Ibovespa tem pior 1º semestre desde 2020, com dólar e juros sob pressão

Por Agência Estado 28/06/2024 - 18:21

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Apesar da recuperação parcial em junho, quando avançou 1,48%, o Ibovespa teve o pior primeiro semestre desde a pandemia, quando havia mergulhado 17,80% entre janeiro e junho de 2020, então no auge do temor global sobre a Covid-19 e o respectivo efeito na economia mundial. Quatro anos após a crise sanitária, o índice acumula perda nominal de 7,66% nos seis primeiros meses de 2024, comparada a avanço de 7,61% no mesmo período de 2023 - uma variação praticamente em módulo. No mês, o ganho em 2024 - apenas o segundo do ano, após o avanço de 0,99% em fevereiro - ficou bem distante da alta de 9% no junho anterior, quando o Ibovespa havia registrado seu maior salto desde dezembro de 2020.

Quando se incorpora o câmbio, a comparação fica ainda mais desfavorável: em junho passado, o dólar estava em R$ 4,7896 no encerramento do mês; agora, foi a R$ 5,5883. Assim, considerando o nível em que estava em dezembro de 2023, bem próximo então à máxima histórica nominal, renovada no penúltimo dia do ano passado, o Ibovespa, em dólar, acumulou neste primeiro semestre perda de 19,80%, aos 22.172,49 pontos, comparada ao nível de 27.647,67 pontos do fechamento do ano.

Na B3, a leve retomada de 1,48% do Ibovespa em junho se contrapõe ao estilingue do dólar, em alta de 6,43% frente ao real, no mês. Hoje, o índice da Bolsa encerrou em baixa de 0,32%, aos 123.906,55 pontos, contido pela prosseguimento da pressão no câmbio e na curva de juros doméstica. No fechamento, o dólar mostrava alta de 1,47% na sessão, e com avanço de 2,71% na semana. No mesmo intervalo, apesar da pressão no câmbio, o Ibovespa conseguiu avançar 2,11%, dando prosseguimento à recuperação da semana anterior, em alta então de 1,40%.

A sequência de duas semanas de recuperação retirou o Ibovespa das mínimas do ano, na faixa dos 119 mil pontos, e o recolocou aos 124 mil pontos no melhor momento do intervalo, ontem, quando havia retomado nível do fim de maio. O giro financeiro da B3 nesta sexta-feira ficou em R$ 21,9 bilhões.

Nesta última sessão de junho, mês em que o S&P 500 acumulou ganho de 3,47% e o Nasdaq, de 5,96%, o fechamento foi negativo, com perdas na casa de 0,1% a 0,7%, com os mercados de lá começando a tomar nota da temporada eleitoral, que promete ser volátil, após a participação hesitante do presidente Joe Biden, ontem à noite, no debate contra o ex-presidente e postulante republicano, Donald Trump.

"Biden não conseguiu argumentar com clareza, o que dá munição a quem o considera muito velho para tentar a reeleição", diz Thiago Pedroso, responsável pela área de renda variável da Criteria. "Começam os rumores de que os democratas possam buscar uma alternativa a Biden contra Trump", acrescenta.

Aqui, pesaram sobre o sentimento dos investidores novas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à atual configuração do Banco Central - ao observar que busca uma filosofia distinta para a instituição após a saída de Roberto Campos Neto, no fim deste ano. A fala de Lula sobre uma nova filosofia no BC a partir de 2025 foi o subtexto do dia na orientação dos ativos domésticos, impedindo que, com câmbio e curva de juros mais uma vez sob pressão, o Ibovespa carregasse a moderada recuperação de junho um pouco mais longe - em dia moderadamente ruim no exterior, com avanço também nos rendimentos dos Treasuries, mesmo com nova rodada de dados dos EUA que sugerem menos inflação apesar da solidez da atividade econômica (PMI).

No Brasil, "as falas do presidente Lula tiveram impacto direto sobre câmbio, DI e Bolsa na sessão, com a sinalização dada sobre o que ele espera do BC após a saída de Campos Neto", diz Fernanda Barbosa, advisor da Blue3 Investimentos. "Olhando o macro, a fala trouxe de fato instabilidade ao mercado", acrescenta. Diante de uma plateia de apoiadores em Belo Horizonte, Lula também afirmou nesta sexta-feira que gostaria de fazer um ajuste fiscal "na rentabilidade dos banqueiros".

Nas entrelinhas, a carga do presidente contra setor da economia que considera "especulativo" e a aproximação do Planalto ao diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo - ex-secretário-executivo da Fazenda e tido como favorito à presidência da autarquia -, alimentam temor de que um Banco Central sob "nova filosofia" pode representar, no limite, a reedição da parceria Dilma Rousseff-Alexandre Tombini - num momento, agora, em que o câmbio e a curva de juros doméstica já vinham pressionados pelo aumento da percepção de risco fiscal.

"A pauta fiscal permanece em foco, e foi mencionada hoje pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao comentar que ajustes muito focados em ganhos de receita são menos eficientes e podem ter, como resultado, menor investimento e menor crescimento econômico, além de inflação mais alta", observa Fernanda.

"Junho foi um mês bem volátil também para a Bolsa, mas em que o índice conseguiu sustentar uma leve recuperação, sinal que se firmou a partir da decisão unânime do Copom por manter a Selic a 10,50% ao ano, o que tranquilizou um pouco", diz Pedro Lang, especialista da Valor Investimentos. "Mas quando olhamos para a curva de juros, e o dólar para cima, o mercado segue bem estressado, com muita atenção ainda ao fiscal", acrescenta. "Sem um mínimo de coesão no discurso fiscal, não há espaço para manter a toada dos últimos 15 dias, de recuperação da Bolsa."

"Dólar tem refletido um movimento muito forte de aversão a risco nas últimas semanas: um pico de volatilidade originado em questões de cunho fiscal, nubladas pelo governo. Não há contraparte, pelo lado dos gastos, para as iniciativas baseadas apenas em aumento de arrecadação, nos últimos meses. Os investidores realmente perderam a paciência, diante da incerteza fiscal", diz Felipe Moura, analista da Finacap Investimentos.

Apesar do cenário macro ainda bastante nebuloso, a expectativa positiva para o mercado de ações no curtíssimo prazo deu um salto no Termômetro Broadcast Bolsa desta sexta-feira. Entre os participantes, 85,71% afirmaram que a próxima semana deve ser de ganhos para o índice, enquanto para 14,29% a Bolsa deve ter estabilidade. Não houve respostas indicando queda. No Termômetro anterior, o quadro se dividia entre alta (66,67%) e baixa (33,33%).

Nesta última sessão da semana e do mês, as perdas do Ibovespa foram mitigadas pelos carros-chefes da Bolsa: Petrobras, em alta de 1,23% (ON) e de 0,90% (PN), e Vale (ON +1,07%). Na ponta ganhadora do índice da B3, destaque para BRF (+2,81%), Marfrig (+1,56%) e Bradespar (+1,37%). No lado oposto, Azul (-6,02%), Cogna (-5,85%) e Yduqs (-5,71%). Entre os grandes bancos, o dia foi majoritariamente negativo, com Santander (Unit -1,40%) à frente - exceção para Bradesco ON, em leve alta de 0,18% no fechamento, e Banco do Brasil (ON +0,04%).

Dólar

A preocupação dos investidores com a falta de clareza em relação às trajetórias dos juros - em particular a partir de 2025 - e da dívida pública, somada às críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central e a um movimento de especulação no mercado de câmbio, descolou o real de outras moedas emergentes e contribuiu para a moeda brasileira ficar a um fio de cabelo dos R$ 5,60 no mercado à vista, registrando seu pior primeiro semestre ante o dólar desde 2020, ano da pandemia de covid-19.

O dólar à vista terminou o pregão em alta de 1,47%, a R$ 5,5883. Na máxima da sessão, chegou a R$ 5,5990 (+1,66%), o maior preço desde 12 de janeiro de 2022, quando alcançou R$ 5,6007.

Na semana, a moeda subiu 2,71%, e em junho avançou 6,43%. No acumulado do ano, a alta foi de 15,14%, o que corresponde ao avanço mais significativo em relação à moeda brasileira desde os 35,51% registrados no primeiro semestre de 2020.

A alta do dólar ante o real neste primeiro semestre também se destacou quando comparada ao desempenho da moeda americana ante outras divisas de países emergentes. O dólar subiu bem menos em relação à lira turca (11,01%), peso mexicano (7,97%) peso colombiano (7,15%), peso chileno (7,06%) e rupia indiana (0,23%), e em relação ao rublo russo e ao rand sul-africano caiu 4,06% e 0,55%, respectivamente.

No mercado futuro, por volta das 17h55, o contrato do dólar para agosto subia 1,55%, a R$ 5,6125, com máxima intradia de R$ 5,6180. O volume de negócios somava US$ 21,4 bilhões.

Segundo Fernando César, operador de câmbio da AGK Corretora, o fortalecimento recente do dólar ante o real é baseado essencialmente no ceticismo dos investidores em relação à capacidade do governo de promover o equilíbrio das contas públicas. "Os fundamentos não estão ruins, não está aquele bicho feio, mas o mercado está precificando o risco fiscal futuro", afirma.

"O mercado está carente de respostas", diz Felipe Schuckar, head de câmbio da Hedgepoint. "Quer escutar o nosso Banco Central, o Poder Executivo dando respostas relacionadas à possibilidade de corte de juros, a questões fiscais que estão trazendo sensibilidade grande", afirma.

Ele ressalta que o momento é de "grande instabilidade", e que aos clientes a recomendação tem sido de gerir o risco com operações de hedge, tanto na ponta vendedora quanto na compradora. "O momento é de aceitar margens menores até ter maior clareza", avalia.

Uma outra parcela da alta do dólar, porém, vem de fora. Rodrigo Jolig, diretor de investimentos da Alphatree, considera que a fraqueza do real está relacionada a um "mau humor generalizado" em relação a moedas de economias emergentes e a fundos que tentam surfar a tendência de valorização do dólar - ainda que o real tenha "apanhado" mais que seus pares.

"O movimento tem sido levado por fluxos bem técnicos. Os investidores são muito grandes lá fora e o real é como se fosse uma commodity", avalia. "Tem uma tendência de alta do dólar, os modelos acabam comprando mais. Realmente mudou muito a história de seis meses para cá no Brasil? Não, todo mundo sabia que o fiscal era ruim", acrescenta.

Juros

Os juros futuros fecharam a semana, o mês e o semestre nas máximas registradas há mais de um ano. Novos ruídos vindos de Brasília elevaram a crise de confiança no ajuste fiscal visto como necessário para evitar uma alta da Selic, somados a dados ruins do setor público e robustos do mercado de trabalho, o que aumentou a postura defensiva nos mercados de juros e de câmbio nesta sexta-feira. O exterior também acabou contribuindo para a pressão sobre a curva, com a inversão do sinal de queda para alta dos rendimentos dos Treasuries.

No fechamento, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 estava em 10,770%, de 10,622% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2026 subia de 11,30% para 11,59%. O DI para janeiro de 2027 tinha taxa de 11,97%, de 11,71% ontem, e a do DI para janeiro de 2029, taxa de 12,35%, de 12,11% ontem.

Na sessão de hoje, o economista Matheus Pizzani, da CM Capital, afirma que temores de natureza estrutural e conjuntural pressionaram a curva. No primeiro caso, cita os dados do setor público consolidado de maio. Mais até do que o déficit de R$ 63,895 bilhões maior do que a mediana das estimativas (déficit de R$ 59,00 bilhões), o que mais chamou a atenção foi o comportamento da dívida em relação ao PIB. A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) de 76,8% atingiu o nível mais alto desde fevereiro de 2022 e a dívida líquida, de 62,2%, chegou ao pico desde setembro de 2002, 62,4%. "A dívida subiu mesmo com os dados apontando melhora da atividade. A ponta longa do DI não vai melhorar enquanto não houver medidas concretas do lado fiscal", afirma.

Os indicadores da Pnad Contínua exerceram influência nos demais trechos da curva, ao reforçarem o alerta trazido ontem pelo Relatório de Inflação (RI) e as entrevistas do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e do diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo. A taxa de desemprego de 7,1% veio no piso das estimativas no trimestre encerrado em maio e algumas instituições calculam que, ajustada sazonalmente, a taxa já furou 7%, caso da Kínitro, cujo número é de 6,9%. A massa salarial, puxada pelo aumento da formalidade, atingiu recorde de R$ 317,8 bilhões. "Quando se encaixa essa situação nas sinalizações do BC ontem para o hiato do produto, é de se imaginar que esse hiato continuará se fechando", diz Pizzani, da CM.

Com o risco de um fechamento maior do hiato e de o câmbio resistir nos níveis atuais, o mercado segue embutindo na curva prêmios de risco, que acabam resultando num aumento da precificação de Selic nos DIs. Para o fim de 2024, as taxas já apontam Selic em 11,25%. Para Pizzani, contudo, esse movimento está sendo feito mais "no calor da emoção", com base muito mais em fatores conjunturais que tendem a se dissipar do que propriamente em fundamentos.

O mercado recebeu a agenda do dia com o clima já contaminado por declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dadas logo cedo, aumentando o arsenal de críticas a Campos Neto e à política monetária. Em entrevista à rádio O Tempo, atribuiu a alta do dólar à "especulação do mercado com derivativos" e disse que Campos Neto "não está fazendo o que deveria fazer corretamente" e que pretende escolher um substituto "responsável" para iniciar o mandato no ano que vem. Afirmou ver ainda a Selic de 10,5% como "irreal para uma inflação de 4%".

Mas o dia ainda reservava o anúncio da Aneel, de que em julho vai vigorar a bandeira amarela nas tarifas de energia e que acrescentará R$ 1,885 a cada 100 kW/h. A mudança na bandeira tarifária deve pressionar a inflação de julho, mas o impacto tende a ser dissipado nos meses seguintes, na avaliação dos economistas.

Nos EUA, o rendimento dos Treasuries avançou, com dados de confiança do consumidor da Universidade de Michigan e o PMI do ISM melhores do que o esperado se sobrepondo ao alívio com a inflação do índice de preços dos gastos com consumo (PCE, em inglês) em linha com o previsto.


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