PEC DA ANISTIA
Projeto usa discurso de Lula para garantir impunidade de manifestantes
Proposta de Crivella avança e reacende debate sobre atos do 8 de Janeiro
A Câmara dos Deputados aprovou, por 311 votos a favor, 163 contra e 7 abstenções, o regime de urgência para o Projeto de Lei 2162/2023, que concede anistia a todos os participantes de manifestações de motivação política ocorridas entre 30 de outubro de 2022 e a data de entrada em vigor da futura lei. A decisão abre caminho para beneficiar investigados e condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos três poderes, em Brasília, foram depredadas por grupos inconformados com o resultado das urnas. O projeto, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), foi protocolado com o apoio de outros 31 parlamentares, em sua maioria ligados ao bolsonarismo.
Na justificativa, Crivella buscou um elemento simbólico para legitimar a proposta: o discurso de Luiz Inácio Lula da Silva após a vitória presidencial de 2022. Em sua fala, Lula pregava a pacificação nacional e o fim da guerra política que dividira famílias e amigos durante a disputa eleitoral. O texto do PL resgata essa mensagem e tenta transformá-la em argumento jurídico e político em favor da anistia, sustentando que a clemência seria um ato de magnanimidade capaz de cicatrizar feridas e restaurar laços de confiança entre governantes e governados.
O trecho citado aparece integralmente na proposição: “A partir de 1º de janeiro de 2023 vou gover nar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação. Não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio. A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guer ra. Este país precisa de paz e de união. Esse povo não quer mais brigar. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído. É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas. Armas matam. E nós escolhemos a vida”.
A proposta de Crivella prevê a extinção da punibilidade de todos que participaram, financiaram ou apoiaram manifestações políticas no período citado, incluindo publicações em redes sociais, doações, apoio logístico ou serviços prestados. A anistia também alcançaria multas aplicadas pela Justiça Eleitoral ou comum, além de medidas cautelares e restrições de direitos impostas em processos judiciais. De fora do perdão ficariam crimes como tortura, tráfico de drogas, terrorismo e outros considerados hediondos, além de homicídios, lesões corporais graves e incêndios. O texto ainda impõe limite de R$ 40 mil para doações a atos políticos e exclui infrações disciplinares cometidas por servidores e agentes de segurança pública.
Crivella sustenta que a repressão promovida após o 8 de Janeiro teria sido desproporcional e transformado em réus preventivamente presos, muitos deles por crimes cujas penas não ultrapassam quatro anos. Afirma também que a demora dos processos judiciais mantém “uma espada de Dâmocles” sobre milhares de famílias, prolongando a angústia social. Para o deputado, a anistia serviria de resposta apaziguadora, de “arrefecimento de espíritos”, em vez de revanchismo e vingança. A justificativa invoca exemplos históricos, como a anistia de 1979, que marcou a transição da ditadura para a democracia, e outras medidas aprovadas em diferentes governos para beneficiar categorias punidas por motivações políticas.
Com a urgência aprovada, o texto pode ser votado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o relator terá que construir uma versão de consenso, mas admitiu que há visões divergentes e interesses distintos sobre o tema. Nos bastidores, líderes do Centrão enxergam na proposta uma forma de agradar à base bolsonarista e de reforçar o papel do Congresso frente às decisões do Supremo Tribunal Federal.