com uma nova decisão judicial. O caso é um dos maiores da história do direito ambiental e representa 200 mil pessoas, pelas mãos dos advogados do escritório PGMBM.

O escritório de advocacia se descreve como o único dedicado à justiça ambiental e social, desafiando corporações globais poderosas. No Brasil, são vários casos de deslocalização do conflito, nome dado a ações que ocorrem a partir de danos num país mas que são impetradas em sistemas judiciais estrangeiros.

Brasil não é para amadores


O sócio fundador Pedro Martins lembra que a ideia de deslocalização do conflito já existia antes da atuação do PGMBM, citando o continente africano. Mas foi o escritório, parceria entre advogados britânicos, brasileiros e americanos, que teve coragem para começar “a mexer no Brasil”.

“Brasil não é para amadores”, afirma o advogado, em entrevista para a Agência Nossa. “São casos relacionados a fatos de violação de direito ambiental, direito concorrencial, direito consumidor em território brasileiro que afetaram grande número de pessoas, que nós representamos contra grandes multinacionais”.

Além da BHP, os advogados do escritório global processam a mineradora norueguesa Norsk Hydro em nome comunidades afetadas por metais tóxicos encontrados em rios e igarapés em Barcarena, nordeste do Pará. A empresa é responsável pela maior mineração de bauxita e processamento de alumínio do mundo.

Na semana passada, a justiça holandesa informou que decidirá em setembro se acolhe a ação indenizatória contra a Braskem pelo afundamento do solo de cinco bairros em Maceió. O desastre provocado pela exploração de salgema deslocou até então cerca de 55 mil famílias de suas casas.

“Uma coisa muito interessante que acontece em todos os nossos casos – para os réus desconfortável – é o fato de que em que pese estarmos processando essas empresas na Holanda (por exemplo), a lei material, que vai definir a responsabilidade, é a lei brasileira. Isso faz com que nós advogados possamos nos utilizar de uma legislação que é extremamente protetiva e benéfica em um poder judiciário que é extremamente sério, justo e eficaz”.

O PGMBM também representa 1563 produtores e ex-produtores de laranja, 22 empresas e a Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus) num caso contra cartel de suco de laranja. A Bayer também é ré em ação movida pelo escritório na Alemanha devido à fabricação de um dispositivo para laqueadura que tem sido acusado de provocar vazamento de níquel no útero e danos à saúde de 8 mil mulheres no Brasil.

Com escritórios em Londres, Estados Unidos, Holanda e Brasil, o PGMBM também atua em eventos não ocorridos no Brasil contra empresas como a Uber, Johnson & Johnson, British Airways, além de uma série de montadoras na Europa.

A seguir trechos da entrevista do advogado Pedro Martins para a Agência Nossa:

Na semana passada a justiça holandesa informou que julgará se a ação do PGMBM contra a Braskem poderá seguir naquele país. O fato de haver brechas na regulação brasileira para a mineração pode afetar futuras decisões?

O fato de não se estabelecer padrões não significa que se pode colocar a vida das pessoas em risco (…). Tanto esse ônus existe nas empresas que exploram atividades de risco que a responsabilidade civil ambiental no Brasil estabeleceu que ela deve ser encarada de forma objetiva. Ao avaliar se uma empresa é responsável ou não por evento poluidor não se avalia se a empresa teve culpa pelo que aconteceu ou não. O mero fato de a Braskem ser a empresa que desenvolve a atividade de risco, faz dela responsável pelo que aconteceu, ela tem que lidar com aquilo. E também faz da Vale responsável. “Ah mas não foi minha culpa que a barragem rompeu”. Para o direito isso não importa, o que importa é que ela é responsável.

O que deve ser considerado pela corte holandesa?

O fato de o Brasil abrigar riqueza natural tremenda fez o legislador decidir dar um status especial à proteção do meio ambiente no Brasil. Cláusula na constituição (…), lei de crimes ambientais, lei de política ambiental de 1981, que criou o conceito de poluidor indireto. O conceito do poluidor indireto diz que mesmo eu não sendo o dono da barragem ou no caso da Braskem, a Braskem SA, a empresa que explorava diretamente a mina de salgema, outras orbitam a atividade econômica (…) Como a Braskem tinha subsidiárias na Holanda, devo ir no judiciário holandês.

Uma coisa muito interessante que acontece em todos os nossos casos – para os réus desconfortável – é o fato de que em que pese estarmos processando essas empresas na Holanda, a lei material, que vai definir a responsabilidade, é a lei brasileira. Isso faz com que nós advogados possamos nos utilizar de uma legislação que é extremamente protetiva e benéfica em um poder judiciário que é extremamente sério, justo e eficaz.

Foram vocês que começaram a buscar cortes internacionais nestes casos de desastres ambientais no Brasil?
No Brasil, em que pese termos uma legislação (protetiva) disponível, nós temos as idiossincrasias do sistema judiciário brasileiro. Então esse combo de direito processual, sistema judiciário de um país que tem essas vantagens, com um direito material protetivo é muito poderoso. E isso estamos vendo em todos os casos que nós temos.

Não vou ser muito humilde: fomos nós que tivemos a coragem de mexer no Brasil. Brasil não é para amadores. A ideia de deslocalização do conflito não surgiu com a gente. Existem casos que ocorreram no continente africano. Mas o fato é que em relação ao Brasil nós fomos os primeiros que resolvemos entrar nesse desafio.


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