Racismo, radicalização e polarização: o caso da Califórnia expõe 'declínio dos EUA'

Por Sputnik Brasil 12/06/2025 - 03:07
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Racismo, radicalização e polarização: o caso da Califórnia expõe 'declínio dos EUA'

O envio da Guarda Nacional e do Corpo de Fuzileiros Navais para conter os protestos contra as batidas migratórias aumentou as tensões entre Washington e o México — país de origem da maioria dos imigrantes, com ou sem documentos, que vivem nos EUA.

Milhares de pessoas saíram às ruas de Los Angeles e outras cidades norte-americanas nos últimos dias para protestar contra as operações conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândega (ICE, na sigla em inglês), especialmente na Califórnia — estado de importância econômica e cultural central para os EUA, sustentado há décadas por comunidades migrantes.

As manifestações levaram o governo do presidente Donald Trump a ordenar o envio de quatro mil integrantes da Guarda Nacional e centenas de fuzileiros navais. Autoridades da Califórnia classificaram as medidas como excessivas e até ilegais.

"São animais que carregam bandeiras estrangeiras", disse Trump sobre manifestantes que exibiram, em sua maioria, bandeiras do México. O republicano alertou que, caso os atos não cessem, poderá invocar a Lei de Insurreição de 1807 para usar as Forças Armadas na repressão.

Situação mostra enfraquecimento dos EUA

Segundo o especialista em relações internacionais da UNAM Miguel Ángel Valenzuela Shelley, a situação na Califórnia é mais um sinal do enfraquecimento dos EUA como potência global. Ele afirma que o país, há pelo menos uma década, sofre uma forte perda de coesão social, com crescente polarização e radicalização interna — acompanhadas de uma redução de relevância geopolítica.

"Economicamente, comercialmente, os EUA estão em queda. Há um nacionalismo exacerbado e uma radicalização preocupante. Tudo isso indica um declínio cultural e de influência política. Estamos presenciando o declínio dos EUA. A soberba do governo Trump, o descaramento e o uso excessivo do poder mostram uma decadência cultural e de legitimidade", disse à Sputnik.

Para o especialista, o slogan "Make America Great Again" (tornar a América grande novamente) não passa de uma frase de efeito vazia, já que Trump está longe de conseguir cumprir suas principais promessas.

O pesquisador e consultor em assuntos internacionais Luis Huacuja concorda: "Trump não conseguiu fazer as coisas acontecerem. Passados mais de 100 dias desde que assumiu o cargo pela segunda vez, ainda não consolidou suas políticas".

Huacuja menciona o fracasso em encerrar o conflito na Ucrânia e os erros nas políticas tarifárias. "Sua popularidade está em queda acentuada", afirmou.

Segundo o doutor em Direito, a atual ofensiva contra migrantes pode se tornar mais um erro estratégico: "Esse desprezo pela comunidade migrante pode custar caro, já que ele recebeu apoio até mesmo de parte desse grupo. Subestimar a força dos migrantes — só de mexicanos são cerca de 40 milhões — pode sair caro".

Durante a última eleição presidencial nos EUA, uma pesquisa de boca de urna da NBC News indicou que 46% dos eleitores latinos votaram em Trump.

'Não há quem o detenha'

A socióloga Raquel Saed, mestre em Estudos México-EUA pela UNAM, lembra que Trump tem como alvo os migrantes há mais de uma década. No entanto, ela ressalta uma diferença importante entre seu primeiro mandato (2016–2020) e o atual: "Antes, alguns assessores funcionavam como freios. Agora, ninguém o segura. Ele está cercado por pessoas que permitem que vá até onde quiser".

Segundo a professora da Universidade Iberoamericana, Trump tenta cumprir a promessa de deportar o máximo possível de imigrantes — algo que ela considera inviável: "Ele quer expulsar cerca de 11 milhões de mexicanos sem documentos. Como se faz isso? É impossível".

Saed destaca ainda que a atual política migratória do governo é baseada no racismo e tem como principal arquiteto o assessor Stephen Miller, conhecido por sua aversão aos migrantes.

Protestos fortalecem Trump politicamente?

Para a doutora em Relações Internacionais da UNAM Claudia Serrano, os protestos na Califórnia podem até fortalecer Trump politicamente, ao lhe dar pretexto para enviar tropas a estados democratas. Porém, ela alerta que a comunidade migrante pode se tornar um contrapeso a suas políticas.

"Esse pode ser o começo das rachaduras: não há um governo plenamente coeso por trás da visão de Trump sobre migração", avalia.

Serrano conclui que, apesar do discurso de unidade e grandeza, mobilizações como as da Califórnia revelam profundas dificuldades de coordenação nacional em torno da política migratória.


Por Sputinik Brasil


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