CAMPANHA
Doadores bancaram R$ 8 milhões para eleição de políticos da tropa de choque bolsonarista
Salim Mattar, fundador da Localiza, foi maior patrocinador de bolsonaristasJair Bolsonaro (PL) não vai mais ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2023, mas isso está longe de significar a morte do bolsonarismo. Além de diversos governadores e senadores, o futuro ex-presidente ajudou seu partido a eleger a maior bancada da Câmara dos Deputados, com 99 parlamentares, e alavancou a candidatura de dezenas de bolsonaristas alocados em outras legendas, como o Tenente Coronel Zucco, do Republicanos do RS. Juntos, esses políticos ligados à extrema-direita receberam milhões de reais em doações para financiar suas campanhas.
Ao todo, as 30 candidaturas mapeadas pelo levantamento receberam pouco mais de R$ 8 milhões doados diretamente por pessoas físicas. O montante representa cerca de 25% do total arrecadado pelas campanhas. Outros R$ 21,2 milhões vieram dos fundos Especial e Eleitoral, enquanto cerca de R$ 2,5 milhões foram arrecadados pelos partidos por meio de doadores e direcionados para os candidatos.
Quase todo o valor distribuído via legendas partidárias partiu do Diretório Nacional do PL de Valdemar Costa Neto. O campeão de recursos do partido foi Filipe Barros (PR), que se elegeu na onda bolsonarista em 2018 e recebeu R$ 2,7 milhões nessa eleição, em que foi reeleito. Ele é seguido pela atual vice-governadora de Santa Catarina e deputada eleita, Daniela Reinehr, que recebeu R$ 2,5 milhões e pelas reeleitas Carla Zambelli e Bia Kicis, que receberam R$ 2 milhões cada. Filho do presidente, Eduardo Bolsonaro foi somente o 14º que mais recebeu recursos do PL, com “apenas” R$ 805 mil.
Considerando as pessoas físicas que doaram diretamente para candidatos, 36 destinaram valores a partir de R$ 50 mil. Quando se inclui todas as doações de valores a partir de R$ 10 mil, foram 155 os doadores que colaboraram com a eleição da tropa de choque bolsonarista que estará na Câmara dos Deputados a partir de 2023.
A pessoa física que investiu em mais candidatos alinhados ao bolsonarismo foi o empresário José Salim Mattar Júnior, ex-secretário especial de Desestatização do governo Bolsonaro e fundador da Localiza, gigante do segmento de aluguel de carros. Apoiador de longa data do futuro ex-presidente, ele contemplou quatro dos candidatos mapeados pela Pública nessa eleição, em um total de R$ 400 mil. Foram R$ 250 mil para o ex-ministro e agora deputado federal em SP Ricardo Salles, e R$ 50 mil cada para três candidatos eleitos em 2018 na esteira do bolsonarismo e que conseguiram um novo mandato: o policial federal gaúcho Ubiratan Sanderson, a advogada catarinense Caroline De Toni, e o empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, descendente de D. Pedro II e reeleito por São Paulo.
Há anos, Salim Mattar vem se destacando como financiador de grupos liberais e conservadores no Brasil, sendo fundador de organizações como o Instituto Liberal e o Instituto Millenium. Amigo do ministro da Economia, Paulo Guedes, desde os anos 1990, ele ocupou o cargo de secretário de Desestatização entre janeiro de 2019 e agosto de 2020. O raio privatizador de Bolsonaro, porém, não conseguiu fazer avançar os projetos dentro da pasta, tecendo críticas ao governo ao se demitir da vaga. A passagem pelo governo federal rendeu ao empresário um pedido de investigação por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou suspeitas de vazamento de informações privilegiadas durante um processo de privatização.
Com uma fortuna que já foi estimada na casa de R$ 1,8 bilhão pela revista Forbes, o dono da Localiza foi o quarto maior doador das eleições nacionais pela segunda vez consecutiva. Em 2022, ele desembolsou mais de R$ 6,1 milhões para um total de 35 candidatos, boa parte deles do Partido Novo. O valor é mais que o dobro do que ele destinou em 2018, quando doou R$ 2,9 milhões.
O principal beneficiado foi o próprio Jair Bolsonaro, que recebeu R$ 1,8 milhão, seguido do governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que recebeu R$ 800 mil. Dois outros ex-ministros de Bolsonaro receberam doações de Salim Mattar: Onyx Lorenzoni (PL-RS), que perdeu o 2º turno na disputa para governador, recebeu R$ 200 mil, enquanto Sergio Moro (União Brasil/PR), eleito senador, recebeu R$ 100 mil. Nas eleições municipais de 2020, Salim e seu irmão e sócio, Eugênio Mattar, também figuraram entre os maiores doadores. Eugênio também se destacou em outra lista em 2020: a de pessoa física que mais recebeu verbas públicas.
Em nota, a Localiza informou que Mattar “desligou-se da companhia no final de 2018 quando renunciou ao cargo de Presidente do Conselho de Administração para ocupar uma posição no Governo Federal”. Já o empresário, por meio de sua assessoria de imprensa, confirmou as doações, criticou o uso de dinheiro público no financiamento de campanhas eleitorais e destacou que suas doações foram direcionadas a candidatos alinhados com as ideais liberais que defende. Em relação à investigação do TCU, o empresário afirmou que a representação foi feita “com base exclusivamente em uma matéria da revista Carta Capital, não constando nos autos qualquer outro documento ou prova sobre os fatos alegados”, destacou que não era mais o secretário quando da ocorrência dos fatos investigados e disse que o processo já foi arquivado pelo TCU.
Além de Salim Mattar, da Localiza, a lista de doadores de Salles é puxada pelo herdeiro e sócio do Grupo Votorantim Marcos Hermírio de Moraes, que destinou R$ 250 mil para o político. Moraes foi ele próprio candidato nesta eleição, tentando chegar ao Senado como 2º suplente na chapa do ex-governador Marconi Perillo (PSDG-GO), que não se elegeu. O herdeiro da Votorantim se destacou como candidato mais rico deste pleito, ao declarar mais de R$ 1,2 bilhão ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele doou R$ 3,3 milhões para oito candidatos nessa eleição. O empresário Rafael de Moraes Vicintin, igualmente ligado ao grupo familiar que comanda a Votorantim, também doou para Salles, destinando R$ 50 mil.
Os outros maiores doadores do ex-ministro são, em sua maioria, ligados ao setor sucroalcooleiro, muitos deles defensores de narrativas ‘sustentáveis’ em seus negócios, como explorado em reportagem da Repórter Brasil. A lista inclui o presidente dos conselhos de administração do Grupo São Martinho e da Unica (Associação Brasileira da Indústria de Cana-de-Açúcar), Marcelo Campos Ometto, que também é 3º vice-presidente da Fiesp e o presidente da Cia. Melhoramentos Norte do Paraná, Gastão de Souza Mesquita, cujo filho é ligado ao movimento Endireita Brasil. Cada um deles doou R$ 100 mil.
Entre os demais grandes doadores da campanha de Salles, quem se destaca é o empresário Rubens Ometto, presidente do Conselho de Administração da Cosan, que destinou R$ 50 mil para o ex-ministro. A empresa, que já figurou na Lista Suja do Trabalho Escravo por conta de uma terceirizada, também está envolvida em suspeitas de grilagem no Matopiba.
Ometto foi, pela terceira eleição consecutiva, o maior doador do pleito. Segundo dados disponíveis no DivulgaCand, ele destinou R$ 7,4 milhões para 22 candidatos e quatro diretórios partidários, contemplando inclusive políticos de PL e PT. Além de Salles, outros ex-ministros de Bolsonaro foram contemplados pelo empresário, que doou para Tereza Cristina, Tarcísio Gomes de Freitas e Onyx Lorenzoni. Apesar do apoio a bolsonaristas, Ometto foi recentemente ofendido por um apoiador do futuro ex-presidente, durante evento nos EUA.
Procurada, a Cosan não quis comentar. Ricardo Salles e a Votorantim não deram retorno aos contatos feitos por e-mail pela reportagem até a publicação.