Após tocar R$ 5,70, dólar desacelera e fecha a R$ 5,6648, alta de 0,20%

Por Agência Estado 02/07/2024 - 18:15

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Após tocar R$ 5,70 no início da tarde, o dólar à vista perdeu fôlego na última hora de negócios e encerrou o dia cotado a R$ 5,6648, avanço de 0,20%. Foi a terceira sessão consecutiva de alta da divisa, que já acumula valorização de 1,37% nos dois primeiros pregões de julho, o que leva os ganhos no ano a 16,72%. O real é a moeda que mais perde em relação ao dólar em 2024.

A diminuição da alta do dólar por aqui se deu em meio a um aprofundamento das perdas da moeda americana no exterior e a rumores de que o Banco Central teria consultado tesourarias para uma eventual intervenção no câmbio, com oferta de swaps ou até mesmo moeda à vista. A maioria dos analistas afirma que não é o momento de o BC intervir, uma vez que não haveria "disfuncionalidade" no mercado, mas apenas uma alta mudança de nível de taxa de câmbio provocada por aumento da percepção de risco.

O mercado de câmbio local teve novos picos de estresse hoje com mais uma rodada de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a quem atribuiu "viés político". Lula classificou a depreciação recente do real como "um ataque especulativo" e convocou uma reunião amanhã para tratar do tema, argumentando que é preciso "fazer alguma coisa".

Foi senha para que surgissem especulações sobre possíveis medidas do governo para tentar frear a alta do dólar. Em artigo publicado hoje no Valor Econômico, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, de perfil heterodoxo e interlocutor de Lula, defendeu controle de capitais e criticou quem atribui o tombo do real à percepção de piora fiscal.

Ainda pela manhã, ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não há nada que o governo planeje fazer no sentido de conter o dólar além de "acertar a comunicação" sobre a autonomia do Banco Central e a "rigidez" do arcabouço fiscal. As declarações do ministro vieram após questionamento sobre eventual ação do governo, como alteração no IOF cobrado em operações de câmbio.

As máximas do dólar no início da tarde coincidiram com declarações da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. No X (antigo Twitter), Gleisi disse que o "bolsonaristas Campos Neto" estaria aplaudindo um suposto ataque especulativo ao real "que ele mesmo desencadeou" ao falar de questões fiscais. "Mais um dia de ataque especulativo ao real e o BC segue de braços cruzados, sem fazer as operações de compra e swap necessárias nesse momento. Irresponsáveis!, escreveu Gleisi.

Em painel em fórum realizado pelo Banco Central Europeu (BCE), Campos Neto disse, pela manhã, que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de interromper o ciclo de queda da Selic foi motivada mais por ruídos do que por fundamentos econômicos. Ele citou incertezas relacionadas à sucessão no Banco Central, que mexe com as expectativas para a política monetária, e o risco fiscal.

O superintendente da Mesa de Derivativos do banco BS2, Ricardo Chiumento, afirma que os investidores, em especial os estrangeiros, estão muito sensíveis à possibilidade de deterioração do quadro fiscal e à troca de comando do BC, que traz o temor de algum grau de perda de autonomia da política monetária.

"O dólar está forte no mundo neste ano. Mas o real é a moeda mais depreciada no acumulado no ano porque as críticas do governo ao Banco Central estão afugentando investidores", afirma Chiumento, lembrando que hoje a moeda americana caiu lá fora após o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, adotar um tom mais ameno em relação aos juros. "Mas o real continuou perdendo força com as críticas da presidente do PT ao BC. O mercado tem a memória de intervenções de Mantega (Guido Mantega, ex- ministro da Fazenda) em 2013 e 2014 com mudança no IOF para tentar segurar a valorização do dólar", afirma.

A última vez em que o Banco Central interveio no mercado cambial foi em 2 de abril, com a venda de US$ 1 bilhão em swaps cambiais extras, com a justificativa de amenizar o efeito do vencimento de NTN-As (títulos públicos indexados à taxa de câmbio) sobre a dinâmica do mercado. De lá para cá, o presidente do BC disse em várias ocasiões que a autoridade atua apenas para evitar disfuncionalidades no mercado cambial.

Analistas ouvidos pelo Broadcast afirmam que, além de uma baixa mais expressiva da moeda americana no exterior a partir de dados mais fracos de emprego e inflação nos EUA, apenas um sinal mais forte de compromisso com o arcabouço fiscal e o fim dos ataques de Lula ao BC podem dar algum fôlego ao real.

Segundo a "Coluna do Estadão", do jornalista Eduardo Gayer, aliados do presidente tem pedido que o governo antecipe a indicação do substituto de Campos Neto para tentar diminuir a tensão nos mercados. Do lado fiscal, fontes ouvidas hoje pelo Broadcast afirmam que a equipe econômica ainda tem e aberto o total de recursos que podem ser bloqueados enquanto aguarda a divulgação, no próximo dia 22, do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas. Por ora, especula-se com um bloqueio em torno de R$ 10 bilhões.

Ibovespa

Apesar do prosseguimento da pressão no câmbio, que colocou o dólar a R$ 5,70 na máxima desta terça-feira, o Ibovespa avançava para a linha dos 125 mil pontos, cedida nos ajustes finais, pouco acima da estabilidade no fechamento e no maior nível desde 22 de maio, então aos 125.650,03. Hoje, o índice da B3 oscilou dos 124.310,24 aos 125.490,73 pontos, saindo de abertura aos 124.720,19 pontos. Ao fim, mostrava leve ganho de 0,06%, aos 124.787,08 pontos, com giro a R$ 20,0 bilhões. Na semana e no mês, sobe 0,71%, limitando a perda do ano a 7,00%.

Ao comentar a alta do dólar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve as baterias voltadas nesta terça-feira ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem acusou de viés político - e que, dessa forma, não deveria estar à frente da instituição, no entender de Lula. O mandato de Campos Neto termina no fim do ano, e o mercado segue auscultando sinais, até aqui desfavoráveis, sobre como ficará a autarquia no ano que vem, sob fogo cerrado de Lula e do PT nas últimas semanas.

A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, afirmou hoje que Campos Neto seria o responsável por suposto ataque especulativo ao real, e que a autoridade monetária estaria de "braços cruzados", sem fazer operações no mercado de câmbio para conter a desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar.

Em contraponto a Lula e Gleisi, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, procurou garantir que não há nada que o governo esteja planejando no sentido de conter o câmbio, mas que é preciso "acertar a comunicação" sobre a autonomia do Banco Central e a "rigidez" do arcabouço fiscal. Haddad fez referência à declaração dada pelo presidente Lula mais cedo - que, na avaliação do ministro, "elogiou" o arcabouço e a autonomia da autoridade monetária. Para Haddad, é esse encaminhamento que irá "tranquilizar" as pessoas.

Para além da boa vontade de bombeiro que analistas ainda atribuem a Haddad, as declarações políticas contra a autonomia do BC têm aprofundado a desconfiança do mercado quanto às intenções do governo sobre as contas públicas, punindo especialmente câmbio e juros futuros, com a imposição de mais prêmios frente à incerteza que tem se enraizado para 2025. Ante o fogo cerrado, o Ibovespa tem conseguido, até aqui, defender a recuperação iniciada na segunda quinzena de junho - mas o fôlego tende a ser encurtado pela pressão derivada do enfraquecimento do real e da imposição de prêmios crescentes na curva do DI.

"Ainda que se queira atuar sobre a Selic com imediatismo, o que conta, no fim do dia, é a ponta longa da curva de juros, que tem mostrado mais exigência de prêmio pelo mercado. Se não tem boa indicação sobre o fiscal, isso não muda. E o ajuste pelo lado das despesas já mostrou seus limites, é preciso cortar gastos", observa Cesar Mikail, gestor de renda variável na Western Asset.

Na B3, o dia foi misto para Petrobras (ON +0,27%, PN -0,31%) e negativo, mas moderadamente, para Vale (ON -0,33%) no fechamento, os carros-chefes do Ibovespa. Por sua vez, os grandes bancos operaram na maioria em alta, movimento que chegou a ensaiar um pouco mais de dinamismo em direção ao encerramento, à exceção de Bradesco (PN -0,16%) - destaque para Itaú (PN +1,30%, na máxima do dia no fechamento). Na ponta ganhadora, PetroReconcavo (+5,49%), BRF (+2,56%) e Minerva (+2,39%). No lado oposto, CVC (-7,69%), Cogna (-7,26%) e São Martinho (-4,79%).

Hoje, o minério de ferro e o petróleo não caminharam na mesma direção - com o primeiro ainda em alta em Dalian, na China, de 1,44%, e a commodity de energia em baixa em Londres (Brent) e Nova York (WTI). Ainda assim, até aqui na semana, o desempenho do setor metálico e de energia tem sido um contraponto importante à performance ainda majoritariamente negativa do setor financeiro, à exceção, entre os grandes bancos, de Itaú (PN +0,83% na semana).

Mesmo com a baixa entre 0,4% (Brent) e 0,7% (WTI) nesta terça-feira, "o petróleo permanece próximo da máxima em dois meses, devido às tensões no Oriente Médio e a preocupações com o início da temporada de furacões no Atlântico", observa em nota a Guide Investimentos. Por sua vez, "o minério de ferro mantém-se próximo do fechamento mais alto em cerca de um mês, enquanto os investidores avaliam as perspectivas de demanda e se a China implementará novas medidas para o setor imobiliário", acrescenta a Guide.

"Apesar de não fazer tanto preço na Bolsa, com o mercado se acostumando à instabilidade política e às inseguranças fiscais, o dólar seguiu em trajetória altista hoje, em meio à insistente despreocupação do governo com o déficit fiscal, o que faz com que os investidores sigam em retirada", diz Felipe Castro, sócio da Matriz Capital, destacando que o giro financeiro na B3 deve se enfraquecer nas próximas sessões com o feriado de 4 de julho nos EUA.

Juros

Os juros futuros fecharam a terça-feira em queda. As taxas mostraram alívio durante a tarde, numa aparente acomodação das tensões que perturbaram a curva e o câmbio pela manhã. O dólar zerou o avanço na segunda etapa, o que abriu espaço para uma correção nas taxas, que vinham operando em níveis bastante elevados. O movimento, porém, é visto como uma pausa para respiro, uma vez que os receios com a possibilidade de medidas mais heterodoxas na economia não se dissiparam, em meio à queda de braço entre o presidente Lula e o Banco Central e a falta de avanço na questão fiscal.

No fechamento, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 estava em 10,765%, de 10,838% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2026 estava em 11,66%, de 11,77%. O DI para janeiro de 2027 tinha taxa de 11,97%, na mínima, de 12,07%, e a do DI para janeiro de 2029 projetava 12,33%, de 12,38%.

Até meados da tarde, as taxas operavam em alta firme, acompanhando a pressão do câmbio e refletindo temores de intervenção do governo na economia, na esteira de novas declarações do presidente Lula. À Rádio Sociedade, em Salvador, ele disse que estava preocupado com a subida do dólar. Segundo ele, o governo tem de agir em relação à situação sobre a suposta especulação contra o real. "Nós temos de fazer alguma coisa", disse.

A fala levantou temores de que o governo pudesse adotar medidas de controle de capital para estancar a disparada da moeda americana, o que fez o dólar subir ainda mais, levando a cotação para a máxima de R$ 5,7009. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, veio a público afirmar que não há medidas relativas à adoção de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em operações de câmbio. Ele garantiu que não há nada que o governo planeje fazer além de "acertar a comunicação" sobre a autonomia do Banco Central" e a "rigidez" do arcabouço fiscal.

A piora do câmbio levou junto as taxas, até porque o dólar perto de R$ 5,70 vai estimulando as apostas de retomada do ciclo de aperto monetário. No meio da tarde, o mercado melhorou e o dólar passou a cair, levando consigo a curva de juros. O dólar acabou voltando a subir no fechamento, para R$ 5,6648, mas longe da máxima a R$ 5,70.

Segundo a Coluna do Estadão, aliados do presidente Lula têm defendido que o governo antecipe sua indicação à presidência do Banco Central com o objetivo de frear a disparada do dólar, o que também reduziria bastante a volatilidade na curva de juros.

Para o economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, não se pode afirmar que as taxas estão em níveis exagerados diante do problema fiscal que ele classifica como "grave" e do risco de retomada do aperto monetário. "Se o Copom precisar subir juros, as taxas ainda têm espaço para avançar", afirma.

Pelo lado fiscal, o mercado clama por ações efetivas no âmbito dos gastos. "É preciso medidas concretas e decisivas para a contenção. A estratégia pelo lado das receitas se esgotou", diz Fonseca.

Desse modo, o mercado não se deixou levar pelas declarações da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que sinalizou que começará a colocar em prática a prometida agenda de revisão de gastos, com apresentação de um primeira proposta de ajustes a Lula, que, segundo ela, "vão ao encontro da vontade política", descartando medidas como desvinculação do salário mínimo da aposentadoria.

Passou sem impacto nos preços a determinação da Aneel de reduzir as tarifas da Enel SP, a partir da próxima quinta-feira, 4 de julho. A redução será em média de 2,43% para os consumidores. Economistas calculam impacto entre 0,03 e 0,04 ponto porcentual na inflação de julho, o que vai ajudar a amenizar o impacto da adoção da bandeira amarela também a partir desde mês.


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