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Brasil cai em ranking de países mais preparados para receber 'carros voadores'
O ranking da KPMG foi publicado pela primeira vez em 2021Talvez as palavras VTol e EVTol ainda não sejam tão comuns no vocabulário dos brasileiros, mas devem se tornar em breve. VTol é uma sigla em inglês para "vertical takeoff and landing", ou seja, "decolagem e pouso vertical", em tradução livre. São veículos aéreos para levar passageiros e cargas pelas cidades, muito menores que um helicóptero, e que podem ser autônomos ou controlados à distância.
O ranking da KPMG foi publicado pela primeira vez em 2021. Na ocasião, o Brasil apareceu em 25º entre 60 países, devido principalmente a problemas regulatórios, mas também por dificuldades em conseguir dados sobre o desenvolvimento da tecnologia no País.
Em 2022, com mais informações disponíveis, o Brasil subiu para a oitava colocação, antes de cair três lugares devido a problemas no tema "oportunidades de negócios", que mede turismo, maturidade do mercado de táxi aéreo, tráfego de passageiros e acomodação de passageiros, por exemplo.
As melhores pontuações do Brasil foram em aceitação do consumidor, tecnologia e inovação, nas quais ficou em quinto lugar. O desempenho foi bastante favorecido pelo desenvolvimento de um EVTol por parte da EVE, uma empresa subsidiária da Embraer. Por outro lado, a infraestrutura brasileira ficou em 16º lugar e no quesito "política e legislação", a avaliação brasileira foi da 34ª colocação. A liderança geral do ranking é dos Estados Unidos, seguidos por China e Reino Unido.
O Brasil tem um longo caminho a percorrer para garantir a segurança antes da popularização dos VTols e EVTols. Como se trata de uma área nova da aviação, ainda estão em discussão questões como as especificidades para que um aparelho possa voar, como serão as licenças para controladores e operadores de um equipamento e quais rotas poderão ser utilizadas.
Infraestrutura
A infraestrutura para os EVTols esbarra em problemas que já existem, como a superlotação do espaço aéreo de algumas grandes cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
"Será preciso criar rotas específicas, seguir corredores específicos, e ficar atento à instalação de capacidade de voos. Se introduzirmos uma quantidade, mesmo que pequena, de novos veículos, terá impactos no tráfego aéreo", cita Márcio Peppe, sócio-líder de Aviação da KPMG no Brasil e piloto.
Também será preciso avaliar questões como locais de decolagem e pouso - serão helipontos ou pequenas pistas? - e para manutenção e armazenamento dos VTols. São problemas crônicos em São Paulo e que se repetem no resto do Brasil. Segundo Peppe, como o orçamento público é limitado, a melhor opção seria abrir espaço para o setor privado poder investir nas questões físicas.
Contudo, elas não serão as únicas a serem tratadas. Como os aparelhos devem ser conectados à internet e receber dados por meio dela, a criação de uma rede 5G deve ser fundamental para o bom funcionamento, com maior capacidade de transmissão de informações. A infraestrutura para aparelhos elétricos é mais um ponto, como locais de recarga.
Ao Estadão, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), órgão ligado à Força Aérea Brasileira, informou que planeja usar a infraestrutura e os meios já existentes para controle enquanto houver um baixo volume de operações. Posteriormente, conforme o número for aumentando, novas estruturas devem ser proporcionadas.
Cada voo terá que ser analisado previamente antes de ser autorizado, como é hoje para outras aeronaves. O Decea deve publicar uma concepção operacional (Conops) indicando sua visão para essas operações e afirmou que, posteriormente, deve ter novas ferramentas de análise de intenção de voo para garantir agilidade e segurança.
Regulação
Com os projetos ainda em fase de desenvolvimento, a regulação também está em fases iniciais. Uma consulta pública ao setor está sendo realizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), para definir os princípios das normas técnicas para os equipamentos. No momento, três aparelhos estão em processo de certificação pela agência, o da EVE e o de duas empresas estrangeiras - os procedimentos avançam em paralelo ao desenvolvimento da tecnologia.
A Anac informou ao Estadão que planeja avaliar os VTols e EVTols caso a caso, respeitados alguns princípios básicos, devido à grande variação de designs possíveis. "A empresa traz para a Anac qual a ideia, a concepção, e serão discutidos quais os requisitos para aquele caso concreto. Depois que bater o martelo, o fabricante demonstra que cumpre com aquelas regras", explica Roberto Honorato, superintendente de aeronavegabilidade da Anac. "Teremos regras claras e publicadas, qualquer pessoa poderá ver e reclamar, e assim, não teremos problemas de isonomia."
Também ficará a cargo da empresa desenvolvedora indicar o modelo de operação, como o tipo de estrutura na qual o VTol irá pousar e como será o controle da aeronave. A partir daí, será definido o tipo de licença e treinamento que os controladores e operadores aéreos precisarão ter. Mas tudo terá que ser certificado a partir de regras ainda a serem definidas: aparelhos, operadores, infraestrutura e rotas - no caso destas últimas, pelo Decea.
Honorato prevê que rotas já existentes devem ser o caminho para o início, antes dos veículos ganharem popularidade, e que será necessário um forte contato entre a empresa desenvolvedora e quem utilizar as aeronaves no início. "Queremos evitar over-regulation (regulação excessiva) para não impedir o desenvolvimento do setor. Por isso, pretendemos tratar da certificação no caso a caso, para entender como o desenvolvimento será pouco a pouco", explica.
No momento, a EVE pretende lançar um EVTol para o transporte de passageiros em 2026, e afirma que os processos de desenvolvimento e certificação estão avançando de maneira adequada. A subsidiária da Embraer informou já ter cartas de intenção de compras que somam 2.850 aeronaves de diversos clientes no mundo, além de um processo de certificação em andamento também na Administração de Aviação Civil dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês) - a intenção é que a validação ocorra de forma simultânea no Brasil e nos EUA.
Outras questões
Mais pontos relativos à segurança e impactos devem ser colocados, como a meteorologia, a poluição sonora nas cidades, a segurança cibernética para evitar que os aparelhos sejam hackeados e mesmo que sofram assaltos.
"Como toda tecnologia, vai ter que tropicalizar. Muitas vezes tem questões de segurança que ninguém nos EUA e na Europa pensou", adverte Camila Andersen, sócia de Deal Advisory & Strategy da KPMG no Brasil.
Um exemplo da "tropicalização" é na temperatura: VTols e EVTols em teste no Hemisfério Norte voam melhor entre 18ºC e 30°C, e precisariam de adaptação em boa parte das grandes cidades brasileiras. Por outro lado, parte da solução dos problemas pode estar no próprio equipamento. Conectados à internet, podem receber informações em tempo real sobre as condições climáticas e evitar problemas - além de contar, é claro, com a presença dos controladores.
Futuro
Se ainda há dúvidas sobre quando os VTols se tornarão comuns, os primeiros testes já estão sendo feitos. Há a promessa de que um EVTol da startup Volocopter com espaço para duas pessoas seja usado como táxi nos Jogos Olímpicos de Paris, ainda em 2024. "O setor atraiu muitas startups, empresas pequenas e com pensamento de inovação, mas de fora da aviação. No geral, é um setor que traz bastante inovação", destaca Honorato, da Anac.
No Brasil, um conceito de operações (Conops, na sigla em inglês) foi elaborado pela EVE e pela Embraer, em parceria com a Anac, Decea, aeroporto do Galeão e outras entidades e empresas. A rota foi proposta na cidade do Rio de Janeiro, para ir da Barra da Tijuca até o Galeão.
Ainda deverá demorar décadas para se tornar um transporte realmente popular. Segundo Andersen, da KPMG, nesta década deve-se pensar mais no transporte de cargas, para apenas quando houver certeza de segurança, focar nos passageiros. Contudo, a EVE e outras empresas já trabalham pensando no transporte de pessoas e buscam garantir a segurança de todos que estiverem a bordo.
Ao mesmo tempo, a Anac, a Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) e entidades regulatórias de outros países trocam informações em busca das melhores regras.
"Os eventos futuros projetam suas sombras muito antes", avisa Márcio Peppe, da KPMG. Para ele, o Brasil tem trabalho a fazer na infraestrutura aeroportuária onde esses equipamentos possam ser utilizados com segurança, e também precisa avançar na legislação para não perder as oportunidades no novo setor.
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