VIOLÊNCIA SEXUAL
Alagoas registra 19 casos contra crianças e adolescentes
Números são referentes ao período de março a maio deste ano
Há 20 anos, o dia 18 de maio é marcado pela luta no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. A data não foi escolhida à toa. Ela homenageia a menina Araceli Sánchez Crespo, assassinada aos 8 anos, no dia 18 de maio de 1973, em Vitória, no Espírito Santo. Ela foi raptada, torturada, estuprada e morta por jovens de classe média alta daquela cidade, que acabaram inocentados. O crime até hoje está impune. O caso emblemático virou símbolo da luta contra crimes de pedofilia e exploração sexual de crianças e adolescentes.
Para o psicólogo Robson Menezes, coordenador técnico do Conselho Regional de Psicologia, o que acontece é que esse número não tem uma perspectiva de redução. "Existe muita impunidade frente a esse crime, pelo silêncio das vítimas, isso acaba estimulando a continuidade, além da dificuldade da comprovação do crime. Muitas vezes é difícil essa comprovação, acontece entre uma criança e um adulto sem ninguém presente e nem sempre deixa marcas no corpo. Isso resulta no embate da palavra da criança contra a palavra do adulto. Aí o adulto não tem antecedentes criminais, a criança muitas vezes está confusa, diante disso, o crime acaba ficando sem punição". Ele pontua que estes e outros fatores estimulam o aumento desses registros, mesmo com tanta campanha de conscientização.
O balanço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) aponta que violência sexual contra crianças e adolescentes correspondeu a 11% dos 159 mil registros feitos pelo canal de denúncias do governo, ao longo de 2019. Ao todo, no último ano, foram mais de 17 mil ocorrências desta natureza. Em 2018, a pasta registrou 76 mil vítimas em todo Brasil.
Ainda de acordo com o ministério, em 73% dos casos, o abuso sexual ocorre na casa da própria vítima ou do suspeito e é cometido por pai ou padrasto em 40% das denúncias, o que preocupa ainda mais durante este período de isolamento social por causa da pandemia do novo Coronavírus.
"Considerando que o agressor prioritariamente é uma pessoa acessível à família e considerando que elas estão agora mais próximas, há uma perspectiva do aumento dos casos de abusos. Ainda não há a confirmação por não termos dados concretos. Ao mesmo tempo, também temos o entendimento de que mesmo com essa aproximação, o cenário de denúncia diminui pelo fato de que as crianças não estão na escola. Muitas vezes esse abuso é constatado na escola pela mudança do comportamento, através dos educadores, e dos professores e aí a denúncia acontece através de terceiros. Essa criança dentro de casa, pode ser que fique ainda mais difícil, por não ter ninguém fora desse ciclo familiar para conseguir identificar e fazer a denúncia", constatou o psicólogo.
Segundo dados do Fórum de Segurança Pública, entre 2017 e 2018, quatro meninas de até 13 anos são estupradas a cada hora no país. Em 2018, o país também bateu o triste recorde de ocorrências de abuso sexual infantil: 32 mil vítimas.
Em Alagoas, de acordo com dados do Tribunal de Justiça (TJAL), de março a maio de 2019 foram registrados 14 casos - entre abuso, assédio, favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual. Este ano, no mesmo período, foram registrados 19 casos. Atualmente, existem 88 processos em tramitação, ainda aguardando conclusão.
Para o psicólogo, mesmo com estes números, os dados ainda são muito distantes da realidade social. "Quando a gente pensa no cenário do abuso sexual infantil precisamos entender que o que sempre é apresentado como dado, é subnotificação. Mesmo que a gente tenha um cenário do Disque 100, que de 2011 a 2017 recebeu 200 mil denúncias, isso é subnotificado. Abuso sexual é um crime silencioso; muitas vezes o crime acontece dentro da casa das pessoas e o agressor pode ser um parente e a situação acaba se resolvendo dentro de casa mesmo. O agressor pode até ser afastado, ou então o crime é silenciado". Segundo ele, o discurso é ou para preservar a vítima, para que ela não seja exposta à sociedade como uma vítima da violência sexual, ou para preservar o próprio agressor, que mesmo cometendo aquele crime ainda é um membro da família.
O TJAL divulgou também que nos últimos 18 meses, 162 acusados foram condenados à prisão pela 14ª Vara Criminal da Capital por crime de exploração sexual de crianças e adolescentes.
“A maioria foi condenada pela prática de estupro de vulnerável”, explica a juíza Juliana Batistela.
“É preciso ensinar as crianças, em linguagem acessível e respeitando sua faixa etária, quais são as partes íntimas do corpo, ensinando-lhes que, nesses locais, não se pode deixar as pessoas tocarem, a não ser as pessoas responsáveis pela sua limpeza, sendo dever dos pais indicar quem são essas pessoas e como deve ser realizado cada ato”, destacou.
SINAIS
Para Menezes, os sinais que as crianças e adolescentes apresentam são variáveis. "A gente não pode acreditar que toda criança ou adolescente vai apresentar o mesmo tipo de sinal porque precisamos entender como eles percebem o abuso. Temos o cenário de crianças que sofrem o abuso e que entendem que aquilo é uma violência, e outras crianças que têm um vínculo afetivo tão forte com esse agressor que não conseguem entender aquilo como uma violência, e pior, muitas vezes criam um vínculo ainda maior, porque tem o contato, a carícia. O agressor entende que ele está cometendo um crime, a vítima não, isso resulta em uma violência ainda mais silenciosa".
Ele pontua que a criança pode vir a perceber posteriormente, por isso que a literatura descreve que existem cenários e dados durante esse período que ela está sendo abusada - dificuldade de aprendizagem, perda de apetite, insônia, agressividade, comportamento ansioso -, e existem os sintomas pós-abuso, que acontecem na adolescência - automutilação, tentativa se suicídio, tentativa de fugir de casa, desprezo ao próprio corpo -, consequências de uma agressão que ela recebeu na infância, e teve que silenciar.
O psicólogo defende a importância da orientação sexual na escola em especial na primeira infância, pois ela pode auxiliar o discernimento, para que a criança consiga identificar o que é um ato carinhoso e o que é um abuso sexual. "Esse professor que fará as instruções, também pode ser aquele que consegue coletar a informação, pois representa uma figura de segurança, fora do leito familiar, e acaba sendo a pessoa que pode levar a informação para o conselho tutelar por exemplo".
LEIS
Além da Lei Federal nº 9.970 de 2000 que determinou o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, existe a Lei nº 11.829, de 2008, oriunda do projeto de lei do Senado (PLS) 250/2008, que prevê oito anos de reclusão mais multa pela posse de material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes. A pena é aumentada em um terço se o abusador tiver proximidade ou parentesco com a vítima, como pais, tios, padrastos, por exemplo.
Em 2009 foi sancionada a Lei nº 12.015, que trata dos crimes contra dignidade sexual. Essa lei determina o estupro de vulnerável como tipo penal da constituição brasileira e substituiu o antigo artigo 224 do Código Penal, que por sua vez tratava da presunção de violência. Com o novo crime, a presunção de violência passa a ser, em tese, absoluta, e não mais relativa.
A mesma lei também foi responsável pela alteração no texto do crime de corrupção de menores, incluindo o abuso sexual de menores no rol dos crimes hediondos e estabelecendo pena de 8 a 15 anos de prisão para quem tiver conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos. A exceção é apenas dos casos de prostituição.