Diante da indiferença dos EUA, Milei busca apoio do Paraguai, 'seu único aliado na região'

Por Sputnik Brasil 11/04/2025 - 02:12
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© Foto / X/ @SantiPenap
Diante da indiferença dos EUA, Milei busca apoio do Paraguai, 'seu único aliado na região'

A mais recente visita de última hora do presidente argentino, Javier Milei, ao seu homólogo do Paraguai, Santiago Peña, na capital, Assunção, aponta para uma guinada do "libertário em direção ao pragmatismo" diante da falta de resultados no alinhamento com os EUA, de acordo com estudiosos entrevistados pela Sputnik.

O encontro que não gerou grandes avanços bilaterais, mas deixou um recado claro de afinidade ideológica — até então inédita — entre o libertário e um chefe de Estado da região.

"Não tenho dúvidas de que tanto Argentina quanto Paraguai serão um exemplo para toda a América do Sul. Internamente, enfrentando a eterna batalha contra o Estado onipresente e o déficit fiscal; externamente, por meio da cooperação pacífica e do comércio", declarou Milei durante a coletiva conjunta após o encontro.

Segundo os comunicados oficiais de ambos os governos, o foco da conversa foi a situação do Mercosul, que terá uma nova cúpula presidencial ainda este ano, em Buenos Aires.

O analista internacional argentino Emanuel Porcelli considerou que a visita repentina de Milei a Assunção é "mais uma demonstração da improvisação deste governo no que diz respeito à política externa", já que se tratou de uma visita oficial "sem uma agenda muito clara" e com comunicações oficiais bastante sucintas.

O especialista avaliou que o verdadeiro objetivo do presidente argentino com a viagem foi "aproveitar os temas que geraram tensões na relação entre Paraguai e Brasil" — referindo-se às divergências entre os dois países quanto à escolha do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), quando Brasília retirou seu apoio ao candidato paraguaio, além das revelações sobre suposta espionagem realizada por serviços de inteligência brasileiros contra servidores paraguaios.

Para Porcelli, a reunião entre Milei e Peña é "uma espécie de ato reflexo" da Argentina diante da necessidade de Buenos Aires de "tentar coordenar alguma ação que lhe permita atender aos interesses dos EUA nas discussões globais sobre mudanças tarifárias".

"O governo argentino se deparou com a limitação de que não pode fazer o que Trump pede sem um acordo interno no Mercosul, já que não é possível conceder preferências tarifárias a terceiros de forma unilateral. E o único membro com o qual poderia formar algum tipo de parceria é o Paraguai", argumentou o analista.

O especialista lembrou que o governo de Santiago Peña compartilha com o de Milei o interesse em manter uma boa relação com Washington, o que pode torná-lo o aliado que a administração argentina procura para fortalecer sua demanda por uma flexibilização tarifária dentro do bloco.

Porcelli ponderou, no entanto, que embora Assunção possa apoiar "momentaneamente" a Argentina nesse tema devido ao momento delicado nas suas relações com o Brasil, a diplomacia paraguaia "nunca é tão taxativa" e é provável que evite "uma postura de confronto direto" dentro do bloco regional.

EUA não dão respostas

Também ouvido pela Sputnik, o analista internacional Cristian Riom relacionou a visita surpresa ao Paraguai com a falta de resultados do "alinhamento automático" que a Argentina de Milei tem demonstrado com os EUA.

"É evidente que o governo não está conseguindo estabelecer essa relação especial com os EUA, nem alcançar acordos relacionados ao livre comércio", comentou.

Segundo o analista, a escassez de avanços na relação com Washington está levando o governo Milei a começar a considerar um "reingresso, entre aspas, no Mercosul" — voltando a se interessar pelo bloco comercial que o presidente argentino criticou e do qual ameaçou sair caso se tornasse um obstáculo para firmar um tratado de livre comércio com os EUA.

"Nesse cenário mundial, a própria dinâmica econômica está forçando Milei a adotar um caminho mais pragmático, afastando-se dos postulados mais radicais do liberalismo, em busca de ampliar seu leque de alianças econômicas, comerciais e financeiras", analisou Riom.

O especialista destacou que o Paraguai surge nessa equação como o parceiro do Mercosul que Buenos Aires precisa para "criar um contrapeso" ao protagonismo do Brasil e à posição do Uruguai, que tem se aproximado de Itamaraty desde a eleição de Yamandú Orsi como presidente.

"Não há na região outro governo com as características do Paraguai que possa acompanhar Milei em algumas de suas ideias econômicas”, afirmou Porcelli, ao alertar que, mesmo que o governo argentino não queira reconhecer, o país está "bastante isolado das discussões regionais".

Para o analista, um exemplo claro desse isolamento foi a escolha do novo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA),em que a Argentina "não teve qualquer protagonismo, apesar de ser um país relativamente influente".

"A Argentina não participou da discussão, nem sequer foi um ator relevante no debate. Acredito que isso está relacionado a uma certa perda relativa de poder nas conversas regionais, causada principalmente por uma política externa muito errática e simplista", concluiu.

Por Sputinik Brasil


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