sétima arte
Filme alagoano financiado pela Lei Paulo Gustavo retrata a luta quilombola
"O Som da Serra" resgata a força ancestral de um povo que nunca se rendeu
Em tempos onde a luta por terra, dignidade e reconhecimento permanece viva nas comunidades quilombolas do Brasil, nasce 'O Som da Serra', um longa-metragem que ousa conectar o passado heroico de Zumbi dos Palmares com as batalhas cotidianas de hoje. Apoiado pela Lei de Incentivo Paulo Gustavo da Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (Secult) e produzido pela Dbox Studio, o filme de Derick Borba não é apenas cinema – é um manifesto de resistência filmado no coração histórico da liberdade negra no Brasil.
As câmeras já começaram a rodar no começo do mês de agosto entre as ruas de Maceió e vão ser gravadas também nas terras sagradas de União dos Palmares, onde cada pedra, cada árvore, cada trilha carrega a memória de quem ousou sonhar com a liberdade quando ela era crime. O filme transita entre as periferias urbanas, onde a luta por dignidade continua, e os sítios históricos onde Zumbi, Dandara, Aqualtune e Domingos escreveram com sangue e coragem as primeiras páginas da resistência negra organizada nas Américas.
'O Som da Serra' narra a jornada de Luciano, um jovem serralheiro que descobre uma trama de falsificação de mapas ancestrais – uma metáfora dolorosamente atual para as constantes tentativas de apagamento da história e dos direitos quilombolas. Ao lado de Daniela, uma agente federal disfarçada, ele enfrenta não apenas criminosos, mas um sistema que há séculos tenta negar aos descendentes de quilombolas o direito à terra que seus ancestrais conquistaram com a própria vida.
A narrativa espelha uma realidade brutal: ainda hoje, comunidades remanescentes de quilombos enfrentam grileiros, especuladores imobiliários e a burocracia que nega seus direitos constitucionais. O filme mostra que a luta de Zumbi não terminou em 1695 – ela apenas mudou de forma, mas mantém a mesma essência: a busca por justiça, terra e reconhecimento. Para Derick Borba, que assina roteiro, direção, fotografia e montagem, este não é apenas um filme – é o projeto de uma vida inteira:
“Este é o filme da minha vida, literalmente. Nasci e cresci nesta terra, caminhei pelas mesmas trilhas onde Zumbi resistiu, respirei o mesmo ar que Dandara respirou. União dos Palmares carrega uma energia histórica única no mundo, mas é criminalmente subvalorizada. Nosso próprio povo, muitas vezes, não conhece a grandeza do que temos aqui. Turisticamente, historicamente, culturalmente – somos um tesouro escondido."
“Quando vejo as desigualdades sociais que persistem, o preconceito que ainda mata, as apropriações de terra que continuam acontecendo, entendo que a luta dos nossos ancestrais não foi em vão, mas também que ela está longe de terminar. 'O Som da Serra' é minha forma de dizer: a resistência continua, e ela tem rosto, tem nome, tem endereço. Ela mora na periferia de Maceió, trabalha como serralheiro, estuda em escola pública, mas carrega no peito a mesma coragem que fez Palmares resistir por quase um século”.
Palmares: Território Sagrado da Resistência
União dos Palmares não é apenas uma cidade – é um símbolo mundial de resistência negra. Por 67 anos, entre 1630 e 1697, ali funcionou o maior quilombo das Américas, uma república negra que chegou a ter 30 mil habitantes e desafiou o sistema escravocrata colonial. Era uma sociedade organizada, com agricultura, artesanato, comércio e, principalmente, liberdade.
Hoje, as comunidades quilombolas de Alagoas ainda lutam pelo reconhecimento de seus territórios. Segundo dados da Fundação Cultural Palmares, o estado possui 60 comunidades quilombolas certificadas, mas apenas uma pequena parcela teve seus territórios titulados. A grilagem de terras, a especulação imobiliária e a falta de políticas públicas efetivas mantêm essas comunidades em constante ameaça.
'O Som da Serra' chega em um momento crucial. Com a atriz Aline Marta recém-premiada como Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado, o filme já demonstra sua potência artística. Mas sua ambição vai além dos prêmios: quer ser uma ferramenta de conscientização e transformação social.
O longa retrata com realismo as estratégias contemporâneas de expulsão de comunidades tradicionais: documentos falsificados, pressão psicológica, promessas vazias de indenização. São métodos que ecoam as antigas estratégias coloniais de dominação, adaptadas aos tempos atuais.
Ficha Técnica: Uma Produção Genuinamente Alagoana
Equipe Técnica:
Roteiro, Direção, Direção de Fotografia e Montagem: Derick Borba
Direção Executiva e Arte: Moara Barbosa
Produção: Juliana Fazio
Assistente de Produção: Bruna Laís
Assistente de Câmera: Kairo Macena
Gaffer: Anthony Northrup
Assistente de Elétrica e Maquinário: Fábio Torres
Som Direto: Emmanuel Sapulha
Maquiagem: Gabi Gomez
Platô: Topeira
Preparação de Elenco: Ticiane Simões
Making of Still: Matheus Monstro
Elenco:
Atrizes: Aline Marta (premiada em Gramado), Ivana Iza, Laila Vieira, Paula Quintinos, entre outras
Atores: Aldo Vinícius, Gustavo Gomes, Nivaldo Nascimento, Chico de Assis, entre outros
Produção: Dbox Studio
Apoio: Lei de Incentivo Paulo Gustavo - Secult/AL