INSPIRAÇÃO
Enem 2024: leia as redações de alagoanos que já tiraram nota mil
De 2019 a 2023, quatro estudantes de Alagoas conquistaram nota máximaO primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) acontece neste domingo, 3. Este ano, 88.803 estudantes de Alagoas se inscreveram para fazer a prova. O número é maior que a edição anterior, que teve 82.762 inscritos.
As provas acontecem em dois domingos consecutivos. No dia 3, serão aplicados os testes de linguagens, ciências humanas e a redação, que é temida por muitos estudantes. A redação do Enem possui como característica uma discussão sobre assuntos de interesse público e de cunho social, científico, cultural ou político.
Conforme explicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aplicador do Enem, as competências exigidas são:
● Domínio da escrita formal da língua portuguesa (ortografia e gramática);
● Compreensão do tema proposto e da estrutura do texto, que deve ser dissertação-argumentativa;
● Organização das ideias com a apresentação do ponto de vista e de argumentos, já no início do texto;
● Coerência e Coesão, onde são avaliados o uso adequado de recursos para fazer a conexão entre as partes do texto e a estrutura sintática;
● Proposta de intervenção para o problema abordado, com uma ou duas medidas sociais para resolver o problema, respeitando os direitos humanos.
De 2019 até 2023, apenas quatro alagoanos conseguiram tirar nota mil na redação do Enem. Em 2019, duas estudantes tiraram a nota máxima. Em 2020, apenas uma estudante conseguiu a tão sonhada nota mil. Em 2021, Alagoas não obteve nota máxima na redação. Em 2022, um alagoano conseguiu tirar mil pontos e, em 2023, novamente nenhum alagoano “fechou” a prova.
Para inspirar quem vai fazer o Enem, o EXTRA separou três redações de alagoanos nota mil nos últimos cinco anos. Confira:
Enem 2019
Em 2019, duas estudantes conquistaram nota mil na redação do Enem. Aldillany Maria e Nathalia Vital. Aldillany Maria tinha 20 anos quando conquistou a nota máxima na redação do Enem. Moradora de Girau do Ponciano, no Agreste de Alagoas, ela também conseguiu duas notas máximas nas redações dos vestibulares 2019 e 2018 da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal). Aldillany concluiu o ensino médio no Instituto Federal de Alagoas (Ifal) em 2016 e tinha o sonho de cursar Medicina. Como preparação para a prova, ela fez um curso pré-vestibular em Arapiraca e um curso online de redação, além de muito treino em casa.
O tema da redação foi "Democratização do acesso ao cinema no Brasil". Leia a redação de Aldillany Maria:
A Constituição brasileira de 1988 assegura a todos os indivíduos o amplo acesso aos bens culturais do país. No entanto, na prática, tal garantia é deturpada, visto que o contato com a cultura - por meio dos cinemas - não se encontra efetivado na sociedade nacional. Esse cenário nefasto ocorre não só em razão do deficitário incentivo à valorização cultural nas escolas, mas também devido à excessiva mercantilização da cultura. Logo, faz-se imperiosa a análise dessa conjuntura, com o intuito de mitigar os entraves para a consolidação dos direitos constitucionais.
Em primeira análise, vale destacar que durante o Renascimento Cultural - movimento artístico e intelectual ocorrido na transição da Idade Média para a Idade Moderna - a cultura era valorizada e usada como uma maneira de transmitir conhecimentos. Hodiernamente, entretanto, essa situação é pouco observada na sociedade brasileira, uma vez que o acesso ao cinema, como forma de expandir a construção dos saberes, encontra-se pouco ampliado. Esse panorama lamentável acontece porque a maioria das escolas, instituições essenciais para a formação de indivíduos engajados culturalmente, interessa-se geralmente apenas pela transmissão de conteúdos técnicos, negligenciando o estímulo às habilidades socioculturais. Evidencia-se, portanto, que a restrita ida aos cinemas relaciona-se com o deficitário incentivo ao contato com essa modalidade de entretenimento por parte dos colégios.
Ademais, vale ressaltar que, de acordo com os sociólogos da Escola de Frankfurt, a cultura tornou-se um instrumento voltado para a obtenção de lucros. Nesse viés, a excessiva mercantilização dos bens culturais, como os cinemas, segrega periferias, nas quais grande parte da população é desprovida de amplos recursos financeiros para acessar tais meios de lazer. Desse modo, pela óptica frankfurtiana, fere os princípios constitucionais e impede a democratização do acesso a esse meio de entretenimento.
Verifica-se, então, a necessidade de ampliar o acesso ao cinema no Brasil. Para isso, faz-se imprescindível que o Ministério da Educação e da Cultura, por intermédio de minicursos, instrua os educadores - especialmente os docentes em sociologia, haja vista o conhecimento cultural inerente a tal curso - a elucidar em suas aulas a importância da valorização dos bens culturais para a ampliação do conhecimento, a fim de estimular os alunos a irem aos cinemas. Paralelamente, precisa-se que a sociedade civil organizada, medidor judiciário a aprová-los, com o objetivo de democratizar o acesso a esses meio de entretenimento. Assim, torna-se-á possível a construção de uma do sociedade permeaqda pela efetivação elencados na Carta Magna.
Enem 2020
Na edição seguinte, a jovem Nathaly Nobre tirou uma das 28 notas mil na redação entre os mais de 2,7 milhões de candidatos que compareceram à prova. Foi a quarta vez que a alagoana fez o Enem. À época, Nathaly, que tinha o sonho de cursar medicina, disse que a nota foi uma recompensa de anos de preparação. Para a estudante, o segredo de uma boa redação está em usar palavras-chave associadas aos repertórios que são adquiridos, selecionar bem todos os argumentos e desenvolver.
O tema da redação foi "O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira". Leia a redação de Nathaly Nobre:
A obra cinematográfica brasileira “Nise: O Coração da Loucura” retrata a luta de Nise da Silveira pela redução dos estigmas nas alas psiquiátricas e nas formas de tratamento enfrentadas por pacientes com enfermidades mentais, na medida em que desumanizavam estes. Nesse contexto, é evidente a perpetuação do preconceito em relação às doenças psíquicas, pois são, em sua maioria, menosprezadas e omitidas no cenário moderno do Brasil. Assim, faz-se necessário investir em educação voltada à questão da saúde mental, bem como romper com paradigmas da forma de vida contemporânea.
A princípio, sob a óptica do filósofo grego Aristóteles, a educação é um caminho fundamental para a formação da vida pública, à proporção que coopera para o bem-estar da cidade. Diante dessa perspectiva, a manutenção da estrutura deficitária da propagação de conteúdo de saúde mental, na sociedade brasileira, agrava o desenvolvimento de doenças psíquicas, visto que retira do cidadão o acesso ao conhecimento. Portanto, a não ministração de aulas e de eventos os quais abordem sobre essa temática promove, lamentavelmente, a disseminação de tabus falaciosos e a redução da busca por tratamento adequado - ao passo que o crescimento das enfermidades é avassalador.
Além disso, o modo de vida extremamente exaustivo atual é catalisador da problemática, uma vez que nega o cultivo das práticas do autocuidado em prol do máximo rendimento. De maneira análoga, de acordo com Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, em seu ensaio “Sociedade do cansaço”, vive-se a insana procura do ser humano pela alta produtividade em quaisquer meios, mesmo que retire dele os prazeres e a sanidade física e mental. Destarte, há a banalização do aspecto psíquico, porquanto é visto como desnecessário na vivência hodierna e, por conseguinte, a ansiedade e a depressão são absurdamente neutralizadas em razão das poucas políticas públicas incentivadoras e conscientizadoras
Logo, cabe ao Ministério da Educação o investimento em aulas específicas sobre a saúde mental, por meio de Planos Nacionais da Educação e de eventos tanto escolares quanto ao grande público, haja vista a importância do máximo alcance possível, com a ministração de psicólogos e psiquiatras, a fim de garantir a visão aristotélica e de romper com os tabus preconceituosos. Ademais, o Estado deve promover políticas públicas de incentivo ao autocuidado, a exemplo de espaços destinados ao convívio humano e ao bem-estar, com o fito de quebrar com os paradigmas vivenciados por Nise da Silveira.
Enem 2022
Depois de um ano de jejum, Alagoas voltou a ter um representante com nota mil na redação do Enem. Luís Felipe tinha 24 anos e já era formado em Engenharia de Petróleo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) quando tirou a nota máxima na prova. Ele decidiu fazer o Enem porque queria mudar de carreira e cursar medicina e esta foi sua terceira tentativa para ingressar no curso. À época, Luis disse que o ano inteiro foi dedicado apenas aos estudos e a prova de redação teve um preparo exaustivo com muito simulado, correção e reescrita.
O tema da redação foi "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil". Leia a redação de Luís Felipe:
O poeta modernista Oswald de Andrade relata, em "Erro de Português", que, sob um dia de chuva, o índio foi vestido pelo português - uma denúncia à aculturação sofrida pelos povos indígenas com a chegada dos europeus ao território brasileiro. Paralelamente, no Brasil atual, há a manutenção de práticas prejudiciais não só aos silvícolas, mas também aos demais povos e comunidades tradicionais, como os pescadores. Com efeito, atuam como desafios para a valorização desses grupos a educação deficiente acerca do tema e a ausência do desenvolvimento sustentável.
Diante desse cenário, existe a falta da promoção de um ensino eficiente sobre as populações tradicionais. Sob esse viés, as escolas, ao abordarem tais povos por meio de um ponto de vista histórico eurocêntrico, enraízam no imaginário estudantil a imagem de aborígenes cujas vivências são marcadas pela defasagem tecnológica. A exemplo disso, há o senso comum de que os indígenas são selvagens, alheios aos benefícios do mundo moderno, o que, consequentemente, gera um preconceito, manifestado em indagações como “o índio tem ‘smartphone’ e está lutando pela demarcação de terras?” – ideia essa que deslegitima a luta dos silvícolas. Entretanto, de acordo com a Teoria do Indigenato, defendida pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, o direito dos povos tradicionais à terra é inato, sendo anterior, até, à criação do Estado brasileiro. Dessa forma, por não ensinarem tal visão, os colégios fometam a desvalorização das comunidades tradicionais, mediante o desenvolvimento de um pensamento discriminatório nos alunos.
Além disso, outro desafio para o reconhecimento desses indivíduos é a carência do progresso sustentável. Nesse contexto, as entidades mercadológicas que atuam nas áreas ocupadas pelas populações tradicionais não necessariamente se preocupam com a sua preservação, comportamento no qual se valoriza o lucro em detrimento da harmonia entre a natureza e as comunidades em questão. À luz disso, há o exemplo do que ocorre aos pescadores, cujos rios são contaminados devido ao garimpo ilegal, extremamente comum na Região Amazônica. Por conseguinte, o povo que sobrevive a partir dessa atividade é prejudicado pelo que a Biologia chama de magnificação trófica, quando metais pesados acumulam-se nos animais de uma cadeia alimentar – provocando a morte de peixes e a infecção de humanos por mercúrio. Assim, as indústrias que usam os recursos naturais de forma irresponsável não promovem o desenvolvimento sustentável e agem de maneira nociva às sociedades tradicionais.
Portanto, é essencial que o governo mitigue os desafios supracitados. Para isso, o Ministério da Educação – órgão responsável pelo estabelecimento da grade curricular das escolas – deve educar os alunos a respeito dos empecilhos à preservação dos indígenas, por meio da inserção da matéria “Estudos Indigenistas” no ensino básico, a fim de explicar o contexto dos silvícolas e desconstruir o preconceito. Ademais, o Ministério do Desenvolvimento – pasta instituidora da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – precisa fiscalizar as atividades econômicas danosas às sociedades vulneráveis, visando à valorização de tais pessoas, mediante canais de denúncias.