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PRF: aliado de Bolsonaro, Luciano Hang enviou caminhões para ato golpista

Hang é um dos empresários que ficaram conhecidos por incentivar a greve de caminhoneiros em 2018
Por Com Agências 09/11/2022 - 21:09
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Divulgação
Documento PRF aponta que caminhões a serviço da Havan foram enviados para os bloqueios
Documento PRF aponta que caminhões a serviço da Havan foram enviados para os bloqueios

Luciano Hang, um dos mais fiéis aliados de Jair Bolsonaro (PL) nos últimos quatro anos, e outros empresários catarinenses, como Emílio Dalçoquio, que ficou conhecido por incentivar a greve de caminhoneiros em 2018, tiveram ativa participação nas manifestações golpistas que acontecem no estado desde o dia 30 de outubro. A apuração é da A Agência Pública, baseada em um documento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que aponta que caminhões a serviço da Havan foram enviados para os bloqueios.

Os bloqueios nas estradas contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aconteciam desde o resultado das eleições, haviam perdido força em grande parte do país no dia 2 de novembro, mas Santa Catarina ainda registrava o maior número de paralisações.

Em um restaurante de Brusque, em Santa Catarina, Luciano Hang parabenizou os comensais que participaram de atos pró-golpe no feriado de Finados: “O Brasil precisa de mais gente como todos vocês, que vão para a luta, não aceitam o errado como verdadeiro. Temos ainda alguma chance, não sei mais, se eles tomarem o poder acabou, pessoal”.

O dono da rede de lojas Havan concluiu sua fala confiante na mudança do rumo do resultado das eleições: “agora, ainda acho que dá tempo, vamos esperar tá”. 

Hang e Dalçoquio participavam de um grupo de WhatsApp de empresários bolsonaristas em que foi defendido um golpe de estado caso Lula ganhasse a eleição. O episódio foi revelado pelo colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, em agosto. Os dois também são aliados do governador eleito com o apoio do presidente, Jorginho Mello (PL-SC), e tiveram papel importante na campanha de Jair Bolsonaro em Santa Catarina – Luciano Hang doou R$ 1,02 milhão a Bolsonaro. O presidente teve 69,27% dos votos no estado.

Também próximo de Dalçoquio e Hang, o dono do grupo Luke – que dentre outras atividades, fornece peças e acessórios para caminhões – Luiz Henrique Crestani, fez questão de publicizar o apoio às manifestações contra a democracia. Ele postou nos stories do Instagram no dia primeiro, que os veículos de sua empresa estavam nos bloqueios: “Nossos caminhões da @lukelogistica estão parados em Palma Sola”, escreveu. Crestani também divulgou fotos suas nos atos. Procurado, ele disse que não tem interesse em se manifestar à Pública.

Os protestos também ganharam a adesão de dezenas de donos de negócios de médio porte e comerciantes que baixaram as portas e coagiram funcionários a participar das paralisações. Para citar um exemplo, a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Canoinhas publicou uma nota em 3 de novembro conclamando os associados a fecharem seu comércio ou liberarem seus empregados a participarem do “movimento”. O locaute, como é chamada a paralisação dos empresários, é crime no Brasil e o Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (MPT) está investigando o caso.

Procuradores de Santa Catarina, São Paulo e Espírito Santo informaram nesta terça-feira (8/11) ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, ter identificado a participação de empresários no financiamento dos atos antidemocráticos. “Há uma grande organização criminosa com funções pré-definidas, financiadores, arrecadadores, como é de conhecimento público, tem vários números de pix”, afirmou o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo durante coletiva de imprensa. Segundo ele, há suspeitas de que existe uma organização em nível nacional.

Santa Catarina teve o maior número de registros de bloqueios de rodovias em todo o país, chegando a 41 na segunda-feira (31). O estado de origem do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, também foi onde ocorreram ao menos dois flagrantes de policiais rodoviários apoiando os atos.

Um policial da PRF no estado contou à reportagem sob condição de anonimato, que o setor de inteligência do órgão já havia detectado antes das eleições que ocorreriam os bloqueios, mas nada foi feito. A Pública mostrou que o fechamento das estradas estava sendo articulado nas redes sociais semanas antes da votação e, segundo o policial de Santa Catarina, a PRF estava ciente dessa movimentação. Mesmo assim, de acordo com ele, o comando estadual optou por não convocar um efetivo maior de policiais para o período pós-eleitoral.

“Eu e mais um colega ficamos responsáveis sozinhos por um trecho de cerca de cem quilômetros que tinha múltiplos bloqueios. Sem estrutura era impossível enfrentar os manifestantes. Em um momento que tentamos negociar eles partiram agressivamente para cima de nós e precisamos correr para não sofrermos agressões”, relatou sobre a segunda-feira, 31 de outubro.

As lojas da Havan foram pontos de concentração dos protestos golpistas em Santa Catarina. Na terça-feira, após as suspeitas de que Luciano Hang estaria apoiando os atos, a empresa emitiu uma nota negando sua participação. No entanto, um documento da PRF ao qual tivemos acesso aponta o contrário.

O relatório da manhã de 31 de outubro registra que a Havan e Transben Transportes – transportadora da esposa, cunhado e sogro de Hang – além da Premix Concreto, “haviam deslocado veículos de carga até a manifestação no KM 83 e estavam presentes de forma organizada” no bloqueio da BR-101, na altura do município de Barra Velha (SC). Ali, o protesto foi em frente ao posto de combustível Maiochi, que fica próximo a uma loja da Havan e a uma das garagens da Transben.

Os funcionários da Transben entrevistados na garagem da empresa pela Pública negaram participação no fechamento das estradas.

A nota assinada por Hang publicada dia primeiro informa que o empresário não está envolvido, “se manifestando ou patrocinando movimentos de paralisação de estradas ou rodovias”. “Manifestações em frente às megalojas estão sendo organizadas de forma espontânea, sem qualquer vínculo com a Havan, ou com o empresário”, acrescenta.

Além do bloqueio onde oficiais da polícia rodoviária registraram a participação organizada de seus caminhões, ao menos outros quatro pontos de obstruções de vias em Santa Catarina foram realizados exatamente na frente das lojas de Luciano Hang – nos municípios de Itapema, Indaial, Palhoça e Rio do Sul.

Em Itapema, os manifestantes usaram o estacionamento e instalações da Havan para se abrigar, relatou uma funcionária à Pública. Em Palhoça, “a Havan deu cadeiras e bancos de plástico para os manifestantes, além de liberar os banheiros, energia elétrica para o som e o espaço do estacionamento”, relatou um funcionário da unidade. Nesta loja Havan, os apoiadores de Jair Bolsonaro começaram a se juntar logo após o resultado eleitoral, ainda na noite de 30 de outubro.

O mesmo aconteceu em Rio do Sul (SC) onde os manifestantes já planejavam desde a tarde de domingo (30) fechar a rodovia em frente à loja caso Bolsonaro perdesse – segundo relato de um morador à Pública. Na pequena cidade catarinense, a aglomeração de pessoas pedindo intervenção militar se estendeu por toda semana, contando com apoio de empresários da região.

Na semana passada, cerca de apenas uma hora após o resultado das eleições, aproximadamente 50 pessoas se aglomeravam no quilômetro 117 da BR 101, em frente ao posto Santa Rosa, que pertence a eles. Os manifestantes começaram a queimar paus, pneus, e minutos depois caminhões com toras de madeira, pneus e areia chegaram para dar apoio. Uma funcionária do hotel localizado nas proximidades foi agredida com socos e pontapés por ter se posicionado contrária aos protestos e a Jair Bolsonaro.

Bem perto dali, no domingo (30), em frente a outro posto dos Dalçoquio, surgia mais um grupo de pessoas que faziam o mesmo, impedindo os veículos de passarem na estrada que dá acesso à cidade de Itajaí.

Em um vídeo que passou a circular muito na semana anterior às eleições, Emílio Dalçoquio convoca o setor do agronegócio e os caminhoneiros a participar de protestos. “Agora vai ficar no coração de cada um aceitar o Brasil ser comunista ou não. Eu não aceito”, disse a um grupo de pessoas em um bar localizado em Itajaí. “Saiam daqui e vão defender o Brasil também, é isso que nós esperamos, porra”, acrescentou.

A Dalçoquio Transportes emitiu uma nota na terça-feira (1/11) referente ao vídeo, informando que “o que pensa ou não pensa o sr. Emílio Dalçoquio não retrata os pensamentos e interesses da administração da empresa”. “Até porque, o sr. Emílio Dalçoquio não ocupa assento na administração da organização, razão pela qual suas declarações são de cunho único e exclusivamente pessoal, não podendo ser associadas a Transportes Dalçoquio nessas aventuras retóricas”, diz a nota.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem recebido várias denúncias de casos de empregadores que financiam e impõe a seus trabalhadores a participação nos atos que atacam a democracia. Segundo Adriane Araújo, procuradora regional do trabalho, participar de bloqueios de estradas ou atos que contestam a ordem democrática configura crime por si só, mas, quando o empregador obriga o funcionário a participar de configura-se assédio em ambiente de trabalho.

“Essa prática é ilícita e gera responsabilidades, como pagamento de indenizações por danos morais coletivos e individuais, na esfera trabalhista”, explica. Já a participação em atos contra as instituições democráticas está prevista como crime na legislação penal e é passível de punição.

“Obrigar funcionários a participarem de tais atos é um ataque à dignidade humana, ao pluralismo político e ao princípio da igualdade”, diz Araújo. Segundo ela, o MPT está acompanhando os desdobramentos da participação de empresários nos bloqueios e irá apurar a responsabilidade das pessoas envolvidas.


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