'Perspectiva eugenista': Analista comenta manobra de política migratória do governo Trump

Na contramão da própria política migratória, o presidente dos EUA, Donald Trump, recebeu como refugiados um grupo de 59 sul-africanos brancos. O que essa posição revela sobre o atual governo americano e suas relações com Pretória?
As pessoas que chegaram aos Estados Unidos são descendentes de africâneres (termo para se referir a descendentes de colonos holandeses, franceses e alemães). Eles fazem parte da população branca da África do Sul, que representa cerca de 7% do total e afirma sofrer perseguições.
A ideia é rechaçada pelo líder sul-africano, Cyril Ramaphosa, que ressalta que seu país atravessa um momento de crise por causa da violência, mas nega que tenha motivações étnico-raciais e que haja perseguições por conta disso.
O assunto foi tratado, recentemente, em uma reunião entre Ramaphosa e Trump na Casa Branca, com o líder norte-americano defendendo a tese de perseguição à população branca da África do Sul. Trump teria mostrado um vídeo a Ramaphosa para chancelar sua acusação. O presidente sul-africano, por sua vez, demonstrou não reconhecer as imagens. Após as acusações do chefe da Casa Branca rodarem o mundo, veículos de imprensa desmentiram Trump e afirmaram que as cenas mostradas a Ramaphosa aconteceram no Congo.
O episódio apimentou uma "relação já muito tensionada", comenta Pablo Saturnino Braga, professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
"Esse constrangimento está também inserido dentro de uma lógica geopolítica em que a África do Sul é um país que tem uma articulação multilateral, que tem boas relações, por exemplo, com a Rússia e é um país que tem como seu principal parceiro comercial a China", explica.
Além disso, o especialista ressalta outro ponto sensível nessa relação: a liderança da África do Sul na denúncia contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ).
"Os Estados Unidos são o principal apoiador israelense, militar e politicamente, o governo do Donald Trump tornou o embaixador sul-africano persona non grata e expulsou ele do país. Então é uma relação diplomática já muito tensionada", ressaltou.
Outro marco dessa relação conturbada é a já manifestada recusa de Trump e do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em comparecer à próxima cúpula do G20 na África no Sul. Na esteira da acusação americana sobre a perseguição à minoria branca do país — relacionada a uma política sul-africana de redistribuição de terras, que visa diminuir as disparidades raciais no país —, Washington suspendeu o envio de ajuda humanitária à Pretória.
Em meio aos imbróglios diplomáticos, quando Ramaphosa vai à Casa Branca, ele vai no intuito de falar sobre acordos e negócios, ressalta Luísa Barbosa Azevedo, mestranda em relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora de África Subsaariana do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC).
"A comitiva sul-africana foi aos Estados Unidos a negócios, mas ela foi emboscada em uma narrativa fantasiosa do Trump no Salão Oval, que realmente eles não esperavam", comenta a analista.
Segundo Braga, a repercussão das atitudes do governo Trump na sociedade sul-africana tem colocado o país como alvo de uma "política completamente irresponsável" por parte de Washington.
Já em relação ao tema que expôs o escândalo diplomático entre os líderes dos dois países frente à política migratória de Trump, o professor avalia que o presidente americano pauta essa seara a partir de um recorte racial. "Há uma seletividade na escolha daqueles imigrantes que são, de fato, considerados uma ameaça para a pureza nacional, uma perspectiva eugenista até", enfatiza.
Braga acrescenta, ainda, que a atitude dos EUA junto às suas acusações "parece brincadeira", uma vez que "não tem absolutamente nada de sério nessa alegação". Mais uma vez, o especialista aponta que o governo americano usa o racismo como régua para medir quem deve ou não ser aceito no país.
"O racismo tem esse fundamento de superioridade racial, de considerar certas raças como superiores e é essa a perspectiva que está pautando a política migratória e outras políticas de direitos humanos do governo Trump", acrescentou.
Por Sputinik Brasil